António Sales
Na comemoração dos cem anos da implantação da República, está patente no Museu da Electricidade, em Belém, uma exposição cujo ponto de partida, como refere o catálogo, é responder “De que falamos quando falamos de Povo?”. A partir desta premissa temos a oportunidade de recordar e viver com esse Povo que, entre nós, ao longo do século XX, sofreu de múltiplas maneiras a sua condição de que hoje somos reflexo como POVO também.
Vale a pena ir lá ver e deambular por este conjunto diverso de peças onde encontramos trabalhos em fotografia, desenho, pintura, multimédia, documentos escritos de personalidades, obras de escritores retratando a história de uma nação, ou seja: «Esta gente cujo rosto / Às vezes luminoso / E outras vezes tosco / Ora me lembra escravos / Ora me lembra reis.» (Sophia de Mello Breyner Andresen , in “Geografia”, Lisboa: Edições Ática 1967).
O pessoal cá do Estrolabio não perderá o seu tempo em pôr-se ao caminho sem stress. Aqui encontramos o povo das ceifas, da pesca, do carvão; aquele que abria valas nas cidades a “pá e pica” ou batia a pedra da calçada portuguesa dos passeios com maços de cinco quilos (uma jornada a puxar pelo lombo e a ganhar uma miséria). Vemos os pobres que vivem pobres, comem como pobres e como pobres vestem, enfarruscados, boné na cabeça, garrafão de cinco litros de vinho, rostos duros e crianças a trabalhar, personagens da Londres de Charles Dickens e não desta terra ensolarada e vistosa que realizou em 1940 a Grande Exposição do Mundo Português. Mas também nos encontramos com os mais bem vestidos, com as classes que progrediram e não emigraram, os que vão ao banhos a Cascais e trabalham em escritórios na Baixa porque também eles Povo… um certo Povo. E os soldados que partiram para as colónias e lá combateram e morreram enquanto aqui se discursava pelo amor à Pátria. Havia a Mocidade Portuguesa, as madrinhas de guerra, as mensagens dos soldados para as famílias, a censura prévia e os cantores de intervenção. Tudo isto e muito mais sabemos que havia mas as mais novas gerações não sabem sem que disso tenham culpa porque qualquer pessoa com 30 anos ainda andava a passear noutra galáxia à espera da sua oportunidade para nascer.
As descobertas de um século que contribuiu para o progresso do POVO com a electridade, os electrodomésticos, a televisão, o telefone, a máquina de lavar roupa, o automóvel, a publicidade. A mudança social que a máquina de escrever provocou no segmento feminino. As lutas contra o regime de Salazar e o 25 de Abril com as transformações, convicções e erros que com essa data histórica se seguiram. Já não há vagonetas para encher de carvão e empurrar por mãos humanas, nem marçanos a trabalhar das 8 da manhã às 10 da noite, nem aquela fome miserável de 1920, nem guerra, nem analfabetos, nem os dolorosos rostos embrulhados em xailes negros e lenços pela cabeça com os olhos saindo das órbitas como se tivessem pavor de viver e as rugas vincando uma malha de sofrimento como se esse fosse um destino inalterável do nascimento à morte.
Quando cheguei ao fim desta exposição estava angustiado.
Não terá sido, provavelmente, esse o objectivo dos organizadores, mas tinha a sensação que, afinal, apesar do 25 de Abril os governantes de ontem e os de hoje, o POVO de ontem e o de hoje, ainda não conseguiram os primeiros fazer sair os segundos da merda onde sempre vivemos atolados.
Vale a pena lá ir. Já agora pode aproveitar para visitar o Museu da Electricidade e a exposição de dos presidentes das República. É tudo à Borla. Viva a República!
Informações:
Exposição POVO,POVO
Museu da Electricidade até 19 de Setembro
Av. Brasília, Central Tejo
Eléctrico 15 – Autocarros 28, 714, 727, 729, 751
Comboio: Cais do Sodré – Belém
Todos os dias 10 – 18 horas / Sábados 10 – 20 horas
Aconselho a comprar o catálogo da exposição: custo € 5,00
Entrada Livre
Tempo necessário: Povo + Automóveis + Museu = 2.1/2 – 3 hor
sábado, 28 de agosto de 2010
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Um texto que é um estrolabio navegando entra as estrelas. Angustiado, com o que viu. Tambem eu, no CCB numa exposição de fotografia de dois americanos que por cá andaram em 75, não consegui passar da primeira sala. Angustiado, envergonhado? com o que éramos.
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