segunda-feira, 5 de julho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República - 48

Carlos Leça da Veiga

À espera duma Terceira República


A racionalidade importada, como aconteceu com a Primeira República, nunca fez uma revolução política, económica, cultural e social que não fosse para satisfação do sector nacional dos possidentes instalados, em parceria, com os seus comparsas, no caso, os aspirantes declarados à ascensão social. Essa opção alienígena, pela sua natural falta de bom senso político, de que a ida à Grande Guerra é paradigmático, acabou – como teria de ser – por conseguir destruir o afloramento democrático antevisto e desejado para o regime republicano. Na verdade, não foi possível conseguir dar-se seguimento à ordem sócio-cultural imaginada pelo 5 de Outubro, porquanto, a ordem política interna começada a instalar-se sob a influência major dos, então, chamados Democráticos, era arquitectada com um forte componente político-ideológico, um jacobinismo intolerante, afinal um produto de importação que, poucos anos passados sobre a sua chegada, como aconteceu nos anos vinte do século XX, haveria de revelar-se inclinado a devorar os seus importadores e permitir a instauração duma situação política com forma ditatorial, o malquisto salazarismo.

Na História portuguesa, desde 1820 para os dias de hoje, quantos retrocessos antidemocráticos a culminarem mais uma repetição de mais uma outra experiência política de importação?


Desde aquela data, até hoje, as várias Constituições que o país conheceu, para além das suas diferentes proposições de circunstância, todas elas, tiveram, como inda agora, um desenho constitucional parlamentarista idêntico ás demais em curso na Europa e, reconheça-se, sem ter havido uma só verdadeiramente adaptada às particularidades históricas, geoestratégicas, económicas, culturais, políticas e sociais portuguesas.

A ciência política que, em 1974, estava à altura da pobreza intelectual, aliás bastante achaboucada, da maioria dos dirigentes históricos da opinião pública nacional – que, azar nacional, continuam no palanque – só soube, ou só quis, contentar-se com o pensamento tradicional do jacobinismo da Primeira República e com quanto respigado de qualquer meia dúzia de alfarrábios, propriedade dum universo intelectual limitado que, entre nós, tem abrigado e feito vencer, a facção estrangeirada modeladora do comportamento político, porém, sem nunca conseguir levar por diante os seus proclamados – somente proclamados – intentos democrático e humanista. Simplórios que foram, e que são, com variadas nuanças, em Portugal, desde o século dezoito, nada mais conseguiram discernir que não fosse inclinar-se, apreciar, elogiar, inclusive defender com calor máximo um qualquer lado alienígena apostado, conforme as épocas da História, na disputa duma hegemonia imperialista. O que é espantoso, mas define-lhes a má catadura, é não – e nunca – admitirem que houvesse mais algum lado na confrontação internacional e que Portugal, nada mais dever ter de fazer que não fosse cingir-se a obedecer, com maior ou menor ostentação, a um deles. A autonomia nacional, dadas as obrigações, as responsabilidades e os esforços inerentes não se coadunam com as tarefas mais exigíveis devidas às direcções políticas portuguesas que, outrossim, preferem um patrocínio mais ou menos messiânico vindo de fora.

Depois do 25 de Abril, jamais foi aventado que Portugal devesse ter a coragem de produzir um seu projecto próprio, consequente e bem ajustado à sua evolução histórica que, não pode esquecer-se, foi muito modulada pelo mundo em que, por séculos, andou e onde deixou marca cultural indelével. O Portugal posterior à descolonização tem direito a uma palavra ímpar e forte no contexto político mundial e, em particular no da Europa, uma zona internacional em que abunda uma vivência efectiva de múltiplas expressões colonialistas. É uma atitude que deve pedir-se à República; mas em que descalabro anda esta nossa Segunda!

Tem de lamentar-se a impossibilidade dum projecto dessa natureza não ter existido e, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, depois duma obediência canina aos Estados Unidos da América do Norte (EUAN), Portugal, por fim, ter de ficar entregue aos desígnios imperiais dos estados continentais do centro europeu cujo futuro económico – façam o que fizerem – está destinado a perder presença significativa no contexto mundial. A evolução da História, ontem como hoje, não respeita preconceitos e aqueles derivados dos onirismos eurocentristas não são excepção.

(Continua)

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