domingo, 15 de agosto de 2010

Notas de cêntimo. (2)

Carlos Mesquita

Biomassa. Em pequeno, descia a escada da minha casa estava na padaria. O seu enorme forno abastecia de pão boa parte da Linha de Sintra. A lenha, de ramos com agulhas cor de caruma, esgalhados da base para cima dos pinheiros bravos, chegava diariamente em fardos que subiam seis vezes os taipais dos camiões. Depois veio o progresso dos fornos eléctricos, e o alarme de que os cozidos em fornos a lenha provocavam cancro. Mais recentemente outro alarme, os fornos eléctricos cozendo rapidamente o pão a altas temperaturas alteram os amidos gerando substâncias cancerígenas; passou a ouvir-se que melhor seriam os fornos a lenha. Lembra as histórias das sardinhas e peixes do mesmo tipo, antes de consumo perigoso e agora recomendados.

Aproveitar os resíduos florestais não é a solução milagreira para pôr fim aos incêndios, mas ajudava porque alguma lenha era assim queimada e era menos um sector interessado nos incêndios. As chamadas mãos criminosas são um conjunto de vantagens particulares e cada incêndio tem uma razão determinada, acidentes e negligências também há, mas centenas de acendimentos diários são acções oportunistas, parte delas já identificadas como a cobiça dos madeireiros ou o aproveitamento dos pastores para renovarem as pastagens. É também a altura de concretizar algumas vinganças, ou fazer a aldeia aparecer na televisão. Não faltam Neros que na falta da harpa sigam o ritmo das labaredas com palmas.

Vi na televisão um número protagonizado por Álvaro Amaro na defesa da indústria de biomassa para acabar com os incêndios; vindo do responsável de centenas deles, provocados pela sua lei da caça e das coutadas associativas, não deixa de ter piada.

New York Times elogia. Em Portugal não é notícia importante mas o conceituado jornal dedicou um extenso artigo a enaltecer o sucesso português nas renováveis. “Quase 45 por cento da electricidade produzida em Portugal vem este ano de fontes renováveis, mais 17 por cento que há apenas cinco anos”. Os EUA produzirão apenas 20% de energia renovável. Portugal, segundo o NYT, é o terceiro maior produtor de energias renováveis em relação à necessidade total de energia, com 21,6%, sendo a Islândia o primeiro com 29,8%, seguido da Dinamarca com 28,7%. Se os governos vindouros permitirem a continuação do projecto estratégico português de reduzir a dependência de energia de origem fóssil, em 2025 seremos o segundo país mais independente a seguir à Dinamarca (57,7contra 51,4%).

Mas a intenção do artigo do NYT ultrapassa o elogio a Portugal para se focar nas dificuldades em Obama levar por diante uma política de maior independência do petróleo. Obama não pretende como nós atingir mais de 50% de renováveis em 2025, quer metade, passar dos actuais 20 para 25% em 2025. No entanto parece mais difícil à administração americana conseguir um quarto que a Portugal metade. Diz o NYT que é muito difícil importar o modelo europeu para os EUA por três razões fundamentais: 1) ao contrário do que existe na EU, nos EUA não existem fortes incentivos á aposta das renováveis; 2) a enorme influência política da indústria petrolífera americana e 3) o sistema político americano dá autonomia aos Estados para legislarem, individualmente, sobre a matéria.

Para além do case study português na área das renováveis, temos o case study americano das dificuldades de um sistema político dominado pela grande indústria e possivelmente teremos em Portugal um terceiro case study de conciliarmos a necessidade de não depender do petróleo e um poder mais próximo dos políticos conservadores e neoliberais dos EUA.

1 comentário:

  1. Carlos e os US estão cheios de petróleo para extrair, nós é que ou vamos pelas renováveis a sério ou então as importações continuam a levar-nos couro e cabelo..
    A biomassa, já há pelo menos uma tentativa no Concelho de Idanha-a-Nova, mas como todas as energias, no seu ínicio, precisa de ajuda financeira até entrar numa fase de cruzeiro.É por isso que não há mais...

    ResponderEliminar