quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Mistério da camioneta fantasma- 3, de Hélder Costa

Cena 3


Julgamento

Carmona – Eu, Oscar Fragoso Carmona, acusador público, declaro que estou aqui para cumprir o meu dever, como militar que sou, e só à lei e ao dever obedeço no exercício deste espinhoso cargo.

Berta Maia - Sr. Dr. Juiz, a minha dor é imensa e a minha revolta não tem nome. Sei que não me podem dar outra vez o meu querido marido, sei que nunca deixarei de sofrer pelo seu desaparecimento. Quero que este tribunal faça justiça, que liberte a memória de Carlos da Maia de qualquer mancha ou calúnia e que faça luz sobre o mistério desta noite e destas mortes que enlutaram tanta gente de bem.

É a minha esperança para que o ódio – que Deus me perdoe – adormeça no meu coração.

Dente D’Ouro - Vou perguntar eu, réu e criminoso, porque não soube o Governo guardar as moradias dos cidadãos ameaçados por facínoras que poderiam andar toda a noite a cometer crimes que ninguém surgiria para os evitar. Disso os acusarei; juro!

Carmona - Os acusados, os oficiais que realizaram o 19 de Outubro, não tiveram ligações com os assassinos, mas a verdade é que não tomaram as providências necessárias para que se evitassem, se não todos, pelo menos alguns dos crimes.

Berta Maia - Tu falarás, não hoje, neste Tribunal, mas mais tarde, tu falarás.

Carmona – Finalmente, em Fevereiro de 1923, acabámos o julgamento dos bárbaros crimes do 19 de Outubro de 1921. Abel Olímpio (o Dente de Ouro) Heitor Gilman e José Carlos, 10 anos de prisão maior e 20 de degredo, Mário de Sousa, Acácio Cardoso, Matías Carvalho, Palmela Arrebenta, José Maria Felix, Acácio Ferreira, 8 anos de prisão maior seguidos de 20 de degredo (redução de voz). Benjamim Pereira, Manuel Aprígio, Baltazar de Freitas...

Jaime Cortesão - (com um exemplar da Seara Nova) – O que vai sair daqui? Quem esperará ver nos ministérios que se seguirem outra coisa que não seja ministérios de simples expediente administrativo?

E isto quando a força das coisas e a própria lógica nos não levarem para uma ditadura militar, com toda a opressão do sistema militar e o predomínio dos interesses militares.

Nós, que fizemos o voto de dizer toda a verdade, levantamos a nossa voz de protesto e acusação. Fundámos a revista “Seara Nova” e acusamos os de ontem e os de hoje.

Os que já fizeram o mesmo e agora condenam os outros, e os que, para corrigir os erros passados, começam por seguir os métodos do passado. Acusamos os partidos da oposição, que conheciam o que se ia passar e nada fizeram para evitar a catástrofe.

Raul Proença – (c/ ex. Seara Nova) Na “ Seara Nova” acusamos os que fomentaram todas as desordens, os que fizeram silêncio sobre todos os desvarios demagógicos, que não tiveram uma palavra de condenação e de proscrição para os miseráveis que, dizendo-se seus partidários desmentiam todos os sentimentos de humanidade. Acusamos os potentados da finança (exploradores, especuladores, açambarcadores, falsificadores, inimigos do povo) que vivem de sugar todo o sangue da Nação pelas ventosas da sua ambição desmedida.

Jaime Cortesão e Raul Proença - Acusamo-nos a nós próprios, Jaime Cortesão e Raul Proença, por só agora termos tido este grito.

3 comentários:

  1. António Gomes Marques24 de setembro de 2010 às 15:36

    Ontem lá estive na Sala 1 para ver esta 2.ª versão do espectáculo do Hélder. Destaco as duas falas acima, de Jaime Cortesão e de Raul Proença, por ser o que ali se diz que mais me importa realçar neste momento e a propósito deste trabalho.
    Outra questão: alguém que frequenta o «estrolabio» já alguma vez se interrogou acerca da distribuição dos chamados subsídios para o teatro? Sabem que há companhias que recebem 4 vezes mais do que «A Barraca»? Por que será?

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  2. António, estou a pensar num grande debate sobre a política cultural no nosso País. O Pereira Marques, que vai lançar um livro sobre o tem, será um dos intervenientes. E já convidei o hélder e a Maria do Céu Guerra. Tu estás convidado por natureza. Falaremos do Teatro, do Livro, do Cinema... Sei que a estreia do «Mistério» foi um êxito. Não queres escrever umas linhas para hoje à noite?

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  3. António, arranca aí um texto ao teu nível.

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