sábado, 18 de setembro de 2010

Em jeito de prefácio )

Em jeito de prefácio, de Adão Cruz e Comentário de Marcos Cruz, ao livro de Eva Cruz "Era uma vez em Outubro". Apesar de não conhecerem o livro (sobre o ensino), parecem-me interessantes estes pequenos textos. (Capa do livro, de Manel Cruz,)






Adão Cruz

As nuvens abalaram para outros céus. O sol desceu de mansinho, trazendo pela mão uma brisa leve de Outono, que se aninha nas deliciosas páginas deste livro. Um fio de água cristalina corre as palavras com que a Eva sempre bordou este manto de sonho e mágoa, de amor e prazer, de afecto e enleio. Com ele se fez ao mundo, quando eram de orvalho os caminhos, e do canto dos melros e rouxinóis a melodia do acordar.

Calcorreados tantos trilhos de duras pedras, ainda hoje nele se aquece e envolve os outros, dentro deste livro que mais não é do que um abraço. O sonho de uma vida inteira, ouvindo a sinfonia do novo mundo e deixando à saudade a melodia do entardecer. Quem desta vida lhe sente a alma, sabe que este livro é uma floresta de braços. Braços que se erguem, braços que se abrem e se cruzam, num torvelinho de afectos que se vão escondendo pelas entrelinhas.

Dar às palavras a luz e a sombra, dar às frases o corpo e o gesto, dar a um livro a alma e a vida, não é tarefa de Outono. Já as colheitas se foram. Mas há sempre um fruto cautelosamente esquecido, que amadurece ao ponto de mais nenhum. Este belo livro da Eva é um poema de doces e maduros bagos, que ela foi guardando dos bicos dos melros e pardais.



Comentário (Marcos Cruz)



Do aluno para a professora:

Gostei muito do teu livro. Aprendi, com ele, mais do que tudo, que a família é como a etimologia. Estando ali, sempre, na sua topologia consentida e enganosamente simplista, plana, chata e objectiva, não a queremos estudar, não a queremos aprender, não a queremos prender. Cristalizamo-la como último recurso, pensão de reforma, seguro contra todos os riscos. Esquecemo-la, ou quase, como raiz. É, porém, uma ingratidão ‘necessária’, como o livro leva a deduzir, num dos assomos de bondade que, mais do que a ele, te caracterizam a ti; a ti que não terás, me parece, usado dessa necessidade. Eu, por exemplo, já não posso dizer o mesmo. Que a etimologia está para as palavras como a família para o indivíduo, tu mostra-lo bem. Uma e outra foram o princípio, são o agora e serão o amanhã, tal como o ‘a’ de aprender e o ‘des’ de desprender sempre lá estiveram sem nós notarmos, dizendo-nos que aprender é libertar.

Falas da ‘nudez do que não foi feito’, reconhecendo incompletude na tua vida. Mas não será ela como a mudez do que não foi dito? O teu livro é mais silêncio que palavra, mais branco do que mancha. O que não se lê, porém, não deixa de estar lá. Sempre lá esteve, sempre lá estará, para quem o queira descobrir. A ‘nudez do que não foi feito’ é, pois, o branco imprescindível no livro da tua vida. E é nele que, quando as palavras forem levadas pelo Outono, a família delas se imprimirá.

6 comentários:

  1. E eu fico com aquela sensação de doçura no coração que me transmite tudo o que vem de vocês, família Cruz.

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  2. Não sei se posso meter a minha colherada, mas um texto assim... vale bem a pena ler.
    Fantástico!

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  3. paxiano, pode sempre, volte sempre, diga o que quiser, aqui não há censura.

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  4. As palavras de Paxiano denotam uma grande sensibilidade. Perdoem a imodéstia de me considerar estímulo para a expressaão dessa sensibilidade.

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  5. Adão, tens toda a razão. Já lhe dissemos uma e outra vez para nos fazer chegar os seus textos e poesia.

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