Carlos Luna
Soneto a um fidalgo morto por um touro (este vai repetido)
Dos golpes no confuso labirinto
morre ao mais duro o touro mais atento,
pois sendo igual em todos o instrumento
em tudo o braço heróico o fez distinto.
Em cólera abrasado, em sangue tinto,
conhece o bruto o alto régio alento,
e ilustrando na morte o nascimento
obrou como a razão o que era instinto.
Para acabar elege uma ferida,
mas na eleição a rápida braveza
passa de irracional, fica estendida.
E em régia adoração de tanta alteza,
chega hoje a ser o estrago de uma vida
mais que injúria, lisonja à natureza.
Soneto a um coronel, tido como cruel para os seus subordinados, e... zarolho! Este soneto ainda era considerado desrespeitoso em 1855.
Coronel satanás, Fernão zarolho,
cruel hárpia das que o abismo encerra,
na empresa de afligires esta terra
de que serve o bastão, se tens esse olho?
Vai-te deitar na granja de remolho
onde o vilão, porque o escorchas, berra;
pois não é para o ilustre ardor da guerra
Abóbora com feitio de repolho.
Se soubeste juntar com força rara,
sendo em ti o prender genealogia,
de galinha o louvor, de mono a cara,
anda, prende, e "ateima" na porfia,
pois em Aldegavinha tens a vara
e n´Ásia, em Cananor, a feitoria.
Soneto a um pregador, a um "cura", da Ordem dos Grilos, célebre pelo seu amor à bebida. Este soneto é o último que chegou até nós de Caetano José da Silva Souto-Maior:
Tal sermão, e tão grande, e sem parelha
do nosso reverendo Frei Palrilha,
será d´asnos oitava maravilha
por somente constar de muita orelha.
Eu quando o vi com cara tão vermelha,
dizendo as asnidades em quadrilha,
sem reparar nos calos da servilha
julguei tudo fumaças da botelha.
Se o sermão se pregasse na Pampulha,
de toda a marotice a vil canalha,
metera muito embora o frade a bulha.
Mas eu venho a inferir nesta baralha
que ou o tal frade a todos nos empulha,
ou ele certamente come palha.
OS 22 sonetos sobreviventes de Caetano José da Silva Souto-Maior foram "salvos" por José Maria da Costa e Siva, e publicados em 1855. Há outros poemas "sobreviventes".
sábado, 3 de julho de 2010
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Estes textos de Carlos Luna dedicados a Caetano José da Silva Souto-Maior, tiveram o condão de me lembrar uma figura muito falada e muito mal conhecida - a do "Camões do Rossio" - que sempre relacionamos com Lisboa e afinal é alentejano e oliventino. A memória colectiva, filtrada pelo imaginário popular e transportada na tradição oral, cria mitos, o que não será mau, mas comete injustiças. Bocage, o grande poeta, é uma das vítimas dessa mitificação; o "Camões do Rossio", sendo um poeta mais convencional do que o Elmano Sadino, era um homem de grande sentido crítico e de apreciável talento literário. Obrigado, Carlos Luna, por nos ter vindo recordar o "Camões do Rossio".
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