sábado, 14 de agosto de 2010

Autores fundadores da Antropologia, de Raúl Iturra (conclusão)

Este último texto da série Autores fundadores da Antropologia, pequenas notas biográficas extraídas da obra O Grupo Doméstico ou a Construção Conjuntural da Reprodução Social, de Raúl Iturra, é incluído por iniciativa da coordenação d Estrolabio e incorpora um testemunho do Professor Raúl Iturra.

É uma singela homenagem a quem tanto nos tem ensinado e cuja actividade científica, particularmente no campo da docência universitária, tanto significou para o avanço da Antropologia em Portugal..

«A ideia de Meyer de querer estrangeiros, como eu, nos seminários de Antropologia, devia-se ao facto da necessidade dos candidatos a antropólogos, aprenderem a integrarem-se em sociedades alheias. Não sermos ingleses era um bom pretexto para sermos submetidos à aprendizagem da cultura britânica e se passássemos por todos os rituais, estaríamos, então, habilitados a sermos antropólogos. O Antropólogo tem que seduzir, ver, ouvir, calar e nunca falar da sua vida pessoal. O meu próprio seminário de Cambridge, com o Jack como Catedrático, era composto por malteses, italianos e um outro de Espanha, que, apesar do meu empenhamento em colaborar no seu saber e com o seu inglês, só conseguiu acabar o doutoramento escrevendo a tese em castelhano, traduzida, depois, para inglês e, finalmente, defendida em Cambridge. Era o problema de todos os que não éramos anglo-falantes desde o começo, mas que, sem dar por isso, conseguíamos ultrapassar. Detalhe da chamada conversa trivial, para tornar mais amena a escrita e a arte de escrever. O que interessa saber é que Goody pensava que havia uma evolução na comunicação, ideia aprendida da sua leitura da obra de Vere Gordon Childe, textos que pode ser lidos em: http://algarvivo.com/arqueo/arqueologos/vere-childe.html. Mas, o que fora mais importante para ele, foi a sua leitura da obra de James Frazer, The Golden Bough, como tinha acontecido com Malinowski, e que lera em francês na altura em que esteve num campo de concentração em França, antes de ser transferido para a Alemanha: Le rameau d’or, foi para ele a leitura que o fez antropólogo, como relata na sua entrevista e como me contara a mim numa conversa, dessas raras que tínhamos em privado, sempre estava rodeado de gente. Aliás, se não me lembro mal, entrar no seu gabinete de Professor William Wyse de Antropologia de Cambridge, era um risco: ou estava todo amável e sorridente, ou a maior parte das vezes a secretária Janette advertia-me que era melhor não entrar, que estava mal-humorado. Era verdade, dezenas de vezes sai do seu gabinete com livros a serem atirados sobre a minha cabeça, lançados por ele sobre o meu magro e indefeso corpo, por causa do seu mudável humor: ora amigo, ora cheio de raiva. O resto da conversa trivial fica para outros livros meus, onde estão relatados outros factos, ou para o livro citado de entretiennes. O que interessa é essa primeira frase do livro que me orienta, The domestication of the savage mind, 1977, Cambridge University Press. Na primeira frase do primeiro capítulo, página 1, aparece essa ideia que debate ao longo de 178 páginas: As vias pelas que têm passado as mudanças do modo de pensar em diversas sociedade, no tempo e no espaço, é uma temática sobre a qual muitos de nós temos especulado uma e outra vez..... O nosso modo de pensar: porque é que os indígenas se comportam do modo como o fazem; o que nós pensamos que eles pensam; porque é que a arte africana difere da Arte Europeia Ocidental, ou se vemos uma pintura, desde a sua perspectiva histórica, pensamos o que está por detrás dessa ideia, ou no Antigo Médio Oriente, na Grécia ou na Europa Renascentista, sítios em que novas formas de pensar aparecem e substituem outras... São questões que têm feito pensar e debater inúmeras vezes ao antropólogos, sociólogos, psicólogos, historiadores e filósofos, sobre a mudança do pensamento mágico para o pensamento científico ou racional. O problema está em que são pensamentos que nos separam a nós dos outros, pensamento que é ao mesmo tempo binário e etnocêntrico, ideias que limitam a nossa maneira de pensar e analisar...às vezes usamos as taxonomias folclóricas de forma simples e, quando não conseguimos entender o pensamento do outro, substituímos o pensamento simplista por sinónimos polissilábicos... Falamos de sociedades avançadas, como se a mente humana funciona-se ao mesmo ritmo e da mesma forma que uma qualquer máquina. Metáfora impossível de aplicar: as máquinas, tecnologia cultural, não pensam. Se a emergência da ciência no Renascimento, na Antiga Grécia ou ainda antes, na Babilónia, tivesse tido um período pré-científico no qual predominasse o pensamento mágico, os filósofos descreveriam esse processo como a emergência do racional a partir do irracional.....Palavras de Goody e minhas, ao percebermos que existiam formas de pensamento que convertiam em intelectuais os membros das sociedades iletradas, em que a literacia e o criticismo colaboram na criação do conhecimento, acabando o processo na aprendizagem da literacia e na classificação, até se reconsiderar essa grande dicotomia, como fala Goody, e aceitar que entre os selvagens há pensamento intelectual denominado mágico, tal como entre nós existem várias formas de pensar que são mágicas. Mesmo nas sociedades primitivas há intelectuais. Em todas as sociedades há um pensamento lógico, e, em algumas existe o pensamento científico primeiro, serve para a interpretação simbólica da realidade; o outro é a forma utilitária de pensar. Falando de outra maneira, digo na minha obra, baseada na do Jack, podia acrescentar como o pensamento selvagem é conquistado ou domesticado pela lógica simbólica cultural, bem como, o pensamento selvagem seria a aplicação do cálculo utilitário ou da razão prática contra o cálculo da lógica cultural. A domesticação da mente selvagem, é o entendimento dos denominados povos civilizados de que há uma forma diferente de pensar entre vários povos, e que a aprendizagem da escrita fez surgir a História, forma de pensar que conquista a mente selvagem dos dois lados. Relativizar é a forma de conquistar ideias e mente. Quando surgem as datas, começa o pensamento histórico, como prova Lévi- Stauss no seu texto de 1962: La pensée sauvage, editado pela Librairie Plon, Paris, citado por Goody que usa a edição inglesa de 1966. Para Goody, é a escrita e a história, as que marcam a passagem do pensamento selvagem para o pensamento racional, entendendo, também, que o pensamento selvagem tem uma lógica exprimida em símbolos e fórmulas mágicas. É o relativismo cultural que domestica o pensamento selvagem, quer dos primitivos, quer dos europeus.

