quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Carta de José Manuel Pureza, Líder parlamentar do Bloco de Esquerda

Meu caro Júlio Mota

Agradeço, antes do mais, a tua carta-testemunho. O trajecto da tua vida, que ali partilhas com os destinatários a quem entendeste enviá-la, dá razão a quem, como eu, considera um privilégio ser teu amigo., Mas vamos então à tua crítica severa à política do livro seguida nas escolas dos diferentes graus de ensino. Dizes tu: "Descobri que os nossos representantes parlamento entendem que os filhos dos pobres, que seguramente no não têm dinheiro para comprar os manuais aos preços que têm, não têm direito a tê-los, a lê-los com os seus sublinhados, a falar com eles". E acrescentas pouco depois: "Bastava haver uma política de ensino (...), uma política efectiva do livro escolar". Tens óbvia razão em afirmar que a exorbitância dos preços e a permanente substituição dos manuais recomendados se constituem em impedimentos reais a parte essencial do direito à educação para a grande maioria das crianças e dos jovens. É, por isso, a democracia - enquanto sistema de não exclusão em função do rendimento - que exige a eliminação deste limite inaceitável.

Que fazer? - retomando o título do velho Vladimir Illich Ulianov...


O direito de efectivo acesso universal, em plena igualdade de circunstâncias, aos manuais escolares só se consumará mediante a gratuidade absoluta dos mesmos. É assim a lógica do serviço público, e a aprendizagem que vimos fazendo com outros serviços públicos (da saúde à justiça, passando pelo ensino) reforça este convicção.

Ora, a gratuidade dos manuais para todos e em todos os ciclos do ensino básico e secundário (condição sine qua non para que não haja uma política do manual para pobres e outra para ricos - o que a prazo curto redundaria num tratamento assistencial e sem qualidade dos mais pobres - implica, como reconhecerás, investimentos avultadíssimos pelo Estado.

É nesse sentido que me parece indicado a adopção de um programa faseado que permita, nó espaço de 3 anos, construir um sistema de empréstimos universal, que forneça a todos os alunos do ensino obrigatório, gratuitamente, os manuais necessários ao seu processo de aprendizagem. Três anos seria o tempo suficiente para estender este programa aos vários ciclos: no 1° ano seriam abrangidos o 1º e 2° ciclo do ensino básico; no 2° ano seria abrangido o 3° ciclo; e no 3° ano este sistema estender-se-ia ao ensino secundário. No início de cada ciclo de 3 anos, o Governo deve dotar cada escola da verba necessária para poder distribuir os manuais a todos os alunos inscritos. No final de cada ano, os alunos devem devolver os manuais para estes serem disponibilizados aos novos alunos. E deve ser feito um apuramento dos manuais extraviados ou excessivamente danificados para que cada escola possa adquirir exemplares de substituição.

Como podes calcular, não estou de modo nenhum de acordo com a tua opinião de que "os nossos representantes emprestados no parlamento, propondo um sistema de livros ao lado destes e devolvidos depois, mostram que estão exactamente editores e da desregulação no mercado de livro escolar". O sistema de empréstimos pode ser criticado por muitas razões, certamente. Mas por dar a mão aos editores e à desregulação é que me parece totalmente contraditório. Porque o que resultaria deste sistema seria precisamente uma travagem de discricionariedade dos editores e dos eu diktat de rotação permanente dos livros escolares.

Percebo o teu incómodo pela distância que vai do empréstimo à oferta e pelas consequências que isso trará em termos de impossibilidade de uma relação de apropriação pessoal plena expressa em sublinhados ou comentários. Mas, meu caro Júlio, certamente não recusarás o acerto da política de bibliotecas itinerantes ou municipais como ferramenta indispensável de uma política de fomento da leitura e de combate ao analfabetismo - ora, também aí os livros não são oferecidos mas sim objecto de empréstimo temporário, como é próprio de uma biblioteca.

Esta opção por um sistema de empréstimo universal rejeita tanto uma política assistencial para pobres como o discurso da "gratuidade universal já". Posso testemunhar-te, por aquilo que vou ouvindo e vendo nos debates sobre esta matéria no parlamento, que este último discurso faz as delícias dos verdadeiros adeptos dos editores porque é para eles o mais fácil de combater e, dessa forma, o mais adequado para manter as coisas como estão. Por tudo isto, meu caro Júlio Mota, não me parece nada justa a tua conclusão de que "os deputados do BE, do PCP e do PEV se tenham deixado cair (…) numa lógica de caridade e de chancela à pobreza". Muito ao contrário: as propostas que apresentámos são as que dão luta a sério aos conservadores do status quo e que os deixam sem resposta.

Uma vez mais agradeço a tua carta e a riqueza de testemunho que ela carrega. E

mando-te um abraço, com amizade sincera.

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