segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Novas Viagens na Minha Terra
Manuela Degerine
Capítulo LXVII
Décima sétima etapa: de Vilarinho a Barcelos (conclusão)
Chegamos a Góios, depois a Pereira, onde por fim deixamos a N306, voltamos ao campo, atravessamos aldeias, caminhando até, durante alguns metros, debaixo de uma latada.
Vemo-nos por fim nos arredores de Barcelos. Gérard Rousse despacha os últimos quilómetros com duas frases; é uma constante em cada fim de etapa. Explico isto a Sérgio.
- O Gérard já vai cansado...
Passamos por uma rotunda, debaixo de uma via rápida, ao lado do cemitério. Doem-me os pés e as costas cada vez mais e começo a tropeçar de vez em quando; apoio-me na vara de eucalipto. Vinte e cinco quilómetros deve ser, com uma pesada mochila às costas, a medida da minha energia: para além desta distância, perco um pouco os reflexos.
Em Barcelinhos, pensando estar em Barcelos, procuramos os bombeiros. Estes informam-nos que não acolhem peregrinos – há que atravessar o rio Cávado. Telefonei, no princípio da tarde, para Barcelos; onde, de facto, somos bem acolhidos: há até um dormitório. No duche encontro uma alemã toda nua e assustada com a temperatura da água; explico que cumpre esperar um pouco. Entretanto lavo a roupa do dia, que depois penduro nas grades da cama.
E não é ilusão: os meus pés calcorrearam vinte e oito quilómetros sem sofrerem novas bolhas.
Mais tarde passeamos por Barcelos e encontramos arcos enfeitados, um de cada freguesia, expostos num terreiro. Admiramos, muito em particular, os Santiagos.
Descansamos, já de noite, sentados num banco de jardim, passam carros a apitar e gente a agitar cachecóis.
- O que é aquilo?
- O fim do campeonato da zona Norte.
Digo eu a brincar. Ignoro se tal campeonato jamais existiu. O meu primeiro gesto, quando compro o Público, é rasgar as páginas de desporto e, se a Antena 1 fala de futebol, mudo logo para a rádio Amália. Mais tarde durmo mas parece-me que continuam a apitar pela noite fora. Quando pergunto, no dia seguinte, qual o evento histórico, revelam-me que o Benfica ganhou o campeonato. Ah?...
- Aqueles ontem eram benfiquistas?!...
Sinto-me na verdade perplexa. A circunstância de andar por atalhos, aldeias e ginásios cria uma ilusão de afastamento do mundo trivial. Nada mais ilusório: o mundo trivial não se afastou. Eu não vejo televisão mas os habitantes das aldeias – tanto em Bagunte como em Fonte Coberta, para só citar estas duas – não fazem outra coisa durante o serão. Talvez não suspeitem que o Sr. Socras sabia quando disse que não sabia do negócio PT-TVI, isto são claras batidas em castelo, que nunca chegam a dar suspiros, porém sobre o FCP e o Benfica têm mais do que suspeitas. Então... Caminhei tantos quilómetros para ouvir benfiquistas a buzinar? Há quem chame ao fenómeno a mesmice do mundo.
Admito que esta mesmice seja afinal necessária no mundo. Serve para nos unir e tranquilizar. (Tal como o futebol, concluirá o leitor...)
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Vimos um jogo, ganhou ou perdeu. E depois?
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