Parece-me que era normal acrescentar esta ideia sintética das de Goody sobre a reprodução social: As mais correntes teorias e perspectivas sobre a diferença da mente nas sociedades humanas baseiam-se na dicotomia entre sociedades avançadas ou primitivas, bem como entre sociedades abertas ou fechadas, ou ainda entre domesticadas ou selvagens. Ou seja, entre uma variedade de classificações entre nós/eles, que distinguem as sociedades umas das outras. O Professor Goody argumenta que este sistema de classificação não permite um entendimento ou uma discussão séria sobre os mecanismos que lideram as mudanças sociais de longo alcance no processo de conhecimento das culturas humanas ou nenhuma adequada explicação das mudanças que acontecem nas sociedades tradicionais, como se verifica no mundo de hoje. Neste livro, experimenta fornecer um rascunho, um marco, para uma explicação satisfatória correlacionando aspectos mais amplos das mentalidades através dos meios de comunicação usados, especificando as mudanças que acontecem ao aparecer a escrita. O argumento está baseado em ideias teóricas, bem como em factos empíricos, recolhidos por si de sociedades estudadas nos seus trabalhos de campo na África Ocidental, acrescentando à sua análise um vasto saber das Sociedades do Próximo Oriente. Esta sinteses é minha, um resumo baseado da minha aprendizagem com o Jack, da leitura dos seus textos, que são imensos, e do meu trabalho de campo entre os Picunche de Pencahue, Talca, Chile, e dos grupos que usam símbolos para se exprimirem, quer em Vilatuxe, na Galiza, estudados duas vezez por mim, e Vila Ruiva, Portugal, que continuo a analisar, usando as palavras de: http://books.google.com/books?id=baQtOyscXUwC . Partes do texto podem ser lidas em: http://books.google.com/books?id=baQtOyscXUwC&printsec=frontcover&hl=pt-PT&source=gbs_v2_summary_r&cad=0

A reprodução social, conforme Goody, passa por dois pontos: reconhecer que a escrita e a história domesticam a mente primitiva, da mesma maneira que esse o seu reconhecimento da existência do relativismo cultural. Essas ideias, parecem-me a mim, são a melhor conjuntura para a reprodução social dos grupos domésticos dentro das suas sociedades.

No entanto, a noção de reciprocidade para entendermos o seu uso em Ciências Sociais, é preciso recorrer a Richard Thurnwald, (1869 - 1954) foi um antropólogo e sociólogo alemão. Fundador da Revista de Psicologia e Sociologia dos Povos, seus estudos seguem a escola funcionalista. Destacou-se na área dos estudos comparativos das instituições sociais. Suas obras foram: Negros e brancos no leste da África (1935), Estrutura e sentido da etnologia (1948). Ideias debatidas no texto citado a seguir, em que define reciprocidade, em 1932: Economics in Primitive Communities, Oxford University Press, diz que quem consiga entender o conceito de reciprocidade, é um homem com sorte. Acrescenta que reciprocidade é um princípio, não uma norma, imperativo que trespassa cada relação social da vida primitiva.»

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