Carlos Loures
Sei que estou a abusar da vossa paciência com esta obsessão (causada pelo imprinting?) de vasculhar no lixo televisivo. Vou só falar do que se passa no estado espanhol e não volto a falar tão cedo deste tema. Prometo.
No que à televisão diz respeito, em Espanha, pelos vistos, as coisas não vão melhor. Há meses, circulou um manifesto exigindo a aplicação de medidas contra a emissão de telelixo: «Plataforma para uma televisão de qualidade», apoiada pela Associação de Utentes da Comunicação, União Geral de Trabalhadores, «Comisiones Obreras», Confederação Espanhola de Mães e Pais de Alunos, União dos Consumidores de Espanha e Confederação das Associações de Moradores de Espanha. Não sei se deu algum resultado.
Muito do que aqui digo a seguir foi inspirado naquele manifesto e não seria mau que fôssemos pensando numa iniciativa semelhante, concitando o apoio de associações de pais, organizações de defesa dos consumidores e dos ecologistas, porque o telelixo é extremamente poluente. Teria de ser um amplo movimento de opinião dirigido aos cidadãos em geral, porque, antes de mais, o telelixo e sua proliferação coloca um sério problema de cidadania, minando e pondo em perigo os próprios alicerces da Democracia.
O objectivo dos promotores do telelixo é encontrar um mínimo denominador comum que permita atrair um grande número de espectadores. Para tal, utilizam qualquer tema de interesse humano, seja um acontecimento político ou social, como mero pretexto para desencadear aquilo que consideram ser os elementos básicos para a atracção da audiência – sexo, violência, sentimentalismo, humor grosseiro, superstição, muitas vezes de forma sucessiva e recorrente dentro do mesmo programa.
Sob uma hipócrita aparência de denúncia, os programas de telelixo deleitam-se com o sofrimento, com as demonstrações mais sórdidas da condição humana, com a exibição gratuita de sentimentos e de comportamentos íntimos. Contam também, com uma série de ingredientes básicos que os transformam em factor de aculturação e de desinformação, bem como um obstáculo ao desenvolvimento de uma opinião pública livre e devidamente fundamentada. Segue-se uma lista desses ingredientes.
O reducionismo, com explicações simplistas de assuntos complexos, facilmente compreensíveis, mas parciais ou contendo orientações determinadas. Uma variante deste reducionismo consiste no gosto das teorias da conspiração de não se sabe bem que poderes ocultos, que muitas vezes servem de álibis a determinadas personalidades e grupos de pressão no seu trabalho de intoxicação.
A demagogia, que consiste em apresentar todas as opiniões como equivalentes, independentemente dos conhecimentos ou dos fundamentos éticos sobre os quais se apoiam. Para tal, contribuem a realização de supostos debates, entrevistas e inquéritos, que mais não são do que simulacros, e que longe de lançarem luz sobre os problemas apenas contribuem para consolidar a ideia do «vale tudo». A demagogia tem uma variante: o desenvolvimento de mensagens esotéricas, milagreiras e paranormais, apresentadas de forma acrítica e num mesmo plano de realidade que os argumentos científicos. O desprezo pelos direitos fundamentais, tais como a honra, a intimidade, o respeito, a veracidade ou a presunção de inocência, cuja infracção não pode em nenhum caso ser defendida sob a capa da «liberdade de expressão». Este desprezo desemboca na realização de «juízos paralelos», no abuso do sensacionalismo e do escândalo; na apresentação de testemunhos supostamente verdadeiros, mas que provêm de «convidados profissionais».
E na apoteose de uma televisão de trivialidade, baseada no protagonismo das personagens do mundo cor-de-rosa, as suas insignificâncias e conflitos sentimentais, tratados descaradamente de forma sensacionalista. O problema é ainda mais agudo quando estes conteúdos são difundidos pelo canal de serviço público, cuja obrigação moral e legal é o de fornecer produtos, ética e culturalmente, solventes.
O telelixo nada inventou: a lisonja ao espectador e o sensacionalismo, vêm muito de trás, mas actualmente, a enorme influência social dos meios de comunicação de massas aumenta de forma exponencial os efeitos negativos deste tipo de mensagens. O telelixo está num momento ascendente do seu ciclo vital, como um cancro cujas metástases invadem todo o tecido social, impedindo que grelhas de outros modelos de informação mais respeitadores da verdade e do interesse colectivo surjam e se expandam.
Tudo o que no referido manifesto se alega para mobilizar esforços que combatam este tipo de negócio e todos os seus agentes é válido no nosso País. Não sei se devemos pensar num manifesto, mas é preciso fazer alguma coisa para que a televisão, factor tão importante de informação, cultura, entertenimento, mude em Portugal.
sábado, 21 de agosto de 2010
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