segunda-feira, 19 de julho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

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Manuela Degerine

Capítulo LIII

Décima quinta etapa: de S. João da Madeira ao Porto

Levantamo-nos às cinco e meia, duche rápido e, desta vez, rápida arrumação da mochila: antes das seis já entrámos na ambulância. Mesmo dormindo bem, senti frio de noite. Agora vou arrepiada: vesti a camisola e as meias molhadas.

Durante o trajecto, o bombeiro fala da crise industrial nesta região, depois deixa-nos perto da N1 e vai buscar um doente para o conduzir ao hospital. Nós tomamos o pequeno-almoço num café e logo começamos a caminhar.

Calculamos que o nosso amável bombeiro nos tenha poupado dois quilómetros de caminhada, se contarmos o início no centro de S. João da Madeira. Uma boa ajuda. E da periferia já ontem os percursos, primeiro para um lado, depois para o outro, nos deram uma razoável percepção... Que Maria teria de boa vontade dispensado.


Hoje a etapa é de 33 quilómetros, agora um pouco menos, que antevemos assaz desagradáveis, atravessando os subúrbios do Porto. Ontem debatemos o assunto com Paul e Gerhardt. Paul é adepto dos transportes públicos nos arredores das cidades, não achando necessário expor-se à eventual violência urbana ou, não menos perigoso, aos riscos decorrentes da inexistência de caminhos. Tanto ele como Martine, à entrada e à saída de Coimbra, apanharam autocarros. Protesto que perderam Coimbra vista de Santa Clara, ele não replica porém eu adivinho, os silêncios franceses são eloquentes: a cidade não lhe pareceu tão bela que justifique as minhas idas e voltas. Maria, após as atribulações na saída de Lisboa, tenciona apanhar agora um autocarro. Não a dissuado de o fazer; encontrar-nos-emos nos bombeiros. No que me toca, não digo sim nem não – quero ver primeiro. Estou aqui para conhecer, não é? Claro que, se me sentir em perigo, apanho uma camioneta.

Maria, mais uma vez, não dormiu o suficiente: mostra-se hoje de muito mau humor. Desconfio que, de modo obscuro e contraditório, me torna responsável, de certa maneira, pela falta de atractivos turísticos da N1, à beira da qual, durante longos quilómetros, mais de duas horas, teremos de caminhar. Se eu não fosse tão teimosa, ela estaria agora no Porto. Ficando eu em S. João da Madeira, Maria sentiu-se na obrigação de também ficar; ou vamos a pé ou não vamos e, se me recuso a suprimir esta parte do trajecto, ela também se sente forçada a continuar. Não ignora que, saltando uma etapa, corremos o risco de interromper esta viagem, pois há sempre qualquer boa razão para saltar a seguinte e, quando damos por isso, estamos a viajar de autocarro: perdemos uma aventura. No entanto ela preferia, neste momento, visitar o Porto, preparando-se para apanhar, mais tarde, um autocarro na direcção de Vilarinho – escapando desta feita também à saída do Porto.

Por isso, acelera. Não volto a encontrá-la antes de S. João de Ver. Eu sinto-me bem aqui: num aprazível recreio. Os últimos cinco anos, por escolas de Bezons e Sartrouville e agora, nos últimos meses, a doença da minha mãe, levam-me a relativizar as dificuldades; o que faço é um passeio, muito agradável e formador, de vários pontos de vista. Não obstante a dor nas costas, causada pelo peso da mochila, sinto-me ainda contente: o que vejo, sem ser turístico, faz parte do meu país e não me interessa menos do que os monumentos.

Começo a cruzar-me com peregrinos.

- Fátima é por aqui!

- Por aqui é Santiago de Compostela.

- O Papa vai lá?!...

Uma ou outra vez, acrescentam:
- Encontrámos uma espanhola que também segue para Santiago...
- Eu sei: vamos juntas.
- Ela já está longe!

Quando, quase duras horas mais tarde, viro à direita, deixando a N1, começa a chover. Mau, mau... Por ora cai uma morrinha que não molha nem deixa de molhar. Talvez não dure. Paro para tirar – pela primeira vez: do fundo da mochila – a capa e o blusão.

O caminho de Santiago acompanha agora, de vez em quando, alguns metros de uma estrada romana.
Chego a S. João de Ver. Desço a rua com uma senhora que insiste para me oferecer um chá. Agradeço mas não aceito; não quero incomodá-la. Mais adiante há um café e uma mercearia, calha bem, preciso de comprar fruta e uma sandes. Entro primeiro na mercearia, escolho três maçãs, entrego-as à senhora da caixa – mas ela não as pesa.

- São oferecidas.

Protesto que quero pagar, porém ela recusa o dinheiro – e acrescenta:

- A sua amiga está no café. Vá lá...

Entro então no café. Onde de facto encontro Maria, sentada à frente de um galão e de um prato com sonhos.

- Prova! Estão uma delícia!

Eu, desconfiando que são oferecidos, provo um, está de facto muito bom, adio a compra da sandes.

 Entretanto o dono do café insiste para eu beber algo. Não o querendo ofender, aceito um copo de leite. Explica-nos que dão sempre o necessário aos peregrinos que passam. Têm pena que alguns passem sem parar... Pergunto como se chamam. Ela, Maria Emília Pinto da Rocha. Ele, António Couto Leandro. O senhor António conta-me que trabalhou em França porém, apenas economizou o suficiente para abrir o café e a mercearia, regressou à terra. Agradeço e despeço-me. Comovida com esta generosidade e um pouco desconfortável: se soubessem que não vou a Santiago por razões religiosas teriam a mesma a atitude?

1 comentário:

  1. Não podem ter, Manuela, lá se ía o negócio. Mas é bem generoso e faz parte da nossa forma de estar.

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