sábado, 9 de outubro de 2010

Que rumo(s)? - 4, porJosé de Almeida Serra

9 Coesão social

Fala-se imenso em coesão social, mas temos que reconhecer que não se pode continuar a invocar o discurso da coesão numa sociedade que se perfila, em cada dia que passa, mais "descosida" e socialmente mais esfarrapada, com imensas bolsas de pobreza. Este país que somos hoje é um dos que apresenta maior disparidade entre ricos e pobres na União Europeia (e se compararmos com o que vem acontecendo nesta matéria em países da Europa Central, saídos de experiências sociais e políticas catastróficas, então o incómodo aumenta imenso). Lê-se e não pode acreditar-se que "40% dos desempregados não voltam a trabalhar (Expresso, 15 de Maio de 2010); sabe-se do elevadíssimo desemprego dos jovens (porventura muitos nunca virão a encontrar um emprego) e da qualidade dos empregos que lhes são disponibilizados - jovens às vezes com cursos superiores (bons ou maus, foi o que lhes demos) só encontram empregos equivalentes aos que a minha geração encontrou com a antiga quarta classe, e a troco de níveis de remuneração baixíssimos (é já uso corrente a expressão de "geração dos 500 euros"). Que esperar desta juventude?

“O CES mostra ainda grande preocupação pelo facto de, sendo Portugal o país da União Europeia onde se registam maiores desigualdades na distribuição do rendimento (10% dos mais ricos possuem 27,7% do rendimento gerado), não se vislumbrar em nenhuma parte do documento qualquer vontade política de alterar esta situação. Recorde-se, a propósito, que desenvolvimento é muito mais do que crescimento, uma vez que resulta de um conjunto mais vasto de alterações entre as quais se destaca a melhoria na distribuição do rendimento.” (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, pág.89)

“A questão da coesão é essencial para o sucesso do desenvolvimento português. O CES, não deixando de reconhecer os progressos materiais globalmente con¬seguidos e a preocupação de vários agentes sociais e políticos nesta matéria, não pode deixar de manifestar a sua preocupação quanto à evolução de determinados indicadores que evidenciam estarem ocorrendo fenómenos de agravamento de disparidades a nível regional e de grupos, em que avulta o aumento das desigualdades e o crescimento da pobreza. Trata-se de matéria a requerer urgente e concertada opção dos interventores sociais e políticos.” (CES, Parecer sobre Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa, 2002, pág. 68)

10 Financiamento da sociedade

Os bancos e as empresas de rating viraram ultimamente "bombos de festa"; e eu não me proponho defender nem uns nem outras, referindo contudo que alguns agentes com ampla intervenção nos media deveriam ter a preocupação elementar de conhecerem o significado de alguns conceitos básicos (por exemplo, é injustificável constatar que há quem confunda, reiteradamente, spread com lucro). Mas não nos iludamos, os nossos problemas financeiros têm um único responsável: o País - seja ao nível dos cidadãos, das empresas ou do Estado. Ora, só se empresta a quem puder, e enquanto puder, pagar e Portugal corre o risco real de poder vir a encontrar-se em situação de não poder honrar os seus compromissos. Isso teria consequências catastróficas, com ou sem raters (reconheço que estes são passíveis de muitas críticas, cometeram erros óbvios - inocentemente? - e deveriam ser fortemente penalizados pelo mau trabalho efectuado; mas o que fazer nesta matéria quando a Europa, grande defensora da concorrencialidade e da concorrência, aceita a existência de apenas três empresas - importantes - de rating, e todas americanas?).

A História dá-nos conta de algumas situações de bancarrota porque passámos (em particular nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX) e também nos ensina como acabou a Primeira República, nas mãos de um "mago" de Finanças.

Interferências de credores sempre as houve, via FMI ou organismos da UE, no passado recente ou hoje; e directamente por parte de Estados e "clubes de credores" no passado. Será que a História nunca se repete? Não resisto a socorrer-me de uma publicação de 1904 (a transcrição é longa, mas interessante).

“Estes (...) empréstimos (...) resumem muito bem as duas categorias de despesas que constantemente perturbam os orçamentos portugueses: 1º As despesas das classes inactivas; (...) Entende-se por vencimentos das classes inactivas as pensões de toda a espécie, civis e militares, ordinárias e extraordinárias, e à primeira vista é muito difícil conhecer-se o encargo que impõem ao estado.” (pág. 30)

“Para dizer a verdade, as pensões de reforma sempre foram em Portugal em escala ascendente, que, n´um momento dado, não pode caber nos limites do orçamento. É preciso achar-lhe uma derivação e com tal fim recorreu-se a variadas combinações.” (pág. 31)

“Portugal, sob este ponto de vista, acha-se na situação de um grande senhor que, tendo pequeno rendimento, fosse obrigado a administrar um domínio imenso e a sustentar o numeroso pessoal exigido por essa administração.” (págs. 32-33)


“Em 1892, as dificuldades do tesouro eram extremas e todos os protestos contra a reducção de juros da divida seriam fatalmente estéreis. A diplomacia alemã, comprehendendo nitidamente a situação, procurou principalmente restabelecer a antiga organisação tutelar derruida em 1887. (...) Fazendo manter a sua execução, a diplomacia alemã fel-as confirmar em 1895 por uma declaração do ministro dos negócios estrangeiros em Lisboa.

