sábado, 28 de agosto de 2010

Povo, Povo - Exposição no Museu da Electricidade

António Sales

Na comemoração dos cem anos da implantação da República, está patente no Museu da Electricidade, em Belém, uma exposição cujo ponto de partida, como refere o catálogo, é responder “De que falamos quando falamos de Povo?”. A partir desta premissa temos a oportunidade de recordar e viver com esse Povo que, entre nós, ao longo do século XX, sofreu de múltiplas maneiras a sua condição de que hoje somos reflexo como POVO também.

Vale a pena ir lá ver e deambular por este conjunto diverso de peças onde encontramos trabalhos em fotografia, desenho, pintura, multimédia, documentos escritos de personalidades, obras de escritores retratando a história de uma nação, ou seja: «Esta gente cujo rosto / Às vezes luminoso / E outras vezes tosco / Ora me lembra escravos / Ora me lembra reis.» (Sophia de Mello Breyner Andresen , in “Geografia”, Lisboa: Edições Ática 1967).

O pessoal cá do Estrolabio não perderá o seu tempo em pôr-se ao caminho sem stress. Aqui encontramos o povo das ceifas, da pesca, do carvão; aquele que abria valas nas cidades a “pá e pica” ou batia a pedra da calçada portuguesa dos passeios com maços de cinco quilos (uma jornada a puxar pelo lombo e a ganhar uma miséria). Vemos os pobres que vivem pobres, comem como pobres e como pobres vestem, enfarruscados, boné na cabeça, garrafão de cinco litros de vinho, rostos duros e crianças a trabalhar, personagens da Londres de Charles Dickens e não desta terra ensolarada e vistosa que realizou em 1940 a Grande Exposição do Mundo Português. Mas também nos encontramos com os mais bem vestidos, com as classes que progrediram e não emigraram, os que vão ao banhos a Cascais e trabalham em escritórios na Baixa porque também eles Povo… um certo Povo. E os soldados que partiram para as colónias e lá combateram e morreram enquanto aqui se discursava pelo amor à Pátria. Havia a Mocidade Portuguesa, as madrinhas de guerra, as mensagens dos soldados para as famílias, a censura prévia e os cantores de intervenção. Tudo isto e muito mais sabemos que havia mas as mais novas gerações não sabem sem que disso tenham culpa porque qualquer pessoa com 30 anos ainda andava a passear noutra galáxia à espera da sua oportunidade para nascer.

As descobertas de um século que contribuiu para o progresso do POVO com a electridade, os electrodomésticos, a televisão, o telefone, a máquina de lavar roupa, o automóvel, a publicidade. A mudança social que a máquina de escrever provocou no segmento feminino. As lutas contra o regime de Salazar e o 25 de Abril com as transformações, convicções e erros que com essa data histórica se seguiram. Já não há vagonetas para encher de carvão e empurrar por mãos humanas, nem marçanos a trabalhar das 8 da manhã às 10 da noite, nem aquela fome miserável de 1920, nem guerra, nem analfabetos, nem os dolorosos rostos embrulhados em xailes negros e lenços pela cabeça com os olhos saindo das órbitas como se tivessem pavor de viver e as rugas vincando uma malha de sofrimento como se esse fosse um destino inalterável do nascimento à morte.

Quando cheguei ao fim desta exposição estava angustiado.

Não terá sido, provavelmente, esse o objectivo dos organizadores, mas tinha a sensação que, afinal, apesar do 25 de Abril os governantes de ontem e os de hoje, o POVO de ontem e o de hoje, ainda não conseguiram os primeiros fazer sair os segundos da merda onde sempre vivemos atolados.

Vale a pena lá ir. Já agora pode aproveitar para visitar o Museu da Electricidade e a exposição de dos presidentes das República. É tudo à Borla. Viva a República!



Informações:

Exposição POVO,POVO

Museu da Electricidade até 19 de Setembro

Av. Brasília, Central Tejo

Eléctrico 15 – Autocarros 28, 714, 727, 729, 751

Comboio: Cais do Sodré – Belém

Todos os dias 10 – 18 horas / Sábados 10 – 20 horas

Aconselho a comprar o catálogo da exposição: custo € 5,00

Entrada Livre

Tempo necessário: Povo + Automóveis + Museu = 2.1/2 – 3 hor

1 comentário:

  1. Um texto que é um estrolabio navegando entra as estrelas. Angustiado, com o que viu. Tambem eu, no CCB numa exposição de fotografia de dois americanos que por cá andaram em 75, não consegui passar da primeira sala. Angustiado, envergonhado? com o que éramos.

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