terça-feira, 27 de julho de 2010

José Brandão fala de «Os Homens do Rei».

Este é um espaço novo onde teremos os colaboradores do Estrolabio a apresentar uma ideia, um livro, um quadro, uma canção – de sua autoria ou não. José Brandão, o nosso historiador que nos apresentou a série dos «Suicídios famosos em Portugal» e agora nos está a oferecer «República nos livros de ontem nos livros de hoje», vem falar sobre a sua última obra - «Os Homens do Rei». Ouçamo-lo então;

Este livro é a História de Portugal contada com o propósito de trazer para primeiro plano do conhecimento público algumas das muitas figuras que protagonizaram episódios marcantes ao serviço de um rei.

Contam-se casos e vidas de súbditos que se notabilizaram pelos feitos que os colocam no nosso memorial histórico e onde estão nomes da mais diversa condição que surpreendem ao aparecerem juntos, como acontece no presente volume.

Os Homens do Rei são um encontro com figuras da História que estiveram presentes de forma elevada na vida dos reis portugueses. São personagens com feitos e factos capazes de despertar as atenções protectoras ou os interesses mais exigentes das majestades reinantes e que, em alguns casos, chegam mesmo a ocupar funções que deixam ofuscado o respectivo patrono real.

Os Homens do Rei aqui apresentados revelam as grandezas e fraquezas de um mundo tutelado por sucessivas dinastias onde nem sempre prevalece o primado da competência e o da honradez de carácter.

Se por um lado homem do rei pode significar um factor de competência na educação e na formação de alguém visado, por outro, pode traduzir as fragilidades e os podres de um Poder que se estilhaça e se dissolve às mãos de aproveitadores de ocasião.

O Egas Moniz de D. Afonso Henriques não é o Marquês de Pombal de D. José. Nem João Franco de D. Carlos é Fernão Lopes de D. Duarte. São homens do rei em tempos diferentes e com fins que em nada se comparam. Mas porque não visa meras comparações de feitos e obras, este trabalho quer divulgar um conjunto de personagens que de algum modo estiveram ligadas à vida de monarcas portugueses. Escolhidos pelo bem ou pelo mal que representam, eles são os homens que o rei quer e precisa para os seus intentos, nem sempre bons, nem sempre maus.

Permanentemente abertos a ter a seu lado aqueles de que resulta um bom partido ou um bom investimento, os nossos Soberanos não regateiam preços nem denotam dificuldades em granjear ou aceitar como seus homens alguns dos mais estranhos e imprevisíveis apoiantes ou apoiados. Entre os de irrepreensível porte e os de infame alinho, tantos são os que estão ao dispor da escolha possível.

Num cenário que vai do pioneiro D. Afonso Henriques ao derradeiro D. Manuel II alinham-se cerca de uma centena de figurantes provindos dos mais diversos campos do saber e da mais distinta cultura da época.

São os Homens do Rei que servem de tema a uma abordagem ainda pouco aprofundada e menos ainda divulgada. Ao longo das páginas que se seguem podem ser avaliadas figuras da nossa História que nos fazem crer num passado de Portugal feito à sombra de muita gente hoje quase anónima.

Quem recorda nos tempos que correm o arcebispo de Braga D. João Peculiar, do reinado de D. Afonso Henriques, ou mesmo o bispo de Viseu D. António Alves Martins, do reinado de D. Pedro V?

Quem recorda actualmente o Chanceler Julião Pais, do reinado de D. Sancho I, ou mesmo o deputado Manuel Fernandes Tomás, do reinado de D. João VI?

Ao exibir a presente relação de Homens do Rei procura-se trazer à ribalta da escrita memórias de vidas excelsas que se desdobram pelas dinastias que comandaram os destinos de Portugal.

Devotados do rei porque por ele escolhidos, ou devotados ao rei porque a ele escolheram, estes Homens do Rei são, em geral, modelos de uma dedicação extrema que coexiste entre a estima sincera e a cumplicidade criminosa.

O absolutismo do Visconde de Santarém e o liberalismo de Mouzinho da Silveira não podem expressar o mesmo objectivo da dedicação.

