sexta-feira, 16 de julho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo LDécima quarta etapa: de Albergaria-a-Velha a S. João da Madeira

(continuação II)

Subo e desço com frequência. Doem-me os ombros, as costas… Não, não é um cadáver, o cadáver pesava menos, a mochila deve vir cheia de pedras. Ou de ouro. Encontro-me em plena aventura policial, como os leitores desde há muito suspeitavam... (Tanto faz calar como não, desviar as atenções: há coisas que um leitor logo compreende.) À minha volta, vejo casas, hortas, fábricas...

Sigo de novo junto à linha de comboio, desço a encosta na direcção de um arvoredo, atravesso um vale amplo e cultivado… Caminho em Macinhata da Seixa. Passo por cima de um ribeiro, reencontro uma vez mais, pouco depois, a linha do caminho-de-ferro.

Sinto calor. Doem-me os ombros. Quantos quilos transportarei? Sete? Oito? Com as botas, talvez mais… Sabendo que, desde a doença da minha mãe, desci aos quarenta e três, transportando dez por cento do meu peso, traria no máximo quatro quilos e meio… Não admira que me sinta esmagada: carrego com o dobro. Para aliviar os ombros, saboreio, enquanto caminho, a primeira metade da minha sandes abrutalhada.

A alimentação é um frequente tema de conversa entre os aldeagantes de que faço parte. No capítulo alimentação do caminhante, os roteiros declaram o potássio necessário, sem aliás justificarem porquê, logo, se as bananas são ricas em potássio, não se esqueçam das bananas. Por isso todos as devoram: quantidades de bananas. Como se a banana fosse um zepelim que, por ingestão, os tornasse mais leves e céleres… Ao ponto de, na mercearia de uma aldeia, os donos inquirirem, aproveitando a sorte – fugidia – de uma comedora de bananas falar enfim português:

- Mas… Vocês compram sempre bananas porquê?!

Apetecia-me responder:

- Por razões de fé: o peregrino de Santiago acredita muito na Banana.

Eu adopto as bananas aqui, como no liceu de Sartrouville, por outra razão: a banana pode ser comida sem uma lavagem prévia tanto da fruta como das mãos. Naquele liceu, com uma casa de banho malcheirosa na outra ponta do edifício, na qual nem sabão nem toalhetes havia, utilizada por duas centenas professores, decerto portadores de algumas doenças, foi graças a este fruto que nunca apanhei cistites… ou ainda pior. Agora, durante um dia de caminhada, também entro em lugares cuja higiene não é exemplar – por isso guardo as laranjas para mais tarde.

Para além do Mito da Banana, comum a todos os andarilhos, no princípio era a banana, há seitas que se afrontam: os fiéis da Proteína, para os músculos, os adoradores da Massa, pelos açúcares lentos, os beatos do Arroz (não me recordo da propriedade mágica)… E já nem falo dos dois Alemães, que são vegetarianos ortodoxos. Quanto a Paul, que é francês e por conseguinte, no momento de comer, não brinca com coisas sérias, quando aqui falamos de comida, por ter formação científica, exprime-se logo em percentagens: tantos por cento de proteínas, tantos por cento de hidratos de carbono…

Eu escolho aquilo de que gosto, aquilo que me apetece e aquilo que encontro a jeito – não é fácil conciliar os três critérios, mas neste momento vou satisfeita. Ainda bem que, para lá do meu pedido, só peixe, o empregado incluiu o tomate, a cebola e o molho: resultou uma iguaria! O peixe fresco, assado a preceito, o acompanhamento caramelizado a rigor, o pão excelente para este uso particular… Quando reparo: comi tudo! Era uma dose gigante. Resta-me a outra metade.

Chego a Oliveira de Azeméis. Treze horas: o calor continua a aumentar. Caminho molemente pela sombra quando avisto ao fundo da rua... o Paul. E, mais adiante, a Maria e o Gerhardt. Corro quanto posso, com os crocs e a mochila, berro: acabam por ouvir.

Pararam uma hora no restaurante. Mais do que caminhante, mesmo no Caminho de Santiago, Paul é francês e, desconfiado com a minha alimentação, que não respeita os horários gauleses nem a estrutura das refeições – entrada, prato, queijo e fruta (ou sobremesa) –, dogmas absolutos para qualquer hexagonal, inquire:

- Comeste alguma coisa?

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