Raúl Iturra
C Ciclos
3ª Parte, Capítulo I
Estas crianças crescidas, são o resultado das estratégias reprodutivas dos seus ancestrais, como vamos ver no capítulo 3. O seu saber, é manipulado ao contrário do ensinado pelos pais, pelos parentes. O seu saber é levado pela conjuntura dos tempos e das reacções dos seus pares. Eu insisto de que as crianças estão feitas para fugirem deles, das formas mais complexas possíveis. (Iturra 1997 c ). Em pequenos, da sua vista. Em adultos, da sua vigilância. Em adolescentes, da sua forma de aconselhar e controlar. Justo a altura em que eles querem entrar sós no mundo. Já o diz Daniel Sampaio: Vivemos em uma prisão (1998). A prisão da qual estas três jovens escapam de forma inteligente. Como o fazem os seus germanos e pares da sua geração. Quando conheci a estes todos, e a estas três, que são o elo de ligação que me permite falar das outras e dos outros, parecia que ião ser como as mães delas, como as mesmas mães delas. Como os mesmos pais delas. Bem define Klein (1932) que a rebeldia das crianças e a procura da sua autonomização. Bem é verdade que Klein nunca estudou este tipo de crianças. Boa discípula de Freud, ela dedica o seu tempo ao que ela pensava era o objecto científico, a burguesia urbana nor-europeia. Alice Miller é quem universaliza a teoria dreudiana, a partir do entendimento de ver a pequenada europeia do campo e da cidade, (1983ª e 1983 b), cujas historias de vida analisa a maneira de Georges Devereux (1985). É desses autores, que é possível retirar algumas ideias dos ciclos de vida que acompanham o tempo do saber. Victoria e os seus pares Picunche, vivem a tecer, semear, ir a escola, observar aos adultos que estão no meio de uma revolta social que acaba em ditadura. E o silêncio que ela aprende, é como o silêncio dos outros, resultado da desconfiança de passar a ser pessoas desaparecidas. Especialmente, porque ao pé deles, hoje, estava o irmão de mulher do ditador do Chile, feito proprietário das terras da antiga aristocracia espanhola e criolla - é dizer, pessoas nascidas mais tarde, no Reyno do Chile, como diz Ovalle (1646). Proprietário que tinha uma guarda especial, delatora, com fuzis, com espingardas, que não era recebido em casa nenhuma de antigos proprietários. De raros antigos proprietários que ficaram com terra nos anos setenta deste século. Esses que como tantos outros, não tiveram que sair. Famílias, também, que não iam receber Victoria, porque era filha de Inquilinos. E a hierarquia sempre existia no social, respeitada pelo grande número de habitantes de Pencahue. Eu próprio fui á casa dos proprietários da maior propriedade de terras do lugar, Rauquen. Fui bem recebido e até a falarmos em inglês, língua não oficial, mas muito natural para pessoas antigas em essa terra. Victoria e a nossa amiga e colaboradora de pesquisa, Técnica Veterinária de Talca, Alejandra Cárcamo, ficaram fora, ignoradas. Pelo qual eu rapidamente sai. Porque, as experiências de todos eles, é a de ser deitados fora, de tirarem o chapéu, de terem que lutar pela vida dura.
