terça-feira, 20 de julho de 2010

Regresso a Olivença - Mário Ventura Henriques - I

Carlos Luna

Vamos apresentar, dividido em  quatro partes um texto muito belo de Mário Ventura Henriques sobre Olivença. Começamos por lembrar quem foi Mário Ventura Henriques.

Mário Ventura Henriques (1936-2006) nasceu e faleceu em Lisboa. Jornalista e escritor, trabalhou nos jornais Diário Popular, Diário de Notícias, na revista Seara Nova. Com José Saramago, Armindo Magalhães, Luís Francisco Rebello, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues fundou, em 1992, a Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC). Foi presidente da Associação Portuguesa de Escritores . Estreou-se com “A Noite da Vergonha”, (1963), seguindo-se “À Sombra das Árvores Mortas” (1966) e “O Despojo dos Insensatos” (1968). Reuniu nos volumes “Alentejo Desencantado” (1969) e “Morrer em Portugal” (1976), narrativas sobre várias regiões do país. Em1979, novo romance - “Outro Tempo Outra Cidade”e, em 1985, “Vida e Morte dos Santiagos”, - Prémio de Ficção do Pen Clube e Prémio Literário do Município de Lisboa.

Outrasobras:“Conversas” (1986), diálogos com escritores, os romances “Março Desavindo” (1987); “Évora e os Dias da Guerra” (1992). Publicou ainda “A Revolta dos Herdeiros” (1997), “O Segredo de Miguel Zuzarte” (1999), “Quarto Crescente” (memórias, 2001) e o álbum “Portugal – Geografia do Fatalismo”.,“Atravessando o Deserto” (2002) e“O Reino Encantado”(2005). Presidiu à Associação Portuguesa de Escritores.

"Regresso a Olivença", escrito em 1990 e publicado em 2001 no livro "Portugal, Geografia do Fatalismo", de 2001, Ed. Notícias, com fotografias de João Francisco Vilhena), As notas  não são da responsabilidade do autor, mas são fundamentais para se perceber o que entretanto, e infelizmente, mudou... e muito ! Carlos Luna.



Numa manhã chuvosa e fria, regresso a Olivença, doze anos depois da primeira visita. Transporto comigo, ainda que não o queira, a impressão mais duradoura desse primeiro encontro: a do momento em que fui ameaçado de prisão, como perturbador da ordem pública, quando fotografava a imponente Torre de Menagem da vila, um dos mais importantes monumentos da arquitectura militar portuguesa construídos no século XV.

- Que hace Usted aqui ? - perguntou-me o senhorito de chapéu de palha, gravata ridiculamente emproada e jaquetão de riscas apertadinho aos quadris.

- Faço fotografias.

- No puede.

- E porquê ?

- Se lhe digo que não pode, é porque não pode. Quien es Usted ?

- Sou jornalista, português. Y Usted ?

- Sou o director da cadeia.

- Pois eu tenho de fazer fotografias.

- E eu prendo-o.

A cada qual a sua missão, por conseguinte. E, como a do carcereiro se apoiava no poder de Castela, e a minha só tinha o respaldo de um direito mal aceite pela autoridade, optei pela solução diplomática:

meti a máquina no saco e retirei sem palavras, enquanto o senhotito recolhia à torre-prisão de delitos comuns.

Estávamos em 1970, de um lado e outro da fronteira viviam-se ilusões várias, os dois povos continuavam de costas voltadas, mas já se espreitavam por cima do ombro. Olivença, para os Portugueses, era um mistério e, para os Espanhóis, uma ignorância. De Portugal, só a procuravam saudosistas e alguns mais. Na alma de cada Português que conhecesse, minimamente, a História de Olivença, nascia invariavelmente um irredentista, sonhando com o regresso à Pátria de 600 quilómetros quadrados que constituíam a "Terra das Oliveiras".

Para muitos, mais do que uma terra estremenha ou um episódio histórico, Olivença era uma emoção, uma manifestação de patriotismo serôdio, uma forma de oposição ao regime que abandonara a causa do território "cativo". Escritos e discursos rondavam sempre o mesmo tema: a perda injusta e aviltante de Olivença, a letra dos tratados nunca cumpridos, o apelo a forças indefinidas para que fizessem regressar à pátria portuguesa a velha praça-forte do Alentejo.

(Continua)

1 comentário:

  1. Boa ideia a de Carlos Luna a de nos trazer este excelente texto de Mário Ventura Henriques sobre Olivença. Além do seu valor intrínseco, o texto dá-nos pretexto para evocar figura de um grande jornalista, de um notável escritor e de um exemplar patriota e cidadão.

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