Pedro Godinho
Ao fim da tarde, terminado mais um dia de trabalho, sentava-se no café de eleição – a ler e a tomar notas para uma futura criação literária.
Escolhera aquele café, em particular, por ser suficientemente distante quer do emprego quer da residência, de modo a não correr o risco de se cruzar nem com colegas nem com vizinhos, e não ter de entabular conversa, prestar contas ou dar explicações sobre a sua vida e manias.
Como queria, ali era um simples desconhecido, que podia gozar a tranquilidade oferecida por essa qualidade.
Homem de hábitos, pedia invariavelmente um galão – de máquina, precisava – e dois pastéis de bacalhau.
Fazia pouco mais de três semanas que descobrira aquele café de bairro, que passara desde logo a frequentar.
- O costume, senhor? – perguntou-lhe solícito o empregado.
Tremeu-lhe o lábio. Era o fim. Tornara-se um habitual.
Seguir-se-iam os pequenos apartes, primeiro, a tentativa de meter conversa, em suma, o reconhecimento e familiaridade que temia.
Levantou-se e saiu, dirigindo ao empregado o primeiro e último ‘boa tarde’ de sempre. Estava na hora de procurar um novo café.
sábado, 24 de julho de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
É das melhores coisas que nos dá a cidade. Privacidade.Belo conto!
ResponderEliminarQuando há possibilidade de escolha, que se escolha! Mas, se não fosse tão rígido nos hábitos, talvez não se tivesse tornado um "habitual"...É a repetição que os outros notam? O empregado nota o que se pede para ser servido. Um esteta notará o que veste. Um intelectual que está sempre escrevendo, virado para dentro...Fiquei a pensar - o que os outros verão em mim?
ResponderEliminar