Isto é observado por estas crianças e, quando adultos, querem se comportar de forma diferente, ganhar o senhorio próprio dentro de uma sociedade mais igual. È verdade de que as vidas deles, estão acompanhadas de ditaduras. Como a de Espanha, por quarenta anos, como a de Portugal, por quarenta anos, e a mencionada de Chile, que quis chegar aos quarenta anos e elaborou um número indeterminado de leis que perduram para manterem o comportamento social e politico subordinado á lei militar. Há, porém, os ciclos definidos por mim em outros (1997 e a reedição dos mesmos em este capítulo, 1998), correlacionados a molécula natureza que o ser humano é como fisiologia. E há os ciclos que a Historia Social, incute no crescimento de todos eles. Estes três países, estiveram baixo a espingarda, sempre. Victoria, Pilar e Anabela e os seus pares, são resultados das espingardas sob as que os seus pais e ancestrais viveram. Espingardas de quatrocentos anos entre Picunche, de setecentos anos entre galegos, de transições continuadas que vários de nos temos definido no seminário de Paris em Lisboa, com Godelier (1991). Transições Sucessivas entre portugueses. Pelo menos, transições desde Mouzinho da Silveira em Portugal nos 1830, como analisam Míriam Halpern Pereira (1991). Semelhantes anos de 1830, na Espanha total, com a constituição que Fernando VII teve que assinar em 1812 e que andou a afectar Vilatuxe. Onde ficou um espírito rebelde, que acompanhou aos primeiros sindicatos contra a enfiteuses, que vigorava em todo o País. Esse Vilatuxe que correu, em 1868, com a guarda da Coroa Eleita, como vai ver no capítulo 3. E que eu fiquei a saber por documentos entregues a mim pelos investigadores locais da Galiza. As famílias rebeldes, ainda lá moram, com a sua memória a influenciar as Pilares locais. Como as rebeldias dos de Pencahue e de Vilaruiva, no seu tempo.
Os ciclos da Historia, constroem o crescimento, alimentam as estratégias da pequenada, de uma forma que elas nem sabem. Nem os seus pais conhecem. E que poucos cientistas locais, entre nós, são capazes de ver em elas. Só Sampaio (1998), Paula, Iturra (1994), Miller (1983 b) , e eu próprio (1997), na medida em que essas têm três historias têm influenciado a minha unitária vida pessoal e cientifica de observador participante. A criançada cresce a fugir dos pais, como metáfora desconhecida de eles, de fugir das forças invasoras da sua segurança, autonomia e independência. Alias, uma intervenção de essa autonomia e independência, exigida ao comportamento pela lei e os factos económicos, e aprendida como maneira de se comportar, de serem empresas eles próprios. Porque não é emprego o que, com o saber, procuram, actividade que os seus adultos pareciam fazer: calcular para optimizar (Iturra 1981 e 1988). Formalmente, os seus adultos tiveram que maximizar para ultrapassar a pobreza, analisado por Marx (1857), e retirado de ele para eu entender (1988 e 1998, versões modernas das Grundrisse), estrategizar a raridade, a escassez. Mas, no seu tempo, esses adultos optimizavam em frente de quem tinham que servir. Esta criançada que cresceu, estrategiza para optimizar para si próprios, com o emprego do risco tomado nas suas mãos, para si, perante uma geração adulta que não quis acreditar nas suas alternativas procuradas. Muito tiveram que lutar cada um dos três elos cujas vidas ligam para mim, a juventude de hoje. Crianças que observei no passado, manipularem o real herdado que os países referidos lhes apresentaram. Apresentaram de tal maneira, que eles quase que não acreditavam em si, e tiveram que procurar apoios fora de casa para entender como fazer. Apoios na persistência da sua informação e da sua amizade com pessoas de fora. Não e já só o ciclo natural, que coloca tempo ao saber. Não e apenas só o ciclo Histórico da sociedade global, que coloca tempo ao saber. É a própria época da pessoa, essa transição vivida enquanto se está a crescer, que coloca o tempo mais determinante a esse saber viver. Esse saber conviver. Uma interacção que aparece de forma diferente à vivida pelos seus adultos e que não faz deles adultos em réplica, como já referi em Coimbra faz anos (1987), ao proferir uma conferência sobre trabalho de campo, observação participante, metodologias que me têm ensinado a ver e entender que o tu calculas que tenho empregado como titulo hipotético, é a observação da experiência do adulto e do ciclo Histórico, que a antiga criança, cabe viver na sua vida adulta. Nos, os adultos maduros, é que devemos observar esse cálculo, para encurtar a distancia entre gerações. Para que o debate entre gerações seja frutífero, e os novos pequenos saibam reproduzir estratégias, que os adultos crescidos de hoje, pensam que já resolveram. Cada época histórica, tem uma diferença com a outra.
