segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra 120



Manuela Degerine

Capítulo CXX

Epílogo

A mulher que via passar os comboios

Cheguei ontem de Santiago de Compostela. Neste momento desço a Almirante Reis, atenta a quem por mim passa, não apenas por, nesta avenida, a atenção ser necessária, mas igualmente por curiosidade. Não conheço em Paris nada que se assemelhe a esta avenida... Há as prostitutas, não apenas as profissionais do Largo do Intendente que, não raro, vão e vêm, mas também uma ou outra, em fim de carreira que, de vez em quando, tenta por aqui o negócio; e, claro, lá em baixo, na esquina da Rua da Palma com a de S. Lázaro, encontram-se várias de serviço. Há os clientes. Há os chulos e seus assessores. Há os sem-abrigo, cuja cantina se situa em frente da igreja dos Anjos e, por esta razão, pouco daqui se afastam. Há os drogados, com ou sem abrigo, arrumadores ou não de carros, muitos discretos, alguns excitados, não poucos buscando financiamento, outros alheios a qualquer realidade, um parece dormir no meio do passeio, uma arruma o entulho dentro do contentor... Há os vendedores de droga e seus adjuvantes. Há os bêbedos que transbordam das tascas para o passeio. Há romenos assaltando os passantes e romenas arrecadando a receita. Há comerciantes chineses e indianos, há clientes indianos e chineses. (Não confundir os romenos com os indianos. Quanto às romenas e indianas, exclui-se qualquer confusão.) Há os chineses das limousines e seus guarda-costas. Há africanos de todas as origens, atraídos por acasos, tráficos e convívios. Há as brasileiras novas com portugueses velhos. Há as donas de casa. Há os clientes dos cafés, cervejarias, restaurantes e marisqueiras. Há os turistas dos hotéis. Há brasileiros de chinelo, senhoras de chapéu, gente tatuada e perfurada. Há pais que vão buscar os filhos à escola. Há o arquivo fotográfico, seus artistas, técnicos e visitantes. Há a Misericórdia, há as associações. Há os empregados e clientes de supermercados, lojas de fruta, material de cozinha, electrodomésticos, bugigangas, móveis novos e em segunda mão, roupa nova e em segunda mão... Para abreviar, digamos: há de tudo nesta avenida.

Trago na mão a máquina fotográfica. Surge uma cena, um rosto, uma corda de roupa, um pormenor que me chama a atenção: tiro uma fotografia. (De maneira discreta.) Desço portanto a avenida com paragens e ziguezagues.

De súbito reparo numa mulher. Vista de costas, baixa, magra, com o cabelo comprido, nada chama a atenção de maneira espectacular, noto porém que o comportamento dela se parece, de certa maneira, com o meu... E, logo: reconheço-a. Não esperava encontrá-la aqui.

- Rita!

Parece não ouvir. Corro e ultrapasso-a.

- Olá!

Surpreende-me a maneira como se veste. Não me ocorreria associar aquelas peças de roupa, que aliás desconheço, imaginei-a sempre com trajo de caminhada; afinal fica-lhe bem.

Ela enfatiza de imediato o descontentamento.

- Queres o quê?

Eu mostro-me apaziguadora.

- Nada. Ou antes: quero notícias. Enfim... Sem ser indiscreta... Não és obrigada a aturar-me.

- Boa nova.

O tom é quase agressivo; eu sorrio.

- Chegaste a Lisboa quando?

- Ontem.

- E ficas por cá?...

A minha atitude parece exasperá-la.

- Achas a conversa necessária?

Um homem pára à minha frente: haverá gritos e puxões de cabelo?

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