sábado, 30 de outubro de 2010

Ricardo Carvalho Calero - Estamos no Ano Carvalho Calero

[Publicado em 6/10/2010 no PGL – Portal Galego da Língua www.pglingua.org ]

http://www.pglingua.org/index.php?option=com_content&view=article&id=2876:estamos-no-ano-carvalho-calero&catid=3:opiniom&Itemid=80&Itemid=36

Por José Paz Rodrigues (*)

(*) Professor Numerário da Faculdade de Educaçom de Ourense.

É muito difícil para mim entender que se tenha tanto no esquecimento uma pessoa que sempre trabalhou durante décadas e décadas polo idioma galego e pola Galiza. D. Ricardo Carvalho Calero, que tivem a sorte de conhecer e tratar, há tempo que tinha que receber na Nossa Terra a homenagem que bem merece polo seu grande labor e amor pola Galiza. Académico que foi da RAG desde o ano 1958, em que entrou como tal com o seu discurso de ingresso sobre o tema: “Contribuiçom ao estudo das fontes literárias de Rosalia”, é ainda muito mais difícil compreender como esta instituiçom nom tenha decidido, como deveria ser, que se lhe dedicasse este ano a festividade das Letras Galegas.

Precisamente neste ano de 2010 cumprem-se os cem anos do seu nascimento e os vinte do seu passamento. D. Ricardo, que era como carinhosamente o tratávamos os seus discípulos e amigos, tinha nascido em Ferrol em 30 de outubro de 1910, falecendo em Compostela, onde morava, no dia 25 de março de 1990. Ademais da sua grande bondade e amor pola Terra, eu quero salientar as suas múltiplas virtudes como intelectual e polígrafo, cultivador de poesia, teatro, romance e ensaio literário, filológico ou sociolinguístico, além de brilhante orador. De verbo tam cálido, que era um prazer escuitá-lo ou tê-lo como interlocutor.

Em 1926 terminou o bacharelato e matriculou-se na Universidade de Compostela, onde estudou Direito e Filosofia e Letras, que terminou respetivamente em 1931 e 1936. Foi membro ativo do Seminário de Estudos Galegos (SEG), no qual ingressou em abril de 1927, chegando a exercer no mesmo de secretário-geral. Em 1931 será co-fundador do Partido Galeguista e elaborará com Luis Tobio o primeiro ante-projeto do Estatuto de Autonomia para a Galiza. A guerra do 36 surpreendeu-no em Madrid, onde se incorpora ao exército republicano. Ao final da mesma, em 1939, é julgado e condenado a doze anos de cárcere. No ano de 1941 regressa a Ferrol em liberdade controlada, dedicando-se ao ensino privado, ao nom lhe ser permitida a inscriçom para exercer no público.

Anos depois, em 1950, deslocará-se para trabalhar em Lugo, onde exercerá como professor e diretor do Colégio “Fingoi”. Um colégio modelo do ponto de vista pedagógico, ao pôr em prática os métodos e estratégias didáticas próprios da ILE de Giner e Cossio, fomentando nos alunos o amor polo teatro, a investigaçom do próprio entorno e todas as artes. Um dos seus docentes deste centro educativo foi o atual presidente da RAG, o que tanta fobia lhe tem a D. Ricardo, tam inexplicável que mesmo chegou a dizer recentemente uma autêntica barbaridade: “que antes que Carvalho há vinte para dedicar-lhes as Letras Galegas”.



Em 1955 doutora-se na Universidade Complutense com prémio extraordinário. Em 1972 ganha a primeira cátedra de Linguística e Literatura Galega da universidade compostelana, exercendo na mesma antes de professor interino de Galego. Em 1979 preside à Comissom Linguística da Conselharia de Cultura da Junta da Galiza, sendo conselheiro Alejandrino Fernández Barreiro. Esta comissom era a encarregada de elaborar uma normativa de concórdia para a nossa língua. Este seu trabalho foi deitado abaixo mais tarde, em 1982, polo famoso decreto Filgueira, que ainda padecemos hoje, sem ter em conta para nada as alternativas linguísticas equilibradas que propunha a comissom presidida por D. Ricardo. A finais dos anos setenta adere ao reintegracionismo linguístico.

Entre os muitos livros ensaísticos que publicou, quero destacar a História da Literatura Galega Contemporânea (1963), a Gramática Elemental do Galego Comum (1966), Problemas da Língua Galega (1981), Da fala e da escrita (1983), Letras Galegas (1984), Do Galego e da Galiza (1990) e Umha voz na Galiza (1992). Da sua obra de criaçom literária, bastante extensa também, brilha com luz própria o seu estupendo romance Scórpio (1989). Assim mesmo merecem ser destacados os seus livros Vieiros (1931), A gente da Barreira (1951), Saltério de Fingoi (1961), Pretérito imperfeito (1980), Futuro incondicional (1982), Teatro completo (1982), Cantigas de amigo e outros poemas (1986) e Reticências (1990).

Para conhecer o seu pensamento som também interessantes as leituras dos livros de conversas sustidas com ele por Carme Blanco, Pilhado Maior e Salinas Portugal, e o livro biográfico de Monteiro Santalha, Carvalho Calero e a sua obra. A Fundaçom “Meendinho”, da qual me honro fazer parte do seu conselho, está organizando uma campanha para levantar em Compostela um busto de D. Ricardo, agradecendo todo o tipo de contributos de pessoas particulares e das diferentes instituições públicas e privadas.

Na revista O Ensino, a cujo conselho de redaçom pertencim, como secretário, D. Ricardo, de forma premonitória chegou a dizer em 1987: “Todo o mundo sabe que eu professo em matéria lingüística as ideias tradicionais, as ideias de Castelao, e como estas ideias som contrárias às ideias que reinam no mundo oficial, no aspecto cultural, pois, nom tenho muito predicamento, ao parecer, dentro dessas esferas. Consideram-me como um herege, como um cismático, ou como um corruptor da mocidade e se me exclui positivamente dos organismos oficiais”.

Infelizmente, para descrédito das instituições oficiais, com a RAG à cabeça, a infâmia continua neste ano que tinha que ser o seu, e que por dignidade mereceria. Contudo, no ano de 1996, em acordo plenário, o Parlamento da Galiza nomeia-o por unanimidade Filho Ilustre da Galiza, ao mesmo tempo que instala a sua imensa biblioteca pessoal num local do próprio Parlamento. Tema este também muito silenciado. Merece tal tratamento, por parte do mundo oficial, este nosso intelectual coerente e honesto?

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