sexta-feira, 2 de julho de 2010

Patrão Lopes (Joaquim Lopes, salva-vidas: 1798 - 1890) - II

Fernando Correia da Silva

SALVA VIDAS DE BELÉM PARA PAÇO D'ARCOS


Em 1856 o Governo manda instalar um salva-vidas na estação fluvial de Belém. Embarcação a remos, leve porém robusta, muito mais do que a tua canoa de pesca. Contudo, durante os naufrágios na barra, continuas a ser o primeiro a chegar! Compreende-se: estás melhor localizado...

Em Fevereiro de 1858 a escuna inglesa British Queen encalha junto ao Bugio. Dada a violência do mar, com a tua canoa de pesca mal consegues aproximar-te. Com muita dificuldade salvas apenas o Comandante e um cãozinho que por ali andava a nadar aflito por entre as vagas. A propósito, dizes para os teus marinheiros:

- Aquele ali também tem vida e é o melhor amigo do homem...


Recolhes o cão e regressas a terra juntamente com o Comandante da British Queen.

Apesar dos fracos resultados do salvamento, a Coroa inglesa agracia-te com a Medalha de Ouro de Mérito Humanitário. Toda a tua tripulação é também agraciada com a mesma medalha, mas de prata.

Finalmente, em 1859, o Governo transfere o salva-vidas de Belém para Paço de Arcos e coloca-o sob as tuas ordens. Resmungas: “mais vale tarde do que nunca”.

EL REI D. LUÍS

Salvamentos e mais salvamentos. Entre eles aponto:

Em 1859 salvas o Comandante e mais dois tripulantes do Stephanie, navio francês também encalhado no Bugio. És condecorado com a “Medalha de Dedicação e Mérito” e também com a “Medalha de Valor e Filantropia”, ambas francesas.

A 19 de Fevereiro de1864 salvas grande parte da tripulação do bergantim espanhol Achiles. A Espanha atribui-te a medalha de ouro “Distinção Humanitária”.

Três dias depois, a 22 de Fevereiro, salvas toda a tripulação do iate português Almirante. Mais uma vez o Governo português nem sequer pia. Mas a 24 de Fevereiro El-rei D. Luís bate à porta da tua casa humilde. Toda a tua família e toda a população de Paço de Arcos ficam em polvorosa.

O monarca pergunta e tu vais contando os teus feitos, rude linguagem de lobo do mar, porém sincera até mais não poder. El-rei convida-te a visitá-lo no paço de Caxias, povoação vizinha de Paço de Arcos, e onde pousava transitoriamente. Aceitas o convite e no dia seguinte estás do Paço de Caxias.

Entras, El-rei abraça-te e coloca-te ao pescoço o colar da Ordem da Torre e Espada, a mais alta condecoração portuguesa. E tu, rijo homem do mar, não tens vergonha de, comovido, soluçar contra o peito do teu monarca.

Mas uma coisa são as gloriosas condecorações, outra é a penúria em que tu vives. O Governo não se mexe, não quer saber do que está a acontecer em Paço de Arcos. Porém o Marquês Sá da Bandeira, deputado da Oposição, dispara o seu discurso como se fosse um arcabuz e o Governo, finalmente, abre os olhos: com a aprovação prévia do Parlamento, atribui-te uma pensão anual de 240 mil réis, transmissível à tua mulher e filhas, em caso de passamento teu. Se tu salvaste muitos da fúria das águas, Sá da Bandeira salvou-te da fúria da miséria...

As coisas começam a compor-se: em 1866 és nomeado mestre da Armada e graduado segundo-tenente, em diploma assinado por El-rei e pelo Visconde da Praia Grande.

BALANÇO

Em 1882, com 85 anos e já tolhido das pernas, mandas que te amarrem ao leme e ainda tentas socorrer o Lucy, lugre francês. Felizmente o teu filho Quirino António, que estava fora de Paço de Arcos, ouviu o disparo do Forte de S. Julião da Barra e acorre a tempo de te obrigar a passar para a falua e é ele quem, no salva-vidas, efectua o salvamento.

Tomás Ribeiro, o poeta, dedica-te uma quadra:

Quando o Patrão já velho,
ao pé do mar assoma,
só de o encarar, o oceano
se atemoriza e doma.

Em 1885 o poeta e o Marquês da Fronteira, teus amigos, mandam inscrever esses versos numa lápide que é afixada no frontispício da tua casa.

Fazes o balanço da tua vida, dizes:

- Se não me falham as contas, nem a memória, socorri mais de 53 navios e salvei mais de 300 vidas.

ULTIMATUM

Em 1890, Ultimatum da Inglaterra a Portugal, por causa dos territórios africanos que as duas nações disputam. Tens 92 anos mas ainda a necessária lucidez e fibra para devolver ao governo inglês as condecorações com que ele te agraciou. E para convencer os teus filhos a seguirem o teu exemplo.

Morres a 21 de Dezembro do mesmo ano. Consternação e luto em Paço de Arcos, as lojas com as portas fechadas, as embarcações a rumarem para a praia com bandeiras a meia-haste. A Marinha organiza o teu funeral, barcos de guerra a escoltarem o teu corpo até ao Arsenal, junto ao Terreiro do Paço, em Lisboa. No cortejo, por decisão de El-rei D. Carlos, também se integra o iate Amélia, assim chamado em homenagem à rainha sua esposa. Finalmente és sepultado no cemitério de Oeiras.

Quando hoje atravesso Paço de Arcos e vejo o teu busto de bronze no parque fronteiro ao mar, e depois o Instituto de Socorros a Náufragos que tu inspiraste e a Rainha D. Amélia concretizou, tenho sempre a sensação, não sei porquê, que ando contigo a remar rumo ao Bugio.

1 comentário:

  1. Bonita história. Sempre me perguntei a quem seria dedicado aquele busto, virado para o mar...

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