sábado, 25 de setembro de 2010

Os meus livros do século XX

Carlos Loures

Começo por fazer uma advertência – os dez livros que vou escolher pertencem todos eles ao universo da minhas leituras. Talvez devesse dizer “Os dez livros so século XX que eu li”. Devo também dizer que só alguns, além dos escritos em língua portuguesa, li nas línguas originais. Não sou um poliglota e uma coisa é manter uma conversa num dado idioma ou ler um jornal, outra coisa é ler um livro sem estar frequentemente a consultar o dicionário. Dos originais em castelhano procuro nunca ler traduções (algumas péssimas, pese embora a semelhança dos idiomas). O mesmo para o francês, de que leio algumas traduções. O meu inglês, suficiente para ler jornais ou revistas, para ver a CNN, é pobre para ler obras de vocabulário muito rico. Muitas obras importantes não terei lido e, portanto, esta escolha está limitada aos livros que conheço. Alguns, como disse, através de traduções. O que, infelizmente, nem sempre permite ter acesso à verdadeira obra.

Segunda advertência: para mim não existem géneros literários menores. Existem, sim, escritores menores. E a esses, tal como aos maiores, é a posteridade quem os classifica. Fernando Pessoa para o público do seu tempo quase nem existiu, ofuscado por nomes como o de Júlio Dantas. Camões, foi superado em fama e em tenças por Pêro Andrade de Caminha, o “poeta do Minho”. Hoje, Camões e Pessoa são os dois ícones maiores da literatura e da cultura portuguesas. Pêro Andrade de Caminha e Júlio Dantas, são desconhecidos do grande público – nomes e obras para o trabalho necrófago dos coca-bichinhos.

A literatura de ficção científica, como a policial, é por muitos considerada um género menor. No que se refere à policial, bastavam, entre outras, as obras de Conan Doyle, Dashiel Hammett, Raymond Chandler, Agatha Christie ou, mais próximo de nós, Manuel Vázquez Montalbán, para desmentir esse preconceito. Quanto à literatura de ficção científica, autores como H.G.Wells, George Orwell, Karel Capek, Ray Bradbury e Ursula K. le Guin, entre muitas dezenas de outros, desmentem essa classificação

Recapitulando - esta lista é só a das minhas preferências e, para mim, não há géneros menores.

Antes da lista uma não-lista.

À le recherche du temps perdu. Esta monumental e soberba obra de Marcel Proust, na minha opinião, é ainda uma obra do século XIX, motivo pelo qual não a considerei. O Ulisses, de James Joyce, que li na tradução de Palma Ferreira, é outra obra de grande importância. O Joyce foi um grande escritor, mas li  e reli o livro, por vezes, por saber da sua importância. Não me deu o prazer que tive com a leitura de outras obras mais modestas. Jorge Luis Borges, outro grande ausente, foi um escritor ímpar, mas colaborou com a Junta Militar, com os bandidos, com os miseráveis sem honra e sem vergonha, que transformaram a Argentina num pesadelo – e, mesmo sabendo que os escritores só devem ser julgados por aquilo que escrevem, não consigo perdoar a Borges.

Explicado mais ou menos o meu critério, cá está a lista:


La nausée,
Jean-Paul Sartre. Podia escolher outro título de Sartre. Podia ter preferido Malraux, Camus ou Yourcenar, mas a revolução, o abanão, foi Sartre quem provocou.



A Montanha Mágica,
Thomas Mann


Sobre heroes y tumbas,
 Ernesto Sábato

Cien años de soledad,
 Gabriel García Márquez

Canto General,
Pablo Neruda

Obra poética,
Fernando Pessoa

Memorial do Convento,
José Saramago




O Zero e o Infinito,

Arthur Koestler






1984,
George Orwell

A Guerra das Salamandras,
Karel Capek





Os Homens e os outros, Elio Vittorini


Algumas das minhas escolhas são óbvias e consensuais – Thomas Mann, Sartre, Neruda e García Márquez, Pessoa e Saramago, não serão contestados. Os outros nomes da lista – Sábato, Koestler, Capek, Orwell ou Vittorini, poderão parecer bizarros – mas foram livros cuja leitura me deu tanto ou mais prazer como os tais incontestáveis. Confessando até que Ulisses (que li na tradução do Palma Ferreira), com páginas de leitura agradável, tem outras que me foi difícil ler – e, sem sair desse bárbaro idioma, Dashiel Hammett ou Raymond Chandler?

Sobre a Montanha Mágica, livro fetiche da minha adolescência voltei a lê-lo há pouco tempo. Li a mesma edição e, embora não sabendo alemão, o velho notou deficiências óbvias na tradução em e o jovem de 16 anos não reparou (o português é pobre e uma das razões é a tradução ser feita por um brasileiro e a adaptação à norma portuguesa ter sido desleixada). Mas o encantamento foi o mesmo – que grande obra (mesmo para quem tenho lido “Morte em Veneza”)!

Relativamente à língua italiana, preferi o Elio Vittorini dos bons tempos a tudo o que de excepcional naquele idioma se tem escrito. E não é pouco. Mas nesta escolha quase ninguém estará de acordo. O que não me tirará o sono.

No castelhano, não ter posto o Vargas Llosa soube-me a traição, como quando tratamos melhor um amigo rico do que um que caiu em desgraça. Mas, de facto, os quatro livros que escolhi são, na minha opinião, de uma grandeza que o Mario não atinge (“La tía Júlia y el escribidor” ou “Pantaleón y las visitadoras”, são, no entanto, obras magníficas). E muitas outras traições cometi – José luís Sampedro, Gonzalo Torres Ballester, Manuel Vázquez Montalbán, Isabel Allende, Carlos Fuentes – a língua castelhana possui, no plano da ficção , a maior literatura do mundo.

Da língua portuguesa escolhi duas obras também óbvias – não gosto de fazer comparações, mas, a meu ver, Pessoa (ele mesmo ou em qualquer dos heterónimos) e o José Saramago do «Memorial» estão a uma distância apreciável de outros grandes autores portugueses, brasileiros e africanos. Mas citaria Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Rubem Fonseca, João Guimarães Rosa, e João Cabral de Melo Neto. Dos autores africanos destaco Pepetela e Germano Almeida. O terceiro plano, na minha classificação, vem muito distante, embora contenha nomes de grande valor mediático (alguns propostos para o Nobel). Mas que tenho eu a ver com isso?

Posso fazer muitas listas com um valor literário equivalente ou mesmo superior a esta. Porém, estes nomes ocorreram-me sem qualquer esforço – deve querer dizer alguma coisa quanto às minhas preferências.

2 comentários:

  1. Tu tens uma paixão nunca vista pelos livros.Há aqui alguns que não conheço embora conheça e tenha lido a maioria. Acho que amas os livos porque eles não exigem nada em troca. A mim exigem-me estar quieto o que é um sacrificio não dispiciendo.

    ResponderEliminar
  2. Finalmente, Carlos! Estava à espera da tua lista há muito tempo. Já tinha pensado: "Querem ver que aquele malandro se vai escapar com a desculpa de estar carregado de trabalho?" Mas, felizmente não. E só por gostares da Ursula K. Le Guin de que eu, também, gosto e li bastante e do "Memorial" que já vi muita gente, a armar ao intelectunal, menorizar devido ao maravilhoso que encerra, já sinto toda a afinidade do mundo contigo em matéria de leituras.

    ResponderEliminar