Sousa Costa
Por isso, ao começar o presente volume, relembro esses instintos e esses impulsos, lanço os olhos curiosos ao já vasto e agitado panorama da vida política portuguesa do meu tempo às suas convulsões através da ditadura franquista, aos quadros sangrentos das incursões monárquicas, aos quadros trágicos das revoluções republicanas, e observo, e concluo:
– Afinal, por mais que sobre a índole humana rolem as turvas torrentes ou as águas claras das idades, ideologias e apostolados, a índole humana é seixo que não amacia nem ao correr de dilúvios. Não há dúvida – o homem é o único animal indomesticável. Calmo na jaula das conveniências e interesses quotidianos, mal lhe ameaçam ou lesam interesses e conveniências – a mesa, o mando, a confraria – logo arreganha a dentuça primitiva, o ser humano volvido à fera bruta.
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Páginas do meu Diário
Armando Marques Guedes
Lisboa, 1957
Um gentilíssimo espírito, que muito prezo, escreveu há pouco que detestava os livros de memórias por não passarem, em regra, de auto-elogios dos seus autores. O asserto tem uma parte de verdade, mas é excessivo pela sua generalização. Os livros dos memorialistas fornecem frequentemente subsídios valiosos para os historiadores. É ideia assente hoje que a História deve basear-se em documentos. Mas não é menos verdade que o documento é frequentemente coisa fria e morta; às vezes é tendencioso ou uma expressão de falsidade. Quantas vezes representam apenas a versão oficial e deturpada dos acontecimentos!...
E falta-lhe quase sempre o elemento subjectivo, o factor psicológico, que explicaria satisfatoriamente os homens e os acontecimentos.
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