Carlos Loures
Definamos telelixo, palavra que tenho utilizado nestes textos nascidos sob a égide do Luiz Pacheco, mas que (ainda) não vem nos dicionários. Diria talvez assim:
«Telelixo, s. m. – Forma de fazer televisão que se caracteriza por explorar a morbidez, o escândalo, os crimes, os aspectos mais sórdidos da natureza humana, tais como o sensacionalismo e outras aberrações, utilizando-as como instrumentos do aumento de audiências. O telelixo caracteriza-se pelos temas que aborda, pelas personagens que coloca em primeiro plano, pela visão distorcida a que recorre para tratar esses temas e personagens.»
Um caso ocorrido num canal privado de televisão trouxe, quanto a mim, ao primeiro plano da actualidade nacional a questão do telelixo, pois reúne tudo o que de nocivo existe naquele conceito tabloidizado de informação e, a ser verdade o que consta sobre a causa próxima subjacente, põe a nu a fragilidade moral das estruturas do poder no nosso País. Lixo televisivo, eventualmente misturado com lixo político. Uma mistura explosiva.
Todos estão ao corrente, pois até hoje e decorrido todo este tempo o caso não deixou de ter repercussões, desenvolvimentos, novos pormenores. Actualizações que não vou referir. Em síntese - uma jornalista foi suspensa das suas funções, facto que provocou indignação e mobilizou a solidariedade de alguns colegas de profissão e de consideráveis sectores de opinião. Diz-se que essa suspensão teria sido motivada pelo facto de se preparar para denunciar ilegalidades cometidas por uma alta figura da política. Se foi esse o motivo é facto intolerável em regime democrático, pois configura uma acção censória ao mais puro estilo salazarento.
Porém, a tal senhora foi, ao longo da carreira, uma activa promotora de telelixo, realizando entrevistas sob o figurino de julgamento sumário, em que as perguntas continham já a resposta condenatória. O que se diz na definição do conceito de telelixo, acrescentando-lhe um desprezo absoluto pelo respeito devido às pessoas, pela veracidade e pela presunção de inocência, se aplica à dita senhora que, além da capa da «liberdade de expressão» se defende também com um falso conceito de «saudável agressividade». Esta prática continuada de um jornalismo prostituído ainda mais agrava a suspeitada intervenção política – fazendo há anos a senhora este tipo de jornalismo marginal a qualquer código deontológico, só foram tomadas medidas quando uma pessoa politicamente importante foi atingida. Enfim, repito, se foi despedida por lesar interesses obscuros de uma alta personalidade, isso é condenável. No entanto, deveria há muito ter sido despedida em nome do código deontológico da carreira jornalística. Em suma, estamos aqui perante três casos não miscíveis:
1 – Por um lado deveria averiguar-se se existiram pressões políticas sobre a administração da empresa para a despedir. Se as houve, deveria ir-se até às últimas consequências – a demissão do político em causa. Não podemos aceitar que, 35 anos depois de Abril, se silencie quem, com razão ou sem ela, incomoda o poder.
2 – Por outro, há muito que a senhora deveria ter sido sancionada, irradiada, pela sua organização de classe. Como disse Marinho Pinto, é uma má jornalista, que envergonha os profissionais dignos desse nome.
3 – Finalmente, a estação em questão há muito também que deveria ter sido proibida pelo organismo competente, a ERC, de exibir conteúdos que configuram todas as formas possíveis de telelixo do mais tóxico. Por pressões factuais ou tentando evitá-las, tomou tardiamente e pelas piores razões uma medida que há muito se impunha.
Umas coisas não desculpam as outras. A eventual pressão política, sendo extremamente condenável, não pode servir para branquear a recorrente desonestidade da jornalista e o tardio despedimento desta não iliba a administração da empresa das suas responsabilidades na contínua emissão de programas lesivos da saúde cultural e social do País. Lixo cultural, lixo empresarial, lixo político – há aqui muita sujidade a limpar.
Não continuemos a esconder este lixo sob o tapete do nosso comodismo e da abdicação dos nossos mais elementares direitos de cidadania.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
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a jornalista colocava a resposta na boca dos entrevistados e, assanhava-se, se a resposta não fosse o que ela considerava a verdade Uma jornalista tem que dar notícias não pode dar opiniões.Sempre achei aquele tipo de jornalismo execravel.
ResponderEliminarMas os entrevistados sabiam ao que iam, não iam às cegas, conheciam a forma como a jornalista "orientava" o seu jornalismo...
ResponderEliminarO Luís Moreira tem razão, mas o curioso é que nenhum dos entrevistados protestava de viva voz contra isso. Aceitavam. Excepto o Marinho Pinto. Esse disse o que tinha oara dizer na cara da jornalista. Se outros o tivessem feito antes tenhamos a certeza que a direcção da TVI já teria acabado com as entrevistas da senhora à muito tempo. Quanto ao Tele lixo e outros lixos digo: o País está cheio de lixo. Se vamos a varrer todo o lixo que temos na nossa sociedade para o mar, este fica pior que o Golfo do México com o derrame da BP.
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