domingo, 8 de agosto de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo LXXII

Décima oitava etapa: de Barcelos a Ponte de Lima (conclusão)

Tanta gentileza bastaria para nos dar alento mas, para além dela, também pudemos aliviar as costas, sentar-nos, comer, beber um chá quente... E eu, com a camisola seca e um blusão espesso, sinto agora um agradável conforto. Recomeçamos a caminhar com mais energia.

Encontramo-nos a vinte quilómetros de Ponte de Lima. O percurso continua variado. Passamos por igrejas e espigueiros, olivais, vinhas e culturas, eucaliptos e pinheiros... Voltamos a caminhar por debaixo de videiras suspensas em postes de granito. O piso varia ainda entre o pedregoso, o arenoso, o alcatrão, a calçada... O que mais solicita a nossa atenção é a alternância dos caminhos inundados com a lama escorregadia.

Quase tudo o que vejo me parece bonito. Embora esfumado... Lamento que, com a bruma no ar e a água nas lentes, não possa pormenorizar a paisagem.

Desde a saída de Barcelos ultrapassamos, de vez em quando, três raparigas holandesas e, mais adiante, somos por elas ultrapassados. A partir de Balugães entram na coreografia três alemães e três cães. O pai, um senhor elegante e já idoso, com o seu pequeno teckel preso por uma trela, a mãe, também elegante e ainda jovem, com o seu grande pastor preso por uma trela, o filho, com o seu cão de médio tamanho semelhantemente preso por uma trela. Como há neste pedaço do trajecto algumas capelas com telheiro, eles avançam, ultrapassam-nos e, mais adiante, quando se abrigam no telheiro da capela, nós ultrapassamo-los. (Em Paris tomo às vezes conta de um teckel, um bicho tímido e discreto, com esta expressão melancólica. Lembro-me do Rafeiro dos Olhos Amarelos... Qual não seria, em contrapartida, o seu entusiasmo, através deste caminho, cheio de poças e odores subtis?...)

Doem-me cada vez mais as costas. Diminui a intensidade da chuva, por isso podemos, de vez em quando, fazer uma pausa. Encontramos duas pedras, poisamos plásticos por cima – sentamo-nos durante cinco minutos.

Neste transe frio, chuvoso e lamacento, o meu companheiro de caminhada não fez, ao longo de todo dia, um gesto de enfado ou impaciência. (E, gentilmente, quando tiro a mochila, para mim muito pesada, ajuda-me a colocá-la outra vez às costas.) Replicará o leitor: protestar contra a chuva, uma vã perda de calorias, o tempo é o que é, as nuvens não ouvem alvitres. Adiro a esta sensatez. Porém, no de Santiago como noutros caminhos, tenho encontrado gente que, mesmo em situações menos difíceis, esborrata de mau humor a disposição dos outros.

Atravessamos Vitorino dos Piães, Facha, Leiras, seguimos na direcção de Seara, sucedem-se várias quintas, entre as quais a do Bom Gosto, seus muros sumptuosos de musgo, na Rua do Sobreiro, n°16... Seguem-se Paço, Pedrosa, Barros... Caminhamos numa ponte medieval, vemos mais uma capela, voltamos a passar debaixo de uma vinha, chegamos enfim à beira do rio Lima, onde encontramos o mercado, que ocupa a margem até à ponte famosa.

Precisamos de comprar comida; Gérard Rousse recomenda que nos aprovisionemos pois, durante a etapa de amanhã, não é certo encontrarmos o necessário. (Assinala uma mercearia em Revolta mas não ignoramos como funciona o comércio nas aldeias: estará ou não aberta quando passarmos; e, entre a viagem de Gérard Rousse em 2006 e o presente momento, pode até ter desaparecido.) Avistamos tendas com pães e queijos muito apetitosos, sentimo-nos porém esgotados, não nos resta força para as necessárias compras, de mochila às costas, se pararmos ali ficamos, por conseguinte atravessamos o mercado aos ziguezagues, atentos à sinalização, bastante camuflada, entre tendas e camionetas, tropeçando aqui e além, indo aos bordos, bêbedos de cansaço, alcançamos a ponte, ignorando onde fica o albergue, avistamos de longe um edifício de um belo cor-de-rosa, com janelas amarelas, duas cores que, dirão agora os leitores, não se entendem – pois, aqui, combinam muito bem. Diz Sérgio:

- É além o albergue.

E é mesmo ali.

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