Cada um de nós tem sido feito pela fisiologia, pelo saber, e pela história entendida de maneira diversificada. Como é o diálogo entre Victoria, Rebeca, e Yeyé; entre Pilar, Hermínio e Esperanza; e de Anabela, António, Fernanda e as avós.
Assunto que passo a tratar. Com licença do leitor, que melhor me ouvia estas palavras, com um Mozart Kejel 331 (1778), ou um Schubert D 780 (1827). Para retomar o texto, musica que nunca era ouvida nos lares de Victoria, Pilar e Anabela, mas sim por Victoria, Pilar e Anabela. Parte do seu ciclo educativo. Ciclo educativo, que jamais ficava fechado, sem a ternura que a criançada podia ver nos seus adultos. Como Pilar e Anabela, ver esses olhos nos olhos dos seus pais, esses olhos nos olhos que foi Pilar capaz de ver para si em Alfonso, nas idades tenras do namoro. Namoro que, ainda, não tinha um Ezequiel de filho, a se interpor, naturalmente, entre a paixão de um pelo outro: o acordar cedo, a aleitação, as fraldas, o ensino de quais palavras sim e quais não. A criançada, durante o seu tempo de observar, só queria entender. Queriam e diziam. Queriam e diziam o quê. E a procura era pesada e forte, para chamar a atenção do progenitor, aos berros, se for preciso, como vou analisar no capítulo 5. Crianças minhas também, porque comigo aprendiam o que em casa não se falava, hoje adultos jovens, têm me enternecido profundamente, quando vejo olhar, ouvir e calar, porque ai falam as mãos, o brilho da cara, o abraço doce. Toda essa ternura reprodutiva, que acaba nos Exequieis, ou não, mas que atira os corpos, desejosos de estarem intimamente sós. Comportamento que ensina que ser homem é de uma maneira, e ser mulher, de outra. Quando o homem seduz, cala, beija, retira-se, anda para trás, possa uma mão no ombro...Em tanto que ela resiste, anda também para trás, levanta a voz, dá um olhar zangado, que, lentamente, passa a um olhar sorridente, de boas vindas, lento e persistente, insistente, profundo. Mais profundo e duradouro, do que o olhar do homem seria jamais capaz de produzir, jamais capaz de lançar, jamais capaz de esboçar. Porque como todos sabemos, a ternura masculina é ternura súbita, repentina, tímida para se prolongar. Como as danças andaluzas Como Hermínio, António e, no seu tempo, Clodomiro faziam á Esperanza, Fernanda e Yeyé, esses pais de Pilar, Anabela e Victoria. Os três elos que ligam a minha história, que nunca foram capazes de ver os olhos nos olhos dos ancestrais, porque é a intimidade que o produz, que a íntima união penetrada dos corpos produz, que o individual escorregar da doçura do centro do peito até as pernas, produz. Até o grito final da ternura. Ouvido nos quartos deles todos. E o gritar do bebe eventual, que faz todos eles quererem fugir de casa no seu dia. Para caírem na casa onde os seus bebes, empurram outros meninos.
