segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O crescimento das crianças

Raúl Iturra

Capítulo 4




Nós é que amamos. O que sou

Queira o leitor lembrar de que gostava de debater, enquanto transfiro parcialmente para si meus dados de trabalho de campo, pelo menos dois assuntos centrais. Um, é que as crianças que crescem, o fazem na medida de que a memória social impinge a sua memória individual. É dizer, que a criança que temos em frente a crescer, é resultado do saber acumulado cronologicamente no tempo. No tempo que a criança vive e que os ancestrais andaram a viver, perto ou longe do tempo da criança. O saber é contínuo, embora conjuntural nas suas mudanças. O processo educativo que resulta da interacção de um mesmo povo, a traves da Historia, ou com outros povos a traves também da Historia, é o que faz o que sou. Um segundo assunto, é que esta racionalidade da criança, indivíduo com uma epistemologia acumulada também, é diferente da racionalidade cognitiva do adulto. O entendimento é diferente. As várias gerações que vivem dentro do mesmo tempo, têm tido experiências diversificadas, quer pelo ciclo, quer pelo tempo que a pessoa leva na Historia do seu ser social. Experiências que são emotivas, mas orientadas pela razão, porque a criança observa para calcular, e calcula. Por este motivo, tenho levado ao leitor a percorrer tempo de forma cronológica, para trás e para frente, como a linguagem Internet permite, reiterando casos e a abrir lentamente as historias, em torno ao elo processual que Victoria, Pilar e Anabela, estruturam do processo racional da reprodução social. Comparar três povos de diferentes línguas e experiências, não é simples, mas é interessante para quem trabalha os dados do quotidiano. Um quotidiano prolongado para mim, porque os Picunche os conheci sempre, os de Vilatuxe faz 40 anos hoje, e os de Vila Ruiva, trinta. E queira o leitor entender que somos poucos a estudar a criança como entidade humana que entende e aprende e não é um problema a resolver. Os adultos procuram que a criança seja um adulto em pequeno, como Ariés tão claramente diz (1964), ou Lahire estuda (1993), ou com os colegas de minha equipa, analisamos a partir de 1988. Uma análise que não consegui que Pierre Bourdieu e equipa, quiserem tomar. Pierre Bourdieu, quanto mais, escreve a experiência humana no livro que lhe deu a fama, no seu La misére du monde (1993). Livro que trata em diálogo, a interacção dos seres humanos. Como Eugène O’Neill (1956) faz no Longa viagem do dia á noite, onde a criança aparece no corpo e comportamento de cada adulto. Porque a interacção do lar, acaba por ter atalhos denominados de adulto, atalhos de criança, atalhos de emotividade, atalhos de razão- Atalhos, que são a realidade que vivemos. A criança não tem atalhos de adulto para o adulto, tem sempre comportamentos irreflectidos e espontâneos, que os pedopsiquiatras gostam de estudar. E que a população do quotidiano gosta de beijar. Até que uma criança a crescer, rejeita tanto apalpar. Uma criança a crescer, pode, para prazer do adulto, imitar comportamentos. Como aquela que conheci de perto, essa que o seu avó lhe dizia para fazer um cavalheiro, e ele cruzava as pernas, uma por sobre o joelho da outra, e as mãos agarradas por sobre o joelho livre, e a mirar em frente e a serio. Até se cansar. Uma maneira de atrair a atenção do avô e dos adultos que gostavam de ver. Se depois não comia, era o grito, não a sedução. A sedução acaba aí onde começa a ideia de que é o adulto quem sabe, quem manda, que disciplina, quem grita e pune, a pensar que é essa a forma de ensinar. Que não corrigir com paciência, é ensinar. Que deixar fazer, é ensinar. Que mandar ler, é ensinar. Que privar á criança de brincar com os seus pares, é ensinar. Marcado estou pela minha reflexão sobre o processo de aprendizagem, já citado (1994), nunca mais acabado de citar, tornado a referir, comentado mais uma vez. Porque está retirado da minha experiência na análise de grupos domésticos e a sua interacção. E é aí que vejo a heterogeneidade da vida da criança, o que é. O resultado que é. O que o seu professor desconhece e que Luís Souta estudou (1995), que Telmo Caria estudou (1997), que Ricardo Vieira estudou (1997). E outros. Em outras classes sociais, como Henrique Costa Gomes de Araújo (1998). O leitor não fique pouco feliz por tanta citação. É só para ajudar a referir o que pretende saber, o crescimento das crianças de forma espontânea, etnográfica. A criança que é, não o problema que se coloca ao adulto. É a criança, a pequenada da qual tomamos conta até eles tomarem de nos, como argumentei no capítulo 1. Até nos observarmos o que eles calculam. Como estudou Filipe Reis (1989-1991-1997), na Beira Alta. Esse cálculo, resultado de essa vida quotidiana que a pequenada tem, longe dos adultos. O com adultos, quando é ritual. Porque a pequenada, como todo ser, tem uma vida diferenciada entre vários assuntos que bem sabe distinguir.



