Adão Cruz
Deslizar na brancura da neve de Les Angles é quase um sonho
um sonho cego, mudo, paralítico, sem a cor das pinceladas do céu franjado de arco-íris, cavalgando os altos cirros velozes e frios, incapaz de desfibrar o complexo estroma que nos enlaça e entrelaça
num abraço de fogo e água, amor e raiva e mágoa, voando sobre o abismo serôdio de um beijo alheio, ridículo-lascivo, criptogâmico-adolescente, que torna fria a madrugada e sem sol o acordar.
Alguma coisa eu perdi lá no céu, aqui na terra ou no mar, para não ser capaz de sonhar com olhos, palavras e pernas para andar.
Deslizar na brancura da neve de Les Angles é um sonho morto…
doem muito os sonhos mortos!
Talvez em Villefranche de Conflent, nas margens de La Têt.
Em Villefranche de Conflent encontrei-me com Chagall, eu mal o conhecia, ele de mim nem sabia.
Enquanto o Nuno corria atrás do petit train jaune, eu corria atrás do sonho (sonho do Sonho?), mas Chagall nada me dizia. Mal o conhecia, gostava dele, da frescura, da audácia, da sua enganosa realidade, mas naquele dia!
Amores flutuando nos ares, silhuetas bizarras, criações poéticas
não me tocavam, soavam a falso.
Apenas uma frase me deixou pensativo, o nosso universo interior é a realidade, talvez mais real do que o mundo visível, mais real do que as pedras, do que o frio e a pele arrepiada.
Sempre pensei que a infância marcara a minha vida, (onde vai a infância se bem corresse!). Nunca dela pensara fugir, ao contrário de Chagall.
Alguma coisa eu perdi lá no céu, aqui na terra ou no mar, alguma coisa eu perdi que faz falta ao sonho p’ra sonhar.
(ilust. adão cruz)
sábado, 23 de outubro de 2010
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