sexta-feira, 2 de julho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 45

Carlos Leça da Veiga


Só Portugal é que não podia ter colónias? (Continuação)

Se Portugal, e muitíssimo bem, teve de deixar de ter colónias e, como assim, deu um contributo muito significativo para o desenvolvimento do pensamento e da acção em prol da Democracia, a justiça internacional que daí tem de decorrer – tal como Portugal tem de insistir em defendê-lo – não pode continuar a ignorar a circunstância, bem pelo inverso, tem de saber valorizá-la e apontá-la como uma atitude política eminentemente democrática que deve ser adoptada por quaisquer outros estados.

A manutenção das dominações exercidas sobre uma número considerável de Nacionalidades que, muitas delas, não desistem de querer afirmar-se, devem ter Portugal como um seu defensor estreme. Já não interessa procurar fazer vingar a injustiça um tanto belicista e despótica do Quinto Império antevisto pelo jesuíta António Vieira, nem, tão-pouco querer dar corpo à visão simpática, porque eminentemente cultural, mau grado reaccionária do outro Quinto Império que a intelectualidade de Fernando Pessoa adivinhava para o futuro de Portugal mas sim defender aquela visão que torna a Nação - Estado portuguesa como um farol activo das Libertações Nacionais e, como assim, do regresso a uma Europa das Nacionalidades, tudo feito sem ter de olhar, muito menos respeitar, supostos direitos históricos, fossem adquiridos ou colhidos mercê de actos de dominação política, conquista militar ou, sobretudo, pelas iniquidades dum suposto direito dinástico. Poder-se-á repor a esperança dum Quinto Império?


A Democracia – e a europeia com destaque – precisa de ser servida por um espírito e por uma acção de Libertação Nacional, uma tarefa cuja incumbência cabe ser dinamizada por Portugal, salvo querer-se que os cidadãos portugueses possam acusar as gerências nacionais de não verem – não quererem ver – o argueiro no olho alheio.

Só Portugal é que não podia ter colónias?

E os estados que as têm?

Quantos na Europa e na chamada União Europeia?

Para ser-se colonizado precisar-se-á de ter uma outra cor que não a branca?

Um basco, um andaluz, um galego, um sardo, um corso, um siciliano, um bávaro, um bretão, um alsaciano, um loreno, um galês, um irlandês, um escocês, um flamengo, um lapão, um tchetcheno etc., etc. não serão Homens e Mulheres colonizados? Que razão autêntica pode apresentar-se para impedi-los de possuírem a dignidade de eles próprios poderem estar representados, com autonomia completa, na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas?

Conseguir-se-á uma qualquer União Europeia na vigência dos seus actuais Estados?

A discriminação imposta pelos estados expansionistas que desde há muito exigem ter o direito de ocupação e dominação de várias Nacionalidades tem alguma legitimidade face aos valores supremos da Democracia?

Quem, em Portugal, não tem coragem para confrontar os estados europeus – esses, pelo menos – e colocar-se ao lado das suas inúmeras Nacionalidades que, com maior ou menor expressão, sabe-se, aspiram à sua Libertação?

Quem, em Portugal, é servil frente aos expansionismos europeus que dominam tantas Nacionalidades?

São os herdeiros dum pensamento estratégico timorato e acobardado, afinal, nada mais que uma inaceitável subserviência política das classes sociais dominantes deste Portugal e que prossegue, há séculos, desde que a governação nacional, depois de 1640, passou a viver, muito principalmente, à custa dos apoios externos.

Depois dos cinquenta anos da ditadura salazarista, o 25 de Abril devia e podia ter dado muito mais à população portuguesa. Teve que saber fazer-se uma descolonização que, sejam quais tenham sido as razões mais íntimas e as mais poderosas, com todo o acerto, não pecou – como todas as demais – por deixar restos de qualquer neocolonialismo porém, uma vez feita essa obra, face aos demais estados que continuam a colonizar – conhecem-se colonizações em todos os Continentes – não soube ter uma palavra no sentido de incentivá-los, senão mesmo de exigir-lhes, a terem de seguir o exemplo português.

Portugal, mercê da Descolonização – a consequência democrática internacional mais importante do 25 de Abril – passou a dispor dum capital de imensa legitimidade para apresentar-se ao mundo como defensor acérrimo de todos os povos oprimidos, a começar por quantos há no estado vizinho. Não será isso um vector importante da luta pela Democracia?

Se no plano da intervenção internacional, entre nós, ninguém soube – não pretendeu – tirar as consequências mais interessantes, mais lógicas, mais persuasivas e mais afirmativas para o Portugal posterior ao 25 de Abril, também, no plano interno os políticos que enxameiam a vida política nacional, na mira das vantagens estratégicas dos seus patrocinadores do exterior, só souberam – só pretenderam – arregimentar a população portuguesas ao sabor desses interesses alienígenas. Como é histórico – mais outra vez – todos esses interesses foram, tão-somente, aqueles exigidos pelos outros estados com hegemonia política.

Aos portugueses não compete ter contemplações, nem contemporizações para com as anexações territoriais operadas ao longo das suas histórias pela quase totalidade dos Estados europeus.

Só Portugal é que não podia ter colónias? É uma repetição obrigatória de continuar a fazer-se !

1 comentário:

  1. 45 capítulos desta série! É obra. Estando, em geral de acordo, com a argumentação do Carlos Leça da Veiga, mesmo quando assim não é, no mínimo ela fa-me pensar. Saúdo a coerência da argumentação, a pertinácia na defesa das ideias e a transparência formal com que elas são transmitidas. Um grande abraço, caro Leça da Veiga.

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