quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo LXIX

Décima oitava etapa: de Barcelos a Ponte de Lima (continuação II)

Sérgio tem um vasto impermeável que veste e, nas costas, lhe cobre igualmente a mochila. Todas as marcas propõem uma gama diversa e eu percorri, com método e pertinácia, os grandes supermercados que em Paris propõem este género de equipamentos, analisei dezenas de etiquetas sobre botas, mochilas, peúgas, camisolas, sacos-cama – e, claro, também, impermeáveis. Porém, havia pouco, eu atravessara a canícula até Santarém, achei estas gabardinas excessivas para o clima português, parecendo-me inconcebível que em Maio chovesse como anteontem: durante um dia inteiro. (Confesso este desespero meteorológico: quando me encontro atarantada de calor, parece-me milagroso – e portanto improvável – que volte a chover ou fazer frio.)

Tinha uma capa com capuz, que todavia hesitei em trazer, por a achar demasiado pesada; acrescentei-lhe um velho impermeável usado, durante dez anos, em dezenas de caminhadas. Verifico agora que o equipamento de Sérgio é mais prático do que o meu: basta vestir uma só peça por cima de tudo o resto. Ignoro aliás o que se passou no sábado: cheguei a Vilarinho molhada. Por onde entrou a água?

Chove cada vez mais. Tiro a mochila, poiso-a num muro, agarro o impermeável e a capa que, esta manhã, transbordando optimismo, arrumei no fundo, visto o impermeável, enfio a mochila, ponho – com a ajuda de Sérgio – a capa por cima da mochila.

Continua a chover com força. Prosseguimos o caminho. Eu, cegueta, com água a escorrer pelas lentes, lamentando não haver nos óculos um equivalente do limpa pára-brisas. (Eis uma ideia para os designers finlandeses.) Não pus as polainas, erro meu, má fortuna, pensei que a chuva abrandasse, porém muito pelo contrário, despejam-nos os tanques do céu pela cabeça abaixo, só falta caírem os peixes, perdoem os leitores a imagem, parecerá por desventura absurda, mas patinhamos dentro de um aquário, a água entra-me para dentro das botas, embora bem ajustadas ao tornozelo, não acho graça à brincadeira, contudo agora, afogada neste iguaçú, atolada neste pantanal, onde poisar a mochila... Continuamos a caminhar. Um quilómetro mais adiante, surge um recanto abrigado, aproveito para ajustar as polainas – e encontro, por debaixo da capa, a mochila toda molhada. Portanto a capa deixou de ser impermeável... Avisto um contentor verde, calha mesmo bem: molhada por molhada, vou assim mais leve. Porém, como proteger as bagagens? Uma mochila possui espumas que, se absorverem água, a tornam mais pesada. Trouxe dois grandes sacos de plástico: ponho um à volta da mochila e o outro por cima da bolsa.

Parece que todos os rios da terra desaguam por cima das nossas cabeças. Caminhamos tentando, em primeiro lugar, ver a sinalização, porém a visibilidade é curta e as imagens deformadas, avançamos de olhos encarquilhados, buscando ajustar a vista – pitosgas de todo. Subimos, descemos. Passamos à beira de uma linha de comboio. Atravessamos um pinhal. Chegamos a Lijó.

Os caminhos encontram-se inundados. Felicito-me por ter sido ao menos tão paciente, para além de todos os meus erros e defeitos, não comprei um impermeável satisfatório mas carreguei com as botas durante quatro pesados dias – de outra maneira seria agora impossível prosseguir. Estas botas são rígidas e pesadas mas oferecem uma impermeabilidade a toda a prova e propriedades antiderrapantes seja na lama, seja em pedras soltas, seja aliás onde for.

Coloquei o roteiro dentro de uma capa: tento ler através da água e do plástico. Costumo apontar elementos da paisagem num caderno – agora guardei-o na bolsa. E, debaixo desta catarata, não me atrevo a tirar a máquina do estojo protector e dos vários sacos em que a protegi: não guardarei imagens do dilúvio.

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