sábado, 4 de setembro de 2010

A Força das Ideologias

Hélder Costa


O jornal “ Público” seleccionou para as suas “Frases de ontem” de 4 de Setembro, a seguinte reflexão do inenarrável José António Saraiva , agora director do “ Sol”:

“ a ideologia já não tem força para se opor ao mercado. É esta a verdade. A luta de classes definitivamente acabou”

Abstraindo da ignorância de considerar que o mercado não tem ideologia, e de nos querer convencer que ele e o seu pasquin não passam de puros extra-terrestres num limbo ético inacessível, o que me comoveu foi aquela sã e infantil alegria anunciando o fim da maléfica e diabólica ideologia.

Claro que ele se refere à ideologia de esquerda, progressista, reformista, e revolucionária quando as circunstancias da tal “luta de classes” o exige.

Este ataque à ideologia vem de muito longe.

Mas recordo que a primeira campanha de desideologização ( é um palavrão chato, mas não encontro outro, desculpem lá) foi lançada pelo Reagan em 1980.

Em Portugal isso até funcionou bem.

Foi o principio de “ não há esquerda , nem direita”, isso é tudo a mesma coisa, temos é de tratar da vida, etc. E bastantes intelectuais e aparentados, fartos de se dizerem de esquerda, aderiram à”modernidade”.

Depois, foi a cavalgada. Limpeza dos jornalistas conscientes e cultos dos “ media”, lançamento de imprensa “elitista/tablóide”,desenvolvimento vertiginoso do tele-lixo e marginalização de temas de aprofundamento e enriquecimento cultural.

E a resistência contra isto?

Tem existido e tem sido frágil. O que não é novidade, porque foi sempre assim.

No tempo do fascismo não eram milhões nem muitos milhares que lutavam contra a Ditadura.

Mas havia uma força secreta – a toupeira Marxista? – que ia criando conhecimentos. aquecendo a revolta, preparando a Revolução. Em suma, criando a Ideologia.

Porque é que no 25 de Abril não foi necessário disparar um tiro ?

Porque a Ideologia dominante era anti-fascista e o povo se mobilizou.

O que há a fazer para quebrar o actual marasmo ideológico e a sua correspondente prática?

Não esquecer que “no mundo tudo se transforma”. Na esteira de tantos outros, o nosso trabalho continua a ser estudar, investigar, experimentar, esclarecer, discutir, polemizar, impedir o renascimento do obscurantismo.

Para prevenir a Paz, ao contrário de prevenir a Guerra, basta saber que a Ideia é mais importante do que qualquer Arma.

12 comentários:

  1. A propósito do texto da Associação Ateísta Portuguesa, acabei de fazer referência à época do Reagan em que até a Ciência sofreu a tentativa de "descientização" com a intenção de imporem o Criacionismo como teoria científica. O sacrifício da razão a todo o custo.

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  2. Nem mais, Helder Costa. Disseste tudo. E o que é triste é que há gente inteligente que embarca nesta filosofia bacoca do fim das ideologias e da luta de classes.

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  3. Essa teoria de que a clivagem entre esquerda e direita deixou de fazer sentido, ouvi-a pela primeira vez ao Freitas do Amaral (há muitos anos). Claro que se analisarmos o bloco central, pusermos ao PS o rótulo de esquerda e ao PSD o de direita, teremos dificuldade em descobrir as diferenças. Nesse nebuloso território onde se cozinham obscuras ligações e nasce uma oligarquia endogâmica, a diferença entre direita e esquerda não existe - porque tudo aquilo é direita. Ainda que hoje a questão da luta de classes se tenha de colocar de uma forma diferente, pois o Manifesto era contemporâneo da máquina a vapor, continua a haver os que querem "transformar o Mundo" e os que querem "conservar os valores ancestrais".
    A esquerda e a direita.

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  4. Eu acho que a gente inteligente que embarca, embarca mesmo porque é inteligente e sabe as vantagens que daí tira. Nós é que, na minha modesta opinião, ainda não identificámos bem o tipo de lutas a desenvolver, o modo de as orientar e eventuais novas estruturas que as venham a suportar, hoje que a questão da luta de classes já não se pode pôr da mesma maneira, como diz o Carlos e muito bem. E o grande debate sobre isso não me parece que já tenha começado. Terá? Não sei responder.

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  5. Há a esquerda e a direira, mas são ambas dos interesses. A esquerda dos valores é que é preciso erguer de novo.Dizer-se que se é de esquerda entre dois wisquies não leva a lado nenhum.

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  6. Boa Luis Moreira!

    Dizer-se que se é de esquerda entre dois wisquies não leva a lado nenhum!!!

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  7. Eu nada tenho contra o uísque. Contra a direita, sim.

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  8. Eu tambem não, mas ter uma grande vida, privilégios que os outros não têm, e arrotar umas quantas frases de esquerda, e isso fazer um tipo de esquerda...

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  9. Tudo se justifica com a famosa 'demanda do mercado'. nascem projectos de corações inclusivos que abortam na famosa 'demanda do mercado'. ora bolas, vivemos todos neste meio e temos de comer. não há sistema mais canibalesco que este. e os de esquerda porque vivem neste espaço obedecem também à mesma demanda. Engolidos estamos sem saber como sermos outros, falta-nos em definitivo a ideologia que motiva outra atitude.

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  10. Cresci a acreditar piamente que a direita é movida a interesses e a esquerda a valores. Da solidariedade, da igualdade de oportunidades...o que vemos hoje é os que têm voz ergue-la, não em prol dos mais fracos, mas em seu próprio proveito.

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  11. Para mim, é evidente que a firmeza ideologica só se adquire com a prática.
    E esta prática necessita de conhecimento e enriquecimento cultural para não ser um arrremedo de fogachos inconsistentes.
    Por exemplo é importante saber que o mesmo Reagan que lutou pelo "fim das ideologias" era um dos mais importantes propagandistas da ideologia Hitleriana durante a guerra e depois foi um elemento chave no Macarthismo devido ao seu posto : Presidente do Sindicato dos Actores, coadjuvado pelo advogado do sindicato que era Richard Nixon. Os 2 chegaram a Presidentes dos USA ! Como se vê, o crime compensa.

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  12. O pensamento discursivo racional, que representa um grande avanço em relação ao pensamento mítico das sociedades primitivas, foi provocado e desenvolveu-se em face da "substantivação das relações sociais"(K.Marx) como pensamento ideológico e, assim, a IDEOLOGIA é, desde logo,"uma forma de pensamento estruturalmente comprometida com a alienação". O Homem pode ter, de si e do mundo em que vive, consciência verdadeira ou falsa.A falsa é a consciência alienada e nela as relações entre as coisas mascaram as relações sociais entre os homens e, em consequência, cria-se o fetichismo. Assim a ESQUERDA, se o for, não pode ter ideologia.É fundamental saber distinguir IDEOLOGIA, que é o pensamento dos idealista daquilo que deve ser o pensamento dos materialistas, cujo, por não ser fetichizado - logo não alienado - n~unca pode ter ideologia.Estar do lado do que possa chamar-se esquerda é, necessariamente, estar contra a Ideologia cujo fim é a proposta do materialismo dialéctico.O pensamento do materialismo dialectico não é ideológico pela razão de basear-se na objectividade a que conduz a observância integrada da Lei da Transformação Dialéctica, da Lei da Acção Reciproca, da Lei da Contradição e da Lei da Transformação da Quantidade em Qualidade ou Lei do Processo por Saltos Mutacionais.
    Entre Ideologia e apetência por opinar ou intervir não pode haver confusão.Carlos Leça da Veiga

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