A ferocidade bárbara de Geraldo, o Sem Pavor contra os Mouros no Alentejo e a pregação missionária de Padre António Vieira junto dos Índios no Brasil não são expressão de igual préstimo. Igualmente, quer o suicídio do romancista Camilo Castelo Branco, quer o suicídio do sertanejo Silva Porto, se ocorrem no mesmo espaço temporal, não são, porém, consequência duma mesma razão. Camilo abraça a morte por amor físico e afectivo. Porto elege a morte por amor pátrio e contemplativo. Estão ligados a um rei do seu tempo e por isso são Homens do Rei.

Um exemplo -o homem de confiança de diverso reis - de D, Afonso VI, de D, Pedro II e de D. João V
o Marquês das Minas (1644-1728)


Descendente duma velha família a muitos títulos ilustre, D. António Luís de Sousa, foi como general do Exército português da Quádrupla Aliança na Guerra da Sucessão de Espanha (1704-1711) um dos seus grandes chefes militares, que especialmente se distinguiu pelo espírito combativo e capacidade manobradora em difíceis situações estratégicas.

Nascido em 1644, era o primogénito e herdeiro de D. Francisco de Sousa, 3.º conde do Prado, depois 1.º marquês das Minas, e de sua mulher, D. Filipa, filha dos condes da Torre.

Começava-lhe o primogénito aos 13 anos a brilhante carreira militar durante a Guerra da Restauração, tendo estado já na defesa de Elvas em 1658 e 1659. Em 1661, com 17 anos, era capitão das guardas do seu exército.

Em 1663, já mestre-de-campo dum terço de infantaria em operações, que seu pai comandava como governador das Armas do Minho, comportou-se de modo a merecer o rápido acesso a general de batalha, depois de ter derrotado em 1665 um corpo de tropas espanholas numa frustrada tentativa de assalto à praça-forte de Valença do Minho.

Até ao termo da guerra e às pazes de 1668 se manteve na defesa dessa fronteira do Norte, em cujo governo das Armas sucedeu, no ano seguinte, a seu pai; e em 1674, tendo-lhe herdado também o título de marquês das Minas, o príncipe-regente D. Pedro promovia-o a mestre-de-campo-general.

Assim, aos 30 anos prosseguia uma ascensional carreira militar e política. De 1684 a 1687, foi por D. Pedro II nomeado governador e capitão-general do Brasil, donde voltou ao Reino em 1668 para participar no Conselho de Guerra e, desde 1698, presidente da Junta do Tabaco, depois do que era chamado em 1703 ao serviço efectivo do Exército como governador das Armas do Reino.

Nessa crítica situação inicial, começava o marquês das Minas, general da Beira, a afirmar-se, aos 60 anos, um verdadeiro cabo-de-guerra. Descendo de Almeida com o seu pequeno exército, sucessivamente recuperava, na Beira Baixa e no Alto Alentejo, todas as posições dos bourbónicos, rechaçando-os para além-fronteiras, o que lhe valeu de D. Pedro II a graça régia de lhe confiar o comando supremo das tropas aliadas em Portugal, substituindo o velho conde das Galveias, herói da Restauração, primeiramente escolhido por favoritismos da corte, mas desconhecedor das novas técnicas de guerra.

A entrada triunfante do marquês das Minas em Madrid aos 28 de Junho de 1706, embora signifique um feito militar glorioso, não indemnizou o país dos sacrifícios a que nos sujeitou o célebre tratado de Methuen celebrado três anos antes com a Inglaterra no intuito de a termos por nossa aliada.

Mas, a 26 de Abril de 1707 aconteceu a famosa batalha, que, sobretudo pelas cargas finais da cavalaria francesa, redundou em total desbarato do exército anglo-português, destroçado, em debandada, com inúmeras perdas de vidas, de prisioneiros e feridos. E mesmo em plena derrota o veterano marquês, de 63 anos, à testa da sua tropa, vencida, estropiada, soube ainda operar em perfeita ordem uma magistral retirada estratégica até Barcelona, onde embarcou para Lisboa numa esquadra anglo deixando simbolicamente na Catalunha um contingente português.

Reinava já em Portugal o moço rei D. João V, que teria de arcar então no Reino com as consequências da derrota dos aliados.

D. João V tinha já premiado o valor militar do velho marquês das Minas em Espanha elevando-o a dignitário do paço, com o cargo de estribeiro-mor da rainha D. Maria Ana. Respeitado na corte, estimado do rei, morria aos 84 anos, no seu palácio de Lisboa, em 1728.

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