Egualmente, quando em 1900 o governo portuguez quiz de novo destruir o regimen tam laboriosamente restaurado, encontrou por parte do comité e do governo allemão, opposição formal. Os comités estrangeiros, designadamente o francez, reconheciam egualmente a necessidade d'uma garantia e nenhuma outra havia que não fosse a das alfandegas, porque se havia posto de parte a que poderiam ter offerecido as receitas dos tabacos ou dos caminhos de ferro do Estado.” (pág. 21)

“O governo francez considerou o accordo como equitativo e o comité acceitou-o na sua generalidade, salvas algumas reservas.

No entretanto, uma certa opposição se manifestou em Inglaterra, Hollanda e Allemanha.

O comité inglez preferia manifestamente o convenio apresentado em 1899 e que caducara pela retirada do governo progressista.” (pág. 22)

Fonte: Divida Externa Portugueza, Conversão da Dívida, M. Louis Lhome, Lisboa, 1904.

Hoje como ontem? Poderemos sempre regressar ao estádio do "orgulhosamente sós"; mas com que independência financeira?

11 Antecipar e preparar o futuro

Para se conduzir o País, terá de dispor-se de informação e análise mínimas, tanto sobre a situação actual como sobre as grandes condicionantes do nosso desenvolvimento futuro.

Teremos de ter uma ideia razoavelmente clara dos objectivos, dos meios e dos possíveis caminhos a percorrer. Há que prever e antecipar. E, sobretudo, há que envolver todos - cidadãos, grupos de cidadãos, parceiros económicos e sociais, bem como forças políticas - na análise e definição das opções e nas escolhas de futuro que, nos seus aspectos fundamentais, ultrapassam em muito o período da legislatura.

E também aqui não haverá que inventar muito: basta ver o que nesta matéria se faz em alguns países (o Reino Unido é um bom exemplo) e, até, o que já fizemos, com evidente sucesso, entre nós. Quem não se recorda do que foi o papel do Departamento Central de Planeamento?

“Seria de analisar o interesse na criação de uma ‘célula de prospectiva’, adequadamente situada na orgânica estatal, formada por profissionais de elevada craveira científica e técnica em áreas relevantes que monitorizasse o esforço de reflexão a longo prazo sobre o papel de Portugal no Mundo e as grandes linhas de desenvolvimento político, social e económico do País, devendo a nomeação dos seus principais responsáveis ser consensualizada entre as diferentes forças políticas, por forma a assegurar a necessária estabilidade e independência”. (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, pág. 31)

12 Que saídas?

A realidade não mais pode ser iludida. Portugal confronta-se com opções muito difíceis e que não será possível adiar mais, já que determinadas realidades ocorrerão independen-temente da nossa vontade. Ou arrumamos a casa, ou alguém nos obrigará a fazê-lo. Ora, não parece que haja consciência dos quadros alternativos em que o País será chamado a decidir, sendo que a alternativa mais gravosa - política, social e economicamente - seria certamente a de continuar a adiar problemas e soluções, deixando simplesmente ocorrer o que viesse a acontecer.

Quem, como eu, atravessou a fase final do Salazarismo e do Marcellismo recorda-se da sensação estranha em que vivíamos: o regime estava bloqueado, caminhava-se para o abismo, mas os reais problemas de fundo não eram equacionados nem encarados. O fim foi o que se sabe, e o preço foi o que conhecemos.

Devo dizer que volto a sentir a mesma dificuldade e a mesma sensação de então, o mesmo bloqueio, a mesma inca¬pacidade em equacionar problemas e procurar soluções. Temo que comecem a aflorar sentimentos de não reconhecimento de legitimidade relativamente ao regime e isso acentuar-se-á se os problemas não forem resolvidos, se a pobreza aumentar e se as clivagens económicas, sociais e políticas se aprofundarem.

As ditaduras não result(ar)am apenas e só de golpes de Estado, também algumas se instalaram a partir do jogo eleitoral típico; e não foi certamente por acaso que tivemos na Europa, no segundo quartel do século XX, a "moda'' das ditaduras.

Certamente não será com panegíricos e votos piedosos como o que se transcreve que iremos a sítio algum.

“Temos a ambição de fazer de Portugal, em menos de uma geração, um dos países mais desenvolvidos da Europa. Este desígnio reclama um grande esforço nacional, de todos. O objectivo é sermos uma Nação mais rica, para dessa forma construirmos uma sociedade mais justa e um país mais culto” (Texto do Governo; extraído da apresentação das Grandes Opções do Plano para 2003.)

Trata-se de uma frase bela e comovente, mas infelizmente oca e vazia, porque não se foi além de retórica abstracção. O resultado tem vindo a ser exactamente o oposto. Apetece--me parafrasear alguém: já pensámos tudo e já discutimos tudo, agora há que agir e transformar a realidade; mas devemos fazê-lo adequadamente e tendo em conta o bem comum.

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