sábado, 20 de novembro de 2010

Evento da Literatura Cabo-Verdiana - Eugénio Tavares e "Claridade"


Eugénio Tavares
 Carlos Loures

Há, quanto a mim, dois elementos-chave na História da Literatura cabo-verdiana. O primeiro éa obra de Eugénio Tavares (1867-1930) – em português e em crioulo - criando um conceito nunca antes enunciado, de caboverdianidade, a consciência de que, quer se exprimissem de uma ou de outra forma, existia um espaço identitário para os escritores do arquipélago. Espaço que o facto de Cabo Verde ser, até 1975, uma nação sem Estado de modo algum punha em causa. O segundo momento é o aparecimento em 1936 da revista Claridade, fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa e outros.

Até então houve livros escritos em Cabo Verde, alguns por cabo-verdianos, mas não se pode falar de uma literatura cabo-verdiana. O primeiro prelo foi introduzido em Cabo Verde no ano de 1842 e em 1856 surge o primeiro romance de um autor cabo-verdiano, O Escravo, de José Evaristo d’Almeida, (…) como diz Pires Laranjeira em Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Universidade Aberta, Lisboa 1995, «segue-se um longo período (ainda hoje mal conhecido no que respeita ao século XIX), até à publicação do livro de poemas Arquipélago (1935) de Jorge Barbosa, e da revista Claridade (1936), fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, entre outros, em que se destacam José Lopes e Pedro Cardoso».

Na avaliação das literaturas de língua portuguesa, «Cabo Verde merece consideração à parte. Apesar de circunstâncias também desfavoráveis, como as de nível de vida e a distância a que o português literário se encontra do crioulo falado, a maior proximidade da cultura metropolitana (e sobretudo da brasileira) e certos fermentos mais antigos da vida literária possibilitaram um surto de escritores em torno das revistas Claridade (…) e Certeza», dizem Óscar Lopes e António José Saraiva numa das primeiras edições da sua História da Literatura Portuguesa, destacando depois nomes como os de Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Eugénio Tavares, que designam por «o poeta do crioulo».

Manuel Ferreira, sem dúvida um dos maiores especialistas portugueses em literatura africana, particularmente na de Cabo Verde, considera Eugénio Tavares, sobretudo um poeta e um jornalista «de excelente qualidade», quer exprimindo-se em português, quer em crioulo. O Tenente-Coronel Joaquim Duarte Silva, um dos mais antigos estudiosos da sua obra, é da opinião que o primeiro texto escrito em crioulo, até então exclusivamente usado na forma oral, é da autoria de Eugénio Tavares. Refere-se a uma «transposição» para crioulo do famoso texto de Camões, Endechas a Bárbara Escrava (Aquela cativa/Que me tem cativo…), feita por Eugénio. Diz a versão crioula – Bárbara, bonita escraba... João Augusto Martins em Madeira, Cabo Verde e Guiné, Carlos Parreira e outros autores, consideram-no o maior poeta lírico de Cabo Verde. Corsino Fortes (1933), escritor e ex-embaixador de Cabo Verde em Portugal, designou-o por o «Camões de Cabo Verde». É por muitos considerado o «pai» da literatura de Cabo Verde e, como disse, o criador do próprio conceito de caboverdianidade, sem o qual não teria sido possível criar uma literatura. Nem uma pátria.

Pode dizer-se que antes de Eugénio Tavares (1867-1930), não existia, mesmo entre as elites do arquipélago, em Cabo Verde uma consciência explícita da identidade cultural dos cabo-verdianos. A consciência dessa identidade, foi o primeiro e importante passo. Assente esse pilar da dignidade nacional, a cultura cabo-verdiano, sobretudo a literatura, divide-se em duas épocas distintas – antes e depois da revista Claridade. Em Março de 1936 surgia o primeiro número; em Dezembro de 1960 publicou-se o último. Foram dez números o que, em 24 anos não parece muito, sobretudo se analisarmos esse facto à luz da realidade actual.

No entanto, não podemos esquecer que, em 1936, ano em que foi desencadeada a Guerra Civil de Espanha, o governo de Salazar tentava limpar o País dos derradeiros resíduos da democracia que, desde o advento do liberalismo, e com breves interregnos, se vivia em Portugal. As colónias não escapavam a essa limpeza metódica que, procurando erradicar tudo o que cheirasse a vestígios de hábitos democráticos, fazia também desaparecer nichos culturais que, à gente do regime e ao ditador, pareciam ser (e, de facto, eram) refúgios das oprimidas ideologias políticas.

Os primeiros «claridosos» foram os escritores Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes. Aos nomes dos três fundadores vieram juntar-se, entre outros, os de Félix, Monteiro, Henrique Teixeira de Sousa, Arnaldo França, Tomaz Martins, Nuno Miranda, Luís Romano, Abílio Duarte, Virgílio Avelino Pires, Onésimo Silveira, Xavier Cruz, Artur Augusto .

O conteúdo dos dez números, algo heterogéneo (ou ecléctico, se preferirmos), permite estabelecer afinidades com o movimento neo-realista que, em Portugal, velejava a todo o pano por esses tempos. Afinidades que também teve com a literatura brasileira. Em todo o caso, mantendo sempre a inclusão de textos em crioulo, poemas sobretudo, apesar de o português ser dominante, a «Claridade» conservou, ao longo da sua existência, um carácter de genuinidade autóctone.

Não pretendo com esta crónica esgotar este tema ou sequer abordá-lo com a profundidade que merece. Aliás, existem sobre o tema estudos de grande qualidade, nomeadamente os de Manuel Ferreira e os de Alfredo Margarido. Quis apenas chamar a atenção para estes dois marcos da cultura do povo irmão de Cabo Verde – a obra de Eugénio Tavares e a revista «Claridade», que foram respectivamente, um apóstolo da caboverdianidade e um farol de cultura de um arquipélago, onde existe agora uma literatura fecunda com nomes como os de Germano Almeida, Aguinaldo Fonseca, Yvone Ramos, Corsino Fortes, Arménio Vieira, Yolanda Morazzo, Gabriel Mariano e tantos outros.

Eugénio Tavares proclamou que existia uma identidade literária nacional e os dez números da «Claridade», provaram que essa identidade existia, lançando uma luz intensa e duradoura sobre o arquipélago.

15 comentários:

  1. Aqui está um serviço público, assunto desconhecido da maioria.

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  2. Agradeço o texto. É mais uma lição . Um abraço

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  3. A literatura cabo-verdiana interessa-me muito. O meu Amigo Manuel Ferreira foi quem, há muitos anos, me chamou a atenção para a beleza de Cabo Verde e para o potencial da sua literatura. Tinha razão, as ilhas são lindas, as pessoas encantadoras e a literatura uma luminosa realidade. Eva e Luís, obrigado a ambos. Um abraço.

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  4. Mais coisas a aprender, que bom! Obrigada, Carlos. Conheci a família do Corsino Fortes - uma cunhada dele era minha colega - quando foi aqui embaixador e adorei aquela gente cheia de alegria. Até as criancinhas pequeninas sabiam dançar os ritmos caboverdianos.

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  5. Por falar em dançar. Numa empresa minha tive dois empregados CaboVerdeanos e, a meio da tarde, fazíamos um intervalo. Os nossos companheiros caboverdeanos começavam a dançar sem sair do sítio, só com as mãos e os quadris, ao som da música de cabo verde que ouviam durante todo o dia.Era impressionante o ritmo, a desenvoltura. Ainda pensei fechar a empresa de consultoria (que ainda hoje existe e de que os meus amigos são proprietários) e abrir uma escola de dança, mas depois pensei que as mulheres já não me largavam mais e deixei-me de aventuras(porquê a mim? um azar nunca vem só...)

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  7. Queria ter alma de mulher mas que as mulheres vissem, se apercebecem, fizessem de mim "um" igual a "elas" mas sem perder as "diferenças". tarde descobri que as mulheres não gostam de homens assim, gostam de crápulas, gajos mal formados, que as tratam mal, que as enganam, infiéis...(bem, não todas...)

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  8. As mulheres também gostam dos pseudo intelectuais, com ares de escritor ou pintor, vestir descuidado mas com roupa caríssima, barba de três dias, ar de abandonado. Cuidado que estes gajos andam à procura de quem lhes lave a roupa...

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  11. Pois, Augusta, tu és das que vale a pena,mas são poucas, a maioria são como eu, gostam de aventura, quanto mais na "corda bamba" melhor...

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  12. Augusta Clara e Luís Moreira, só uma pergunta: o que é que este pedagógico diálogo tem a ver com a literatura de Cabo Verde? Dou-vos uma novidade - o telefone já foi inventado. Outra - o correio electrónico também.

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  13. Então, Carlos, são as emoções suscitadas pelo teu texto.

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