quinta-feira, 1 de julho de 2010

A questão dos tabacos - Centenário da República

Carlos Loures


Temos estado a analisar alguns dos motivos que conduziram à queda do regime monárquico. Vimos já como as comemorações camonianas de 1880, lideradas por personalidades republicanas e pelo Partido Republicano Português, fundado em 1876, que aproveitou esses festejos patrióticos para demonstrar a sua capacidade de mobilização e de organização, cooptando numerosos aderentes, contribuiram para o avanço do ideal republicanista.

O Ultimato de 1890 foi outro passo de gigante dado pelos republicanos. Na verdade, o rei e o governo, perante o humilhante “memorando” britânico, pouco poderiam ter feito. A Grã-Bretanha era a super-potência da época e o nosso Exército e a Armada não dispunham de capacidade bélica para a enfrentar. E disso se tratava, pois o nosso “velho aliado” logo nos ameaçou veladamente de bombardear com os seus navios as nossas principais cidades. Creio que uma análise serena e isenta nos levará à conclusão que a questão do regime era irrelevante – Monarquia ou República teriam tido de ceder.


O que talvez pudesse ter sido feito era ter proclamado perante a comunidade internacional a prepotência que estava a ser cometida, no mínimo com um corte de relações diplomáticas.. D. Carlos e o chefe do Governo, José Luciano de Castro, do Partido Progressista, que caiu em consequência, ou António de Serpa Pimentel do Partido Regenerador que o substituiu, nada fizeram para além de tentar salvar a face. O que não conseguiram; pelo menos aos olhos do povo português. E em 31 de Janeiro do ano seguinte deu-se o malogrado movimento no Porto, reflexo do descontentamento que reinava no seio da família militar.

Durante os anos que se seguiram, o campo republicano não cessou de crescer, capitalizando os erros dos governos monárquicos. E assim chegamos a1906, ano crucial no desgaste do regime. Para além da crise política que vinha de trás, a questão dos tabacos e a dos adiantamentos à casa real, embora correspondendo a factos e a erros ou atropelos da legalidade por parte dos sucessivos governos, foram aproveitados pela máquina de propaganda republicana (e não só).

O governo de Hintze Ribeiro seria o último do rotativismo partidário. Em 19 de Maio de 1906, João Franco seria nomeado chefe do ministério, iniciando um governo de ditadura, com fortalecimento do poder do rei. Começou mal, pois nessa tarde, quando esperavam a chegada de candidatos republicanos, a polícia caiu sobre a multidão, causando alguns mortos e feridos. Foi aquilo a que, com algum exagero, se chamou a «chacina do Rossio». João Franco quis resolver de imediato duas questões que vinham de trás . a questão dos tabacos e a dos adiantamentos à casa real.

Vejamos hoje a questão dos tabacos. Não vos vou contar a história desde o princípio, de como a partir do século XVI a planta começou a ser introduzida na Europa. No século XVIII, em Portugal, o negócio do tabaco era já significativo. Uma lei de 1736, assinada por D. João V, proibia a entrada de planta estrangeira, em Portugal e em todos os territórios administrados pela Coroa.

Na segunda metade do século XIX, o aumento exponencial do consumo levou a indústria maquinofactureira a um grau de mecanização jamais visto noutras indústrias, como a do algodão, por exemplo. O número de unidades fabris cresceu e logo começaram os grupos económicos a concentrar a produção, comprando as fabriquetas. Depois de um período de monopólio, uma lei de 1864 liberalizou de novo a criação de novas unidades.

De lei em lei, em 1891 restabeleceu-se o monopólio, pedindo o Estado um empréstimo público tomado por banqueiros portugueses em 30%, 25% de um grupo alemão e 45% de um grupo francês. A oposição política denunciou o carácter lesivo que este negócio assumia para a economia nacional.

Durante dois anos, entre 1904 e 1906, a luta pela concessão do monopólio à Companhia dos Tabacos de Portugal fez cair dois governos. Em 25 de Junho de 1904, após Hintze Ribeiro dissolver o Parlamento, o Partido Regenerador venceu as eleições. Porém, a pressão da oposição, centrada sobretudo nos novos contratos dos tabacos (e dos fósforos), fez cair o governo em 18 de Outubro. José Luciano de Castro, do Partido Progressista formou novo governo, mas a questão dos tabacos, a crise na região vinhateira do Douro provocada pela filoxera (bem como a propaganda republicana) faria cair este governo em Março de 1904.

Em Maio de 1905, José de Alpoim sairia com outros seis deputados do Partido Progressista, dando lugar à chamada «Dissidência Progressista. Em Março caiu o governo de Luciano de Castro e formou-se um gabinete encabeçado por Hintze Ribeiro. Era o último acto do sistema rotativista, pois em Maio João Franco dava corpo a uma velha ideia de D. Carlos e era nomeado chefe de um governo de ditadura administrativa, fortalecendo o poder real. Mas a crise dos tabacos tinha de ser resolvida.

Discutia-se a opção por um de dois modelos – administração directa do Estado, a chamada régie ou o arrendamento. Optou-se pela régie. Esse assunto foi arrumado de forma autoritária e só formalmente ficou resolvida, pois o problema dos tabacos voltaria à ribalta em Março de 1926, com manifestações em Lisboa. Em Maio houve o golpe militar de direita e logo no ano seguinte o monopólio foi reorganizado, intervindo além da Companhia dos Tabacos de Portugal, a Tabaqueira (pertencente à CUF) e a Companhia Portuguesa dos Tabacos.

João Franco «resolvera» a velha questão dos tabacos. No horizonte perfilava-se já a questão dos adiantamentos à casa real.

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