sábado, 21 de agosto de 2010

O Romantismo social português: 8 – Guerra Junqueiro

Sílvio Castro

Possivelmente Guerra Junqueira será o mais popular poeta do romantismo comparticipante do social em Portugal, não somente preso pelo seu público nacional, mas igualmente entre os brasileiros de seu tempo. No Brasil como que se ombreia com Castro Alves, o mais amado dos poetas românticos brasileiros; ambos, Junqueiro e Castro Alves guiados pela exuberante linguagem lírica de origem huguiana.

Guerra Junqueiro vive de certo modo à parte, mas intensamente, as experiências da Geração de 70. Nele poesia e consciência política se abraçam em forma absolutamente pessoal.

O lirismo do autor de Oração à Luz resulta de uma formação fortemente religiosa, cedo transformada em experiência pessoal intensa. A religiosidade juqueiriana se aproxima então da participação com a natureza, dela se reapropiando e fazendo de tudo uma própria metafísica.

As dimensões de uma religiosidade panteista original e a logo adquirida consciência política da realidade social, em que vive, fazem de Guerra Junqueiro um poeta especial. Surgem assim vozes aparentemente contraditórias, mas eficazes: cantos feitos de subjetividade profundamente religiosa e uma viva batalha contra o poder temporal da Igreja e as deformações produzidas pelo mesmo no ambiente social, sob uma semântica poética resultada da linguagem corrente e de forte espírito satírico, como no poema “O Baptismo”:

Batipzais: arrancais dum anjo um satanás.
Desinfectais Ariel banhando-o em aguarrás
De igreja e no latim que um malandro expectora.
Dizeis à noite – limpa a túnica da aurora,

E ao rouxinol dizeis: pede a bênção da c’ruja.
Dais os lírios em flor ao rol da roupa suja.
Representais a farsa estúpida e sombria
Dum cônego a lavar um astro numa pia,
Finalmente extrais da inocência o pecado,
Que é o mesmo que extrair duma rosa um cevado,
E tudo isto porquê?

- Porque na bíblia um mono
Devora uma maçã sem licença do dono!

A irreverência tenaz contra o poder temporal da igreja é apenas uma face do amplo lirismo junqueiriano. Igualmente forte e expressivo é o tom de sua luta contra a monarquia e o poder monárquico que condena Portugal ao mais absurdo subdesenvolvimento. O espírito civil do poeta se manifesta então numa linguagem poética de exaltação sentimental de sua Nação subjugada pela política retrógrada. Nesse nacionalismo sentimental, em Junqueiro ocupa posição essencial a adesão aos destinos dos pobres, dos deserdados, dos simples. Como em poemas da dimensão de “o Cavador” –

Dezembro, noite canta o galo…
Rouco na treva canta o galo...

- Oh, dor! oh, dor! –

Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo,
Miséria negra, vai chamá-lo!...

Oh, dor! oh, dor!”

Ou nos comoventes versos de “Os pobrezinhos” –

“Pobres de pobres são pobrezinhos,
Almas sem lares, aves sem ninhos...
Passam em bandos, em alcateias,
Pelas herdades, pelas aldeias.
.......................................................”

Forte espírito liberal, Guerra Junqueiro se divide igualmente com a prática política, representando o Partido Progressista no parlarmento e lutando nas praças civis contra a opressão do poder monárquico aos fracos e oprimidos. Esta luta encontra o maior espaço depois do episódio do Ultimato. O nacionalista orgulhoso que sempre viveu em Guerra Junqueiro não poderia aceitar tamanhas ofensas à sua pátria –

“Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da Pátria a agonizar...
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...”

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