quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo CVIII

Vigésima quinta etapa: de Brialhos a Padrón (continuação)

D. Urraca e D. Afonso VII banharam-se nestas caldas. No que me toca: não ficarei hoje a conhecer a piscina municipal na qual, diz Gérard Rousse, corre água termal a vinte e sete graus. (Não se pode descobrir tudo de uma vez.)

Neste momento... procuramos restaurar-nos. Também queremos comprar bom pão, intento de concretização sempre incerta; uma rapariga muito simpática sai do café, onde parámos, para indicar a padaria Maran – na rua Pepe Rada. Chegamos lá... O padeiro informa que o pão se encontra ainda no forno e só começa a vendê-lo daqui por meia hora. Não temos pressa... Resolvemos passear pela cidade. Retornamos à ponte, deambulamos pelo centro, encontramos a fonte das Burgas, sentamo-nos no largo da igreja... Vemos pouca gente pelas ruas. Avistamos a terceira representante da gastronomia germânica; faz-nos grandes adeuses (dispenso o contacto com tal variedade peregrina). Voltamos à Pepe Rada. Há um pão de centeio simples e outro com passas. Compramos de ambos. Logo que saio da padaria, provo o da fruta seca – e volto atrás para pedir outro pedação. É uma delícia refinada. Com muitas passas e tudo o necessário: a cor, o odor, o peso, a resistência... O sabor. (Entretanto também comprei fruta fresca: prossigo o caminho com uma mochila penosa.)

As vias romanas XIX (de Bracara Augusta a Asturica Augusta) e XX (per loca marítima) cruzavam-se aqui. Tantas camadas de história e histórias, de vidas vividas não são me indiferentes, caminho pensando no que terá sido a região na época romana, na Idade Média... sem todavia deixar de atentar no que é agora. Na Galiza, como em tantos outros lugares, confronto-me com as pedras... Algumas, que fazem – ou fizeram – parte das vias, da ponte, das igrejas, permanecem aqui há dez ou vinte séculos, enquanto quem as fez ou mandou fazer desapareceu há tanto tempo e, no fim de contas, da pluralidade de sonhos, dores, talentos, egoísmos, futilidades, paixões, ambições, frustrações que habitaram aqueles homens e mulheres pouco mais resta que estas pedras. Nós agora pensamos compreender as pedras, embora continue não pouco por esclarecer; mas sentimos muito maior dificuldade em imaginar a personalidade de D. Urraca.

A saída da cidade é rápida. Caminhamos poucas centenas de metros no passeio, à beira da estrada que atravessa Caldas de Reis; logo viramos para um caminho de terra. Aparece outro caminhante. Chama-se Victor. É colombiano e trabalha na manutenção de elevadores; como hoje é sábado e, depois de amanhã, feriado na Galiza, aproveita os três dias para caminhar até Santiago. Inquire se, sem credencial, poderá dormir nos albergues de peregrinos. Digo-lhe que tente: talvez lá lha forneçam. Seguimos juntos durante cerca de dois quilómetros; depois ele avança.

Paramos à beira do campo onde uma família, o pai, a mãe e o filho adolescente semeiam milho. Saúdo em português.

Respondem-me em galego. Ah, enfim... Há momentos em que não nos compreendemos – basta repetirmos. Agora semeiam para os animais mas, noutros tempos, também coziam pão de milho. (Devem ser proprietários de um espigueiro.) A circunstância de semearem o milho num sábado talvez indique que, pelo menos o pai, tem outra actividade profissional. Não entro em questionamentos que possam parecer indiscretos. Noto a surpresa do adolescente por verificar que falo a língua da aldeia; claro: a maioria dos passantes comunica em inglês ou castelhano.

Admiram-se por eu vir de Lisboa, decerto por ser pouco comum; não manifestam o pavor ou a desconfiança dos portugueses aos quais, noutras paragens, respondi o mesmo. (Sozinha? Ou é maluca ou anda a observar!) Aqui a passagem de forasteiros tem feito parte do quotidiano ao longo dos séculos.

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