quinta-feira, 1 de julho de 2010

A terceira depressão - Paul Krugman (saído no New York Times no dia 28 de Junho)


O Paul Krugman foi Prémio Nobel da Economia em 2008. É americano e nasceu em 1953. É professor na Universidade de Princeton. Ensina Economia e Assuntos Internacionais. Descreve-se a ele próprio como um liberal (à maneira americana, com o significado de tolerante, progressista, de ideias abertas). Geralmente classificado como de centro-esquerda, concorda a economia de mercado e a globalização. É portanto um tipo com ideias moderadas (como se costuma dizer). Há imensa coisa sobre ele na internet. Tem uma obra enorme e é colunista no New York Times e escreve para muitas publicações. Pessoalmente penso que a depressão actual é muito profunda, e que se não sairmos rapidamente, a bem ou a mal, do sistema capitalista, vamos sofrer um grave retrocesso civilizacional. Por isso proponho que incluamos este artigo no nosso blogue Estrolabio. (João Machado)


As recessões são comuns, mas as depressões são raras. Tanto quanto eu conheço, apenas dois períodos da história económica foram na altura comummente descritos como "depressões": os anos de deflação e instabilidade após o Pânico de 1873 e os anos de desemprego em massa que seguiram a crise financeira de 1929 a 1931.

Nem a Longa Depressão do século XIX nem a Grande Depressão do século XX foram períodos de declínio ininterrupto - pelo contrário, ambas incluíram fases de crescimento económico. Mas estes momentos de melhoria nunca foram suficientes para anular os prejuízos causados pela quebra inicial, e foram seguidos por recaídas.

Receio que estejamos nos primeiros estágios de uma terceira depressão. A probabilidade é que ela seja mais parecida com a Longa Depressão do que com a Grande Depressão, que foi muito mais severa. Mas o custo – para a economia mundial e, acima de tudo, para os milhões de vidas arruinadas pela falta de empregos – será, ainda assim, imenso.


E essa terceira depressão será em primeiro lugar o resultado de um fracasso das políticas económicas. Por todo o mundo – como no fim de semana passado na desanimadora reunião do G – 20 – os governos estão obcecados com a inflação quando o perigo real vem da deflação, e pregam a necessidade de apertar o cinto quando o verdadeiro problema está nos gastos inadequados.

Em 2008 e 2009 parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao contrário dos seus predecessores, que aumentaram as taxas de juros face à crise financeira, os líderes actuais da Reserva Federal e do Banco Central Europeu cortaram os juros e apoiaram os mercados de crédito. Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos face à economia em declínio, os governos de hoje permitiram que os défices aumentassem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: a recessão provocada pela crise financeira terá talvez terminado no Verão passado.

Mas os futuros historiadores vão dizer-nos que a terceira depressão não acabou aqui, tal como a melhoria económica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal de contas, o desemprego – especialmente o desemprego de longo prazo – mantém-se em níveis que seriam considerados catastróficos há pouco tempo, e não parece estar a diminuir. E tanto os Estados Unidos como a Europa estão prestes a cair na armadilha deflacionária tal como já aconteceu ao Japão.

Perante perspectivas tão sombrias, esperávamos que os responsáveis políticos se dessem conta de que ainda não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não: nos últimos meses, observou-se um assombroso regresso da ortodoxia em relação a restrições monetárias e orçamentos equilibrados.

No que diz respeito à retórica, o ressurgimento da velha religião é mais evidente na Europa, cujos responsáveis parecem basear as suas declarações na colectânea de discursos de Herbert Hoover(1) para compor as suas afirmações, chegando a declarar que impostos mais altos e cortes nos gastos irão de facto fazer expandir a economia, fazendo aumentar a confiança dos empresários. Na prática, no entanto, os Estados Unidos não estão muito melhor. A Reserva Federal parece ter consciência dos riscos da deflação – mas nada se propõe a fazer para contrariá-los. A administração Obama sabe dos perigos de uma austeridade fiscal prematura – mas, como os republicanos e democratas conservadores se negam a autorizar um auxílio maior aos governos dos estados, essa austeridade é inevitável, sob a forma de cortes nos orçamentos estaduais e municipais.

Porquê esta viragem política errada? Os defensores da linha dura referem muitas vezes os problemas da Grécia e de outros países europeus periféricos para justificar as suas acções. E é verdade que os investidores viraram-se contra os governos com défices incontroláveis. Mas não há provas de que a austeridade fiscal de curto prazo, face a uma economia em depressão, os tranquilize. Pelo contrário: a Grécia optou pela austeridade severa e teve como resultado um aumento ainda maior das classificações de risco; a Irlanda impôs cortes ferozes nos gastos públicos e viu-se a ser tratada pelos mercados como se oferecesse um risco maior do que a Espanha, que tem sido bem mais relutante a aceitar os remédios dos defensores da linha dura.

É quase como se os mercados financeiros conseguissem entender o que os responsáveis políticos não conseguem: que enquanto a responsabilidade fiscal de longo prazo é importante, o corte de gastos no meio de uma depressão agrava ainda mais essa depressão e abre o caminho à deflação, e é na realidade uma estratégia contraproducente.

Por isso não acho que a questão seja realmente a Grécia, ou mesmo qualquer apreciação realista da relação entre o défice e o nível do emprego. O que enfrentamos é a vitória de uma ortodoxia que tem pouco a ver com uma análise racional, e cujo credo principal é que impor sofrimento às outras pessoas é a maneira de mostrar quem manda em tempos difíceis.

E quem pagará o preço pelo triunfo da ortodoxia? A resposta é dezenas de milhões de trabalhadores desempregados, muitos dos quais ficarão sem trabalho durante anos, e alguns dos quais nunca mais voltarão a trabalhar.

Tradução revista por João Machado

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(1) - Herbert Clark Hoover (1874 – 1964). Foi Presidente dos EUA de 1928 a 1932. Republicano, defendeu políticas económicas ortodoxas. Durante o seu mandato ocorreu a Grande Depressão. Em 1932 candidatou-se à reeleição e perdeu contra Franklin Delano Roosevelt.

2 comentários:

  1. Quando é que teremos análises feitas com esta profundidade conceptual e por esta simplicidade formal? É, de facto, um artigo muito interessante e que, sem peias de qualquer espécie, nos coloca perante perspectivas negras. Bom trabalho, João!

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  2. Muito negras! Ontem já ouvi economistas a requererem "stress test" aos bancos por não acreditarem nas informações e na situação que os bancos portugueses pretendem mostrar.

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