sábado, 4 de setembro de 2010

Lembro-me do José Torres

João Machado


Lembro-me tão bem do José Torres. Dos golos que ele marcava de cabeça e com os pés. De como ele jogava no campo todo. Quando o Benfica tinha a bola ele metia-se sempre na área, para cabecear, para a baliza ou para servir um companheiro. Quando a equipa sofria um canto, metia-se sempre entre os defesas centrais, para saltar com os avançados adversários e afastar a bola. Depois arrancava e ia pelo campo fora, abrindo as pernas, com passadas enormes (abria o compasso, dizíamos nós os espectadores), perseguindo a bola, para lançar o ataque.

O José Torres ainda hoje é o jogador do Benfica (e de todo o campeonato português) com mais golos marcados de cabeça, mais do que o José Águas. 116 ao todo, vi no site oficial do Benfica. Preparava-se sempre muito cuidadosamente, para tirar partido das suas características físicas. Saltava muito bem, de tal modo que o Otto Glória dizia que ele chegava a cabecear a bola a mais de três metros de altura. E também jogava muito bem com os pés.

Na selecção lembro-me quando, em Inglaterra em 1966, o José Torres marcou à Rússia o golo que nos deu a vitória no jogo e o terceiro lugar no campeonato do mundo, mesmo no final do jogo. Foi com o pé, ao Iachine, que alguns dizem que foi o melhor guarda-redes de todos os tempos. E lembro-me de o ver a jogar com a Itália, no Jamor. Perdemos 2-1, e o Torres pouco jogou, apertado entre dois italianos da mesma estatura que ele, muito possantes. Um deles era o Facchetti, um dos melhores defesas centrais (e defesa esquerdo) de todos os tempos. Mas os dois também não avançaram no terreno ao longo de todo o jogo, para não lhe dar espaço. Os golos da Itália, que tinha acabado de ser vice-campeã do mundo, no campeonato de 1970 no México, foram marcados em contra-ataque.

Mas a melhor recordação que tenho do José Torres, foi quando ele já estava a jogar no Vitória de Setúbal. E num jogo com o Benfica, julgo que na Luz, que vi na televisão. A certa altura, o Manuel Bento, guarda-redes do Benfica (extraordinário guarda-redes, diga-se), sempre nervoso e exuberante, sai da baliza e vai a correr até meio campo, protestar com o árbitro, que estaria a prejudicar o Benfica (não me lembro como era a jogada). Pois o José Torres agarrou-o e levou-o de volta até à baliza, bem seguro. E era só ver o Manuel Bento (também infelizmente já falecido), agarrado por um jogador da equipa adversária, a ficar muito sossegado. Só lhe faltou dar um abraço ao José Torres. Choveram os aplausos do público para este lance futebolístico, injustificadamente esquecido pelos amantes do futebol.

Lembro-me também do caso Saltillo. Portugal tinha-se apurado para a final do campeonato do mundo de 1986 no México, após a vitória sobre a Alemanha em Estugarda (1-0, golo de Carlos Manuel). O José Torres era o seleccionador nacional, e foi sem dúvida um dos esteios desse apuramento. Em Saltillo, local do México onde estava alojada a selecção nacional, estoirou um conflito entre responsáveis da Federação e jogadores, ao que julgo saber, por causa dos dinheiros dos patrocínios. A bronca foi tal que o José Torres, que era sem dúvida o menos culpado, se demitiu. Pagou por todos os outros. Apesar dos anos que passaram, continua a ter interesse apurar a verdade, até para prevenir incidentes idênticos (ao que vemos, saiu o Scolari, e voltámos ao mesmo). E para fazer justiça ao José Torres, que bem merece.

5 comentários:

  1. Ó João, quem não se lembra do José Torres - o «bom gigante»? De facto, numa época em que a morfologia do jogador de futebol era diferente (havia muitos jogadores de baixa estatura), o Torres, no meio deles, sobressaía como uma torre. A primeira alcunha que teve no Benfica, foi de "Canada Dry" - alusão às garrafas de uma bebida então em voga - esguias e altas.
    Desta não te lembraste, João. Mas estou de acordo que, não só como extraordinário jogador, que foi, mas como homem, o Torres merece ser lembrado.

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  2. Ainda joguei, muitos anos com o Torres no CIF. Além do que sabemos dele como jogador era muito boa pessoa. Nos cantos ,puxavamos-lhe os calções para ele não saltar, mas ele só dizia que podíamos fazer tudo, menos (não posso dizer porque é calão futebolístico)Grandes jogoa.Uma vez perdemos por 9 a 1 com ele o Eusébio e o Simões. Íamos, no verão, para o Algarve jogar com equipas ingleses, e comvidavamos os três para reforçarem a nossa equipa. haviam de ver a cara dos "bifes" quando percebiam que eram eles.

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  3. Torres morava aqui perto, ele e o seu pombal, no monte oposto ao cemitério onde agora repousa, na rua da escola onde a minha mulher deu aulas. Há anos que deixei de o ver, e ele também há muito que vivia no seu mundo, com a doença que também vitimou a minha mãe. É lamentável que tenha tido um final de vida tão difícil.
    Uma nota para o post; o antigo jogador António Simões acaba de dizer na RTP que lamenta que 24 anos depois de Saltillo, continue na Federação o homem que destruiu a carreira de Torres, referia-se a Amândio de Carvalho.
    Sem querer emendar o post do João Machado, o mais correcto seria em vez de "saiu o Scolari, e voltámos ao mesmo", escrever "ainda não saiu o Amândio de Carvalho, e voltámos ao mesmo."

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  4. Há homens que têm o seu lugar reservado no Olimpo. Enquanto o país vivia numa letargia, havia alguém que insistia em erguer o nome de Portugal aos olhos do mundo na saudosa década de ouro do futebol português - a época de 60. A epopeia de José Torres e dos amigos Coluna, Cavém, Germano, Águas, José Augusto, Simões, Eusébio e Costa Pereira foi gloriosa. A maneira despretensiosa e romântica como o torrejano representava a Selecção nacional é um exemplo para os dias de hoje. A Torre inabalável do castelo encarnado só sucumbiu perante o esquecimento, mas para já, a minha memória distingue claramente quem ajudou a alicerçar o SL Benfica e dar ânimo a tantos portugueses sedentos de auto-estima.

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