Sílvio Castro
Não a poucos causará surpresa a colocação do poeta de “O Noivado do Sepulcro” entre os nomes mais representativos do Romantismo social português. Como consequência de uma demasiada repetição sobre o discutível conceito de ultra-romantismo, ele é sempre visto como o cantor da individualidade patológica, do individualismo mais fechado. Seus dolorosos e dramáticos cantos do sofrimento pessoal, muitas vezes tradutores de uma criatividade sublime, foram fixados numa perspectiva anômala que o grande lírico não merecia. Porém, a fixação de determinados conceitos e definições críticas tem somente determinado a estabilização generalizada de um tal falso valor histórico. Em verdade, os dolorosos cantos líricos de Soares de Passos, nascidos preferencialmente dos sofrimentos físicos que o atormentaram por longo tempo durante a sua curta existência (1826-1860), são tão somente uma parte de sua personalidade de poeta maior. Ao lado dos lamentosos cantos de dor, ele sabe sair de sua natureza mais pessoal, para dar expressão a criações próprias da natureza da maturidade típica da consciência social conquistada e vivida.
Soares de Passos é certamente um poeta da dor individual, mas é igualmente um grande cantor do mais profundo e partecipante valor do bem comum.
Nascido num ambiente familiar da pequena burguesia liberal, sua maturidade sofre a particular violência praticada pela repressão absolutista aos liberais históricos. Porém, ainda que perseguido e oprimido, assim como os seus, o poeta sabe confrontar-se com a vida sem perder jamais suas convicções ideológicas.
Soares de Passos é possivelmente o melhor herdeiro do pioneiro espírito liberal de Garrett e da consciência filosófica que Herculano soube dar ao livre pensamento democrático português no período Romântico. Daquele retirou o sentido libertário do liberalismo; deste herdou a capacidade de transformar a convicção liberal em consciência cívica.
A grandeza dessa posição do autor de “O Firmamento” encontra-se em poemas das mais diversas tonalidades. Desde aquela patriótica, de raízes garrettianas, até aquelas outras, de natureza reflexiva sobre a liberdade e a consciência social, derivadas com criações de grandes dimensões da mais profunda lição do liberalismo de Herculano.
O sentimento de sua terra, de sua pátria, serve de fator condutor da consciência partecipante do poeta. Em poemas como “A Pátria” sua genialidade romântica conduz a tópica específica a novas dimensões de modernidade. Tomando como referência inicial do poema a exaltação da pátria, natureza essencial da indivídualidade, o poeta entoa o seu canto:
“Esta é a ditosa pátria minha amada“
Este o jardim de matizadas flores,
Onde os céus com a terra abençoada
Rivalizam nas galas e primores.
Este o país das tradições brilhantes,
Onde cresceu a palma da vitória,
Onde o mar conta às praias sussurrantes
Longínquos feitos d’extremada glória.
para concluí-lo com o grito de sua maior ambição,
Terra da minha pátria, ouve o meu brado,
Se inda da vida me restar alento,
Tu que foste o meu berço idolatrado,
Sê minha tumba em meu final momento!
A partir do conceito de “pátria”, Soares de Passos chega à mais larga participação,
desde aquela tradutora do mais direto testemunho de humanismo liberal, em poemas como “Maria, a ceifeira”, até o mais universal canto de liberdade, como em “Canto do livre”. O poeta conclui este poema que é uma proclamação de absoluta convicção do direito à liberdade e forte empenho de combate a toda e qualquer forma de tirania:
“..........................................................................
Eu sou livre! Eis minha crença ,
Nem força contra ela vale.
...........................................................................”
O poeta sai então de todo e qualquer canto da condição existencial própria da pura individualidade para fazer-se eco dos ideais da consciência civil rebelada e viva.
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário