sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Dia do Porto: O Porto do meu pai

(ala moderna do Hospital de Santo António)

Luis Moreira

Nasci em Penafiel mas vivi sempre longe, as minhas viagens passavam obrigatoriamente pelo Porto. Muito criança, lembro-me, ao colo do meu pai, dentro de um comboio e em cima de uma ponte ( as pessoas deixavam de falar ) olhar a Foz, um "braço de mar" dizia o meu pai, só muito mais tarde soube que era o Douro cansado a entrar no mar. E que a ponte que calava as pessoas e parava o comboio antes de se atrever a atravessá-la era a ponte férrea de D. Maria. Foi a primeira vez que vi o mar!

Sempre voltei ao Porto pela mão do meu Pai, que tinha uma grande paixão pelo Porto, o que, aliado ao facto de a minha irmã mais velha viver na Cedofeita (ainda hoje vive ), nos trazia regularmente a essa cidade tão diferente de Castelo Branco, onde vivíamos. Mas a meninice e a juventude passam depressa e quando comecei a voltar sozinho ao Porto era para acompanhar o meu pai na velhice e na doença.

As pessoas no Porto são dadas, generosas, prontas para ajudar. Encontrei médicos e enfermeiros do melhor que pode haver, solidários, pessoas competentes. Outras vezes era a minha vida profissional que me levava até ao Hotel D. Henrique, de passagem para a Longra e para Felgueiras. Fui também, administrador da Fábrica das Antas, paredes meias com um cemitério, naquela faziam-se pregos e arame para a indústria, neste fazia-se tijolo. No centro da cidade.

Conhecia o Porto de lés a lés, noitinha, depois de jantar, lá ía eu a pé desde o D. Henrique até a casa da minha irmã e depois voltava, gente pacífica, nunca tive um mau encontro. Belos passeios nocturnos na Avenida dos Aliados e um uísque no "Principe Negro" onde um pobre rapaz não dava conta da função (estava longe o Viagra...)

O meu pai levantava-se da sua cama na Rua da Cedofeita, numa pensão em frente da casa da minha irmã, e ia dar a sua voltinha, que consistia em deixar esmola aos muitos pobres que pediam nas ruas. Passava pelo café para beber "um garoto," trocava em moedas e lá ía ele, distribuir a "tença" como eu chamava à distribuição por ser todos os dias.

Lembro-me de vê-lo pela última vez, com uma camisa azul, as lágrimas a caírem-lhe pela cara abaixo pois sabia melhor que ninguém que o fim estava próximo e que era a última vez que nos víamos. Ali ao lado da Câmara, tenho essa imagem fixada como mais nenhuma outra. Morreu em casa da minha irmã e com a companhia dela.

Mas não quero deixar de vos dizer que um dia (naquela altura eram raros esses dias) o Porto foi campeão nacional e o meu pai, portista de quatro costados, saltou para o relvado, sacou de uma pistola que sempre trazia com ele e desatou a disparar para o ar. Foi dentro, embora ele jurasse que estava a usar a arma como "fogo de artificio", safou-o o facto de um importante personagem portista, que era seu superior hierárquico, meter a "cunha" tão portuguesa.


E dizia-me, com um ar muito sério e com os lábios apertados quando estava nervoso: "meu filho, a minha maior alegria foi quando tu nasceste, o maior desgosto é tu seres leiteiro" ( epíteto que ele usava para quem fosse benfiquista por achar que o benfica só tinha sorte).

Tive a oportunidade de ser no tempo em que dirigi a Direcção-Geral no Ministério da Saúde que se construiu a parte moderna do Hospital de Santo António, muitas dores de cabeça, muitas pernoitas, muitos dias na cidade invicta. E, já agora, o terreno do novo Hospital "centro Infantil da Zona Norte" já estava escolhido e era o mesmo que é hoje, como já saí do Ministério há 15 anos vejam como somos eficazes a mostrar trabalho.

A modernização do Hospital de Santo António foi um trabalho heróico, no meio da cidade e com um grande hospital em funcionamento. Depois, com as terraplanagens, descobrimos que estavamos a trabalhar num antigo cemitério, foi preciso apanhar as ossadas à mão, uma a uma. Tratava-se das ossadas dos sentenciados na forca do Largo das Malvas (ainda hoje existente,"ir às malvas" dizia-se a quem ía para a forca) os frades , condoídos, enterravam os corpos atrás do mosteiro existente.

A seguir, quando as terraplanagens estavam mais adiantadas, a Pediatria começou a abanar, havia lá dentro mais de duzentas crianças, vamos retirá-las? vamos controlar dia e noite? o Instituto Superior de Engenharia do Porto foi inexcedível de saber, com os aparelhos a controlar o comportamento do edificio dia e noite, o director da obra a dormir na pediatria, tremi eu e tremeu o governo, embora eu e os meus colaboradores, guardassemos prudente silêncio. Correu tudo bem, tinhamos um plano B, no caso da coisa dar para o torto.

Quando vou ao Porto vou ver o hospital, impante de orgulho, a vida deu-me a oportunidade de estar ligado a uma grande e importante obra na cidade Invicta!

3 comentários:

  1. Muito curiosa esta tua história actual, Luís.

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  2. Bonita recordação Luis

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  3. Obrigado, amigos. Passaram pela minha direcção dez hospitais novos em todo o país e umas dezenas de centros de saúde.Trabalhei muito e sofri outro tanto mas ajudei a dar um grande salto ma melhoria da saúde em Portugal.

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