quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Era uma vez uma Serra e um Vale


Eva Cruz


A Serra está às escuras.
De repente uma linha de fogo
desenha-se entre o céu e a terra.
O pássaro despertador
desprende-se do sono
abre as asas
e solta a voz.
Na curva do rio faz eco o ladrar do cão
em desafio o cantar do galo
nota de liberdade
na capoeira engaiolado.
E a sinfonia de todos os pássaros e bichos                     
desperta o sol
que se ergue na Serra
redondo e farto
lançando os braços por todo o Vale.
Vem de mansinho poisar
na figueira de Raquel.
É verão.
O verão dos milhos verdes
das bandeiras amarelas
das uvas a pintar
das levadas de água
e das regas matinais.
Raquel levanta-se e veste-se de sonho
prende-se num dos braços do sol
e vai com ele por outras serras e vales
com figueiras.
Poisa aqui poisa ali
portas e muros
onde os corações dos homens
o sol não deixam entrar.
Raquel e o sol
o sol e Raquel
abrem brechas nos muros e nas portas
os corações dos homens são duros de quebrar
destroem as serras e os vales.
Raquel corre nos braços do sol durante um século
dá a volta ao mundo e volta à Serra escura.

A linha de fogo da madrugada
perdeu a forma e o brilho
nem pássaro despertador
nem canto de galo aprisionado
nem sequer as notas soltas
dos pardais madrugadores.
Apenas a figueira de Raquel
seca e nua
de braços erguidos para o sol
em pleno Verão.


(Desenho de Manel Cruz)

1 comentário:

  1. Só abro excepção da genética para esta família. Tudo o que fazem tem encanto.

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