O ciclo ao longo do tempo, sabe. Sabe entregar a relação íntima entre dois, diferentes ou iguais sociais, diferentes ou iguais genitais, diferentes ou iguais emoções. O ciclo ensina as crianças, que o desejo nasce porque se ama uma outra pessoa, do se próprio ou diferente sexo. O desejo sem amor, satisfeito a assassinado por nós, mata-se no minuto, e toca correr depois. A vestir. A pegar no cavalo. A fechar a porta do carro. Até nunca mais ver. A criançada que está no processo de crescer, sabe duas coisas, do ciclo histórico da sua cultura: de que a ternura de amar tem desejo; e de que a ternura de amar, tem magoa. Bem como desejo e mágoa vão com as pessoas, quando há um objectivo comum, o reprodutivo: filhos feitos, filhos a alimentar, trabalhar para alimentar os filhos. Hermínio gostava dizer que Esperanza era a bela das belas, que não havia mulher doce como ela era, nem tão ternurenta no ninho dos dois, cama ou palheiro. Era o motivo que o levava a passar ao galope do seu cavalo ao pé da janela da então rapariga, quando vinha de volta das mulheres públicas da vila, para a ferir. Para transferir a ferida, diria eu. Isso, comentava Esperanza, que ficava com raiva ao entender que cavalo e cavaleiro, vinham de aí. Mas, diz Esperanza, que todo perdoava: era e é tão formoso, de formas ou feições agradáveis, perfeito, deleitoso, que soava bem, harmonioso.
Hermínio, na presença de todos nós, nos seus fortes e lindos novos setenta e seis anos de ontem, hoje são oitenta e três, batia com a mão nas nádegas da mulher, que ri e lança um olhar coquete ao seu homem desde o seu sítio de mulher de setenta anos. Como António a Fernanda, que sempre responde, com um sorriso namorada: larga, pois, e comenta em silêncio com os olhos brilhantes de alegria. Eis porque que um o Pepe tem uma Mónica, e um Santiago, e uma Natividade, e um Hermínio, fruto dos seus amores com Neves, a sua mulher. E o Miguel, um Isaías, esse bebé que nasceu enquanto escrevo estas páginas. E, Pilar, o seu Ezequiel. E assim por diante. O ciclo do histórico, é feito pela abertura dos pais perante os filhos, pelo brincar afectivamente, enquanto as contas são debatidas. Pelo lembrar dos mais velhos, dos seus namoros de adolescentes. De todos os seus namoros, ternuras e apoios. É o cálculo emotivo, que eles observam, entendem, fazem. O cálculo que observam para saber como se faz no tempo.
Pierre Bourdieu em 1999.
Existe um largo tipo de antropólogos, como narrei blogues anteriores de este sítio de debate que se têm interessado nas emoções dos adultos e a observação das crianças que vem… Interesse estuado especialmente no campo das análises feitas em trabalhos de campo com adultos. Porque todo antropólogo está preocupado com esse mundo dos seres crescidos, esse mundo das decisões, no entendimento deles. Meyer Fortes, ao estudar os Tallensi (1938 e 1987), na Ghana, dedica grande parte do seu tempo á relação do adulto com a criança, mas a sua observação centra-se nos adultos, passando a ser a criança, apenas uma escusa para o diálogo com o avô ou o pai. Semelhante estudo tem sido feito por Jack Goody (1977), que no seu mito do Bagre, vê a criança inserida entre esse número de adultos com os que relaciona principalmente. Malinowski (1922), só in passim, é que vê o comportamento dos pequenos. Fama tem tido Margareth Mead, na sua basta obra, de se preocupar da análise de raparigas da Samoa (1928) Um estudo directo e pormenorizado, é o feito por
Peter e Yona Opie (1979) nos seus livros. Na obra portuguesa, um numero de nos, tem tentado compreender a análise do que eu denomino Epistemologia da Criança primeiro, e Etnopsicologia de Infância a seguir, intermediado pelo saber criado para a Antropologia da Educação, bibliografia em anexo. É com pena que lembro dos nossos trabalhos com o Piere (Bourdieu) e equipa, ao longo dos do meu ensino com eles entre Cambridge e Paris, ou Lisboa e Paris, não foi bem sucedida: não tive a força de convencer ao Laboratoire d’Anthropologie Sociale para estudarmos crianças que assistem ás instituições que eles tratavam. Excepto Henry Bomvin e, perto de seu fim, a equipa toda que estudou crianças, com os resultados publicados no livro La misère du Monde, Seuil, 1993, Paris. Foi o único.
Vou tentar agora centrar a base da criança total.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
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