A- Victoria

Entre os Picunche, os pequenos são queridos e cuidados. Como toda criança mapudungum do Chili pré hispânico, é o futuro da nação. Gabriela Mistral, a poetisa chilena que ganhou o prémio Nóbel de 1949 e que se reclamava índia do Norte do Chile – onde habitam ainda os Aimara -, teve a delicadeza de dizer: Piececitos de niño, azulosos de frio, como os vem e no os cubrem, Dios mío” (1922 ). Entre vários dos seus versos, todos dedicados á pequenada. Essa Gabriela Mistral, professora primaria de Pablo Neruda, que cresceu e nunca mais se lembrou de ser pequena, as vezes. Como era na vida real. Essas histórias que Victoria nunca estudou porque em casa não sabiam e porque na escola não sabiam e porque na sua infância Neruda estava banido e Mistral, ignorada. Porque Victoria e os seus congéneres estudam os mitos que a educação oficial quer ensinar, a obra ou a historia grossa, o dado largo, a fisiologia sem desenhos. Ou com o livro cosido nos sítios perigosos, os do corpo. Victoria aprendeu em casa todo o perigoso da vida, nas disputas da mãe e do pai, disputas as quais não tinha direito a aceder, porque não as entendia. A tradição Picunche tomava conta de ela, e ora a irmã Rebeca tratava de pequena, ora a pequena ficava na casa dos tios, dos primos Cárcamo que moravam em frente, esse Nestor Cárcamo Alcalde de Pencahue por anos sem fim, o pai de Alexandra a sua amiga. Com a qual brincavam aos animais, as bonecas, as corridas de cavalos, a trabalhar a terra. Victoria amava e era amada. O período turbulento em que cresceu, foi ignorado por ela, como por todo ser que quiser ter um mínimo de paz pessoal. E dar essa paz aos descendentes. Cada casa de vizinho, era a sua casa, á qual se pode entrar sem bater á porta, e ficar as comidas, se quiser e houver. Brincadeira reiterada era tecer ao tear, trabalho Picunche por séculos. Observei muitas pequenas a colaborar com a mãe em cardar a lã, mexer na máquina de madeira, tratar das madeixas. Ou brincar às escondidas, ao capelão, de nome luche em mapudungun, com as vizinhas da rua ou na escola. Infância e adolescência percorridas com a calma que a proximidade da mãe, trazia. E com os namoros aos recados que entre elas se davam para falar de eles. Espontaneamente, a imitar aos adultos na sua expressão de carinho e de amor pelos outros. Victoria, como vários outros, ião a catequeses, ritualmente á primeira comunhão e a confirmação. E a missa obrigatória dos Domingos. Doutrina que aprendeu, incutiu em si e foi a base da vida de crescimento que foi levando. Até que nos seus vinte e dois anos, a mãe morreu. E foi levada pelos primos Cárcamo a casa de cidade de Talca, onde já morava para estudar secundário e estudos superiores. Uma das poucas do sitio, que estudou para fazer o seu futuro. Como criança, teve apoios solícitos dos irmãos todos, que juntam a sua emotividade em torno da mais nova. Pequena que assim criada, acaba por ser doce e serena, a estar em paz consigo própria, donde em paz com os demais. A sua geração cresceu a observar que havia adultos que desapareciam, mas também que havia adultos que falavam. E cresceu a aprender nos textos que por cima de todo outro valor, estava o do bem comum. Porque todos eram iguais. Uma contradição que entendeu no real. No entanto, foi capaz de ser igual com todos os seus da sua classe e do seu povo. Disciplinada para os estudos, disciplina que aprendeu do trabalho da mãe e dos horários de trabalho dos irmãos mais velhos. Entendida no campo, que percorreu metro a metro nas propriedades da família. Romances, nenhum, pelo medo aos homens que podiam ser como o pai, o como o cunhado; passar a ser mais outra pessoa feminina na vida de eles. A história oral Picunche coloca a mulher em segundo lugar e com o papel social de, apenas, ter filhos para criar, lavar, alimentar, tratar do pai deles. Victoria foi capaz de guardar a afectividade para todos, sem ninguém em particular, que se soubesse. Victoria é resultado do seu tempo. Um tempo conturbado no nível global, calmo no nível local, definido no nível íntimo. Solitário, não emocional. Não emocional pessoal. Porque há o costume de namorar, pololear como aí é dito. Victoria estudava. O estudo a retirava do conjunto de assuntos de que não queria ouvir falar. A rapariga que eu conheci, era amável, é amável; era atenciosa, é atenciosa; era boa para comer, é boa para comer. Era divertida, e é. A rir, a festejar, a gostar de ir aos rodeos ou festas onde os homens correm à cavalo, para empurrar os animais novos, faze-los suar, deitar fora o pelo da pele nova, ficarem mais mansos, mais domesticados pela subjugação aos homens. Assunto já não tão divertido e, no entanto, parte da festa do rodeo. Pelo qual, via, ouvia e calava, a sofrer pelo animal. Mas, a festejar aos que corriam. Uma corrida masculina, que achou sempre injusta. Porque o masculino e o feminino não era igual? Porque as mulheres tinham que se subordinar aos homens? Sempre? E teorizava como José e Jesus eram subordinados á Nossa Senhora. O mito hispânico estava aí a funcionar. O mito Picunche só coloca a mulher shamã, essa que sabe mais, por cima das outras pessoas. O resto do mulherio, era sempre inferior. O tempo de Victoria, é esses anos setenta, oitenta, noventa, anos que masculino e feminino trabalhavam igualmente, com ordenados que permitiam a independência de eles todos. Anos que acrescentavam trabalho na mulher. Público e doméstico Em consequência, a possibilidade de uma proximidade emotiva simples, de transferência amorosa, fraterna, leal não estava facilitada. Aos vinte e cinco anos, já a mulher era casada ou com filhos. Ou tinha uma profissão. Nos seus vinte e cinco, ela guarda o tempo para a sua profissão e trabalho. Da pequena reguila a correr pelas ruas, passa a ser a mulher noiva que todos consultam e respeitam, confiam os seus pequenos caso for preciso, e comentam os seus assuntos que ela ouve com a sabedoria que o quotidiano lhe dá. Quinhentos anos antes, teria sido já uma mulher mãe, ao pé das outras mulheres mães do mesmo cacique o chefe de família. Quinhentos anos depois, é a católica consultada e conhecedora das casas, das pessoas e das coisas. Com os costumes Picunche perto de ela, que aceita sem perguntar e trata sem hierarquizar. No restaurante que Alexandra, ela e eu comíamos, era ela quem ia dentro da cozinha a tratar de que a minha comida fosse preparada da melhor forma possível. Na pesquisa do arquivo, em silêncio e com tempo, construiu matematicamente a genealogia que orienta a minha escrita. São assim todas as mulheres Picunche, inquilinas hoje, ou proprietárias ou tecedeiras? Diria até que a sua geração veste com modelos televisivos, penteava-se como artista, e sabiam seduzir os rapazes que gostavam. É notável ver como no sítio de três mil habitantes dispersos que é Pencahue, o passeio é ir ao largo municipal e namorar aos abraços, em público. A descendência nova, esfregasse, beija-se, fuma e namora ao mesmo tempo, sentasse nos bancos do largo, elas no colo de eles, as conversas são sobre as outras pessoas, a chegada a casa é tarde e em silêncio, ouvidos surdos ao que os pais possam dizer. É um esplendor na relva universal e público, com intimidades e abortos não permitidos pela lei, como com bebés não calculados, esses que aconteciam por falta de não saber preservar a intimide, o que obrigava aos pais a os criar, como mais um filho/a. Uma alta percentagem de raparigas, acabam como empregadas domésticas na cidade de Talca, ou vão engrossar a fila de habitantes da Capital da República, Santiago. Enquanto eles, servem de motoristas, mecânicos, empregados de supermercados. Eles e elas, procuravam o cobiçado bem da moeda, como prostitutos nocturnos na vizinha cidade, nos sítios privados que pagam os ricos, para se divertirem com jovens do seu mesmo sexo, pagos ao proprietário do local em importâncias que até para viver vários meses uma família pobre, dava. A população urbana do sítio de Pencahue, é consumidora de drogas, de álcool, de divertimentos que não permitem ao eu falar com o eu. Após falar com vários, apercebo-me que o que se procura é rapidamente dinheiro, mas pelo meio mais curto possível. Em um país que ficou sem trabalho para uma alta percentagem da população de fora dos centros urbanos interessantes para os investidores. Pencahue, essa terra Picunche, com os traços Picunche feitos europeus nos hábitos e sem meios para os materializar, oferece uma indústria de tratar madeiras, e duas na vizinha cidade de Talca: manufactura de porcinos, e uma fundição, a da família Cruz; trabalho de jornaleiro no campo, necessidade de sair a emigrações nacionais, cuidados paternos e domésticos até tarde na vida. A maior parte da população que não vive do campo, recebe salários de empregos estatais. Pencahue é o sitio que incrementa o internacionalmente Produto Geográfico Bruto anual de incremento, de 3% sustido, porque não há força de trabalho ocupada e autónoma. Contrario á doutrina espalhada nos últimos 24 anos, a plena ocupação ou o pleno emprego é baixo, os postos de trabalho escassos e os sítios para trabalhar, longínquos. Como as indústrias de processamento da madeira de Constituição, o porto marítimo do mesmo sítio, e a transferência para os sítios de trabalho, em carros ou carrinhas partilhadas. É desta forma que o país tem incrementado as riquezas dos centros urbanos centrais, é dizer, de Santiago e de cidades de lazer, como Viña del Mar. Pencahue é pobre, porque o país é pobre. Um ordenado de jornaleiro acaba por ser de mil pesos (moeda nacional) por dia, o equivalente a trezentos escudos por dia ou 2.50€. O salário mínimo mensal é de 40000 pesos (3.000$Escs,ou 400 € ), sem imposições. As famílias precisam habitar sob o mesmo teto para compartir o que se ganha, porque a política de preços é cara. Um quilo de pão, três ou quatro unidades, é de quase 500 pesos. Eis que a população vive de chá e pão, ou sopa de abóbora, a penca que da o nome a Pencahue. Um lugar de trabalhadores manuais, obrigatoriamente formados na escola e no secundário até a idade de 15 anos. Escolas dependentes das municipalidades, concelhos que podem conceder bolsa, caso os membros do Ministério da Educação assim o estimarem conveniente.

O alegar de que nos é que amamos, é uma ironia minha, retirada da realidade de um país que dava emprego no exército a maior parte da população, e aos que não dava, expulsava, obrigava a sair do país, fazia desaparecer, matava em crimes aparentes a serem culpados vizinhos inocentes. O que antigamente foi a saída para muitos homens, o exército, é hoje obrigatório para homens e mulheres. Muitos dos quais têm sido a guarda pessoal de famílias determinadas, como essa que se apropriara do vale de Pencahue, da antiga Hacienda Quepo e Los Almendros e Lo Figueroa. Terras todas entregadas a familiares do proprietário do Chile por 24 anos já. O exército conta com 300.000 mil efectivos, dentro de uma população de 12 milhões de habitantes no País, com 60% de menores de 18 anos. Uma população nova, sem futuro. Muitos dos quais efectivos, habitam na área de Talca, Regimento de triste memória por ter servido de prisão a um alto número de pessoas. Regimento que bem conheço por dentro, na altura que fui de visita ao Chile nos anos setenta e que reparei de que o dito Regimento não tinha espaço suficiente para tanto recruta, hoje em dia profissionais das forças armadas. Antigo caminho da saída da família, é hoje outra vez o trabalho melhor remunerado nas redondezas. Por haver campanha de guerra permanente contra todo inimigo, é dizer, todo o que pense diferente ao sistema central político. E nunca se sabe quem pensa de uma maneira e quem de outra: o ordenado é quem manda. Ainda, hoje, enquanto escrevo estas linhas. O amor é resultado da política económica. A pesar que em Antropologia exista um debate sobre o assunto e se pense que não há relação entre economia e afectividade. Como o debate Dalton (1971), Polanyi (1957), e, recentemente, Humphrey e Hugh-Jones (1992), que debatem mais para sítios nativos, como se em esses sítios nativos não houver também um capital que manda. Como é demonstrado pelas guerras africanas de hoje - a Guinea-Bissau, por exemplo, o Zaire, por exemplo, o Peru, por exemplo, a Indonésia, por exemplo, a Ruanda, por exemplo; ou Iraque, a Macedónia, o Kosovo, outros. Ainda que quem é hoje, guarda os valores da memória social dos ancestrais, como já tenho debatido, mais têm elementos novos que vêm a transformar essas memórias que, embora guardadas, ficam para um momento de melhor estabilidade. Não vi em Pencahue lar nenhum que fosse calmo no seu interior. Menos as pessoas do campo. Porque a concorrência é grande, é ilegítima, é como a define Henry de Montchrestien (1616), que no século XVII, já advertia no seu Traitée d’ Economie Politique, de que o capital era para lutarem as pessoas umas contra as outras, os irmãos matarem os irmãos, os amigos, aos amigos. É verdade que tenho escolhido Victoria como elo, porque na sua família há zangas e magoas que não são provenientes só dos problemas emotivos. Dissem já no Capítulo 2, de que Clodomiro o pai, chegava a casa só com bebedeira e sem dinheiro. Que foi o que finalmente levou a mãe a deita-lo fora de casa. A economia acabava por descansar em ela e em Rebeca a irmã mais velha. Que também expulsa ao homem a causa do dinheiro compartido Dom outra E o seu primo Carcamo, o Presidente do Concelho ou Alcalde, dá-lhe trabalho como secretaria. E é entre mulheres que a casa anda. E é entre mulheres que os afectos andam. Para um País em transição violenta, que nunca se sabe se haverá mais uma vez perturbações, ou si a aparente calma vai continuar. Calma aparente, porque tenho visto todo lar a trabalhar em quanto emprego possível aparece. Sim, nós é que amamos, mas assim. Sim, é o que sou, mas assim. Eis que Victoria escolhe o seu caminho, deixa o lar, estuda, trabalha, mora fora da casa doméstica. Como a maior parte do povo faz. Como tinha visto antes em sítios de bairros de lata, trinta e três anos antes. Como não me deixaram ver no dia que fui oficialmente convidado de volta ao Chile e queriam-me levar pela estrada de circunvalação da capital para eu não ver a pobreza da cidade. E tive sempre alguém que tomara conta das minhas conferências, para não falar do que puder ser pouco conveniente ao sistema. O que não quis ouvir. Como não oiço agora que escrevo o que sou, e persisto em escrever o que sou. A risco de campo de concentração outra vez. Esse que Victoria nunca viu e do qual eu nunca falei. Como foi na Galiza antiga e que deixou marcas que sararam. Como as do Chile, que um dia talvez, venham melhorar. Como aos poucos, melhoram. Com as Victorias que sabem comportar-se, porque viveram um sistema durante estes vinte e cinco anos. Uma Victoria que, como tantos outros, prefere ignorar para viver em paz. Porque o que eles são, são dignos de saber ignorar, de não ouvir, de não ver, de calar. De ver, ouvir e calar. Como na Galiza necessariamente já não é. Foi. Mas foi esquecido. No Chile, é ignorado. Entre os Picunche, é outro tipo de assuntos mais pessoais o que os envolve, e nos quais se deixam envolver localmente para se afastar da sociedade global, que ainda não mudou como se quer e se luta para mudar como mudara, tão rapidamente, a Galiza que é. Orientada pela sociedade global. Ideias as quais passo a debater.

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