terça-feira, 2 de novembro de 2010

Israel - Memória e responsabilidade histórica

Rui de Oliveira

Na habitual crónica de Esther Mucznik (E.M.) num Público de Agosto passado há uma curiosa reflexão sobre a memória do holocausto e o facto de a maioria dos grandes memoriais (museus e projectos educativos) na Alemanha só ter surgido nos últimos vinte anos, o que a leva a concluir que foi preciso o desaparecimento da geração da guerra para haver comemorações (interrogação acessória seria indagarmos se também entre nós o bloqueio da rememoração antifascista sofre do mesmo mal ?...). Daí E.M. afirmar a certeza de que “a memória só se torna colectiva e consensual quando politicamente inócua … ou seja quando se transforma em memória cultural”.

Contudo o mais curioso da crónica é a “confissão” recolhida da directora do campo de Dachau durante os últimos 30 anos a quem perguntaram : “serve todo este trabalho de memória de lição para o futuro ?” “Não sei”, respondeu, “éramos ingénuos quando clamávamos ‘nunca mais!’… mas não temos alternativa…”. Esta dúvida sincera quando associada ao dado de que 45 por cento dos visitantes do museu judaico de Berlim respondeu afirmativamente à pergunta “Crês que no teu círculo de amigos há pessoas com preconceitos contra os judeus?” pode levar alguns menos “rousseaunianos” a concluir simplisticamente que a espécie humana é má e que não há volta a dar-lhe – tente-se educá-la mas sem grandes esperanças. No entanto uma outra leitura é possível numa perspectiva histórica e essa deve confrontar não só os dirigentes de Israel, como a generalidade dos judeus.

Há certamente uma responsabilidade recente do comportamento das chefias israelitas face aos povos do Médio Oriente e em particular aos palestinianos, para justificar uma falta de simpatia ampla que engloba, porventura injustamente, a generalidade dos chamados “filhos de David”. Aquele comportamento deve ser denunciado e combatido (e está a sê-lo) sem qualquer dúvida. Mas justificar-se-ia também que a comunidade judia se interrogasse se a sua conduta de povo alegadamente “eleito” (embrião detestável do fanatismo religioso), o seu fechamento como comunidade (ilusão perigosa duma “pureza” étnica), a sua atitude de protecção excessiva dos seus membros (na sociedade americana isso é chocante, com todos os vícios das “seitas” ocultas) não contribuiu e continua a contribuir para uma difícil, senão impossível, pacificação com a restante sociedade. E aqui fica a homenagem a todos, como o recém-desaparecido Tony Judt, que souberam, apesar de judeus, distanciar-se, criticando, da deriva sionista.

Não quereria encerrar esta reflexão motivada pela crónica daquela intelectual judia tão cheia de constatações e perplexidades que cremos sinceras sem lembrar que também noutros campos, nomeadamente o islâmico (e o papel “nocivo” da religião volta aqui a preponderar), se verificam idêntico sectarismo e semelhante afirmação de falsa supremacia – só que aos olhos “ocidentais” o preconceito e o ódio, neste caso, aparecem como mais naturais …

7 comentários:

  1. È muito bem visto, há alguns que são melhores que outros mas o pecado é o mesmo.

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  2. mas também é verdade que eu vou ali ao largo de S. Domingos e fico virado do avesso. morreram ali tantas pessoas de diferentes credos e raças, mas o lobby Judeu lá conseguiu o exclusivo pedido de desculpas e a homenagem.

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  3. A minha credibilidade naquilo que essa Senhora escreve é nula, desde há muito tempo.
    Concordo, na generalidade, com o amigo Rui de Oliveira, mas achoa que está a tratar os judeus com paninhos demasiado quentes. O holocausto é uma coisa,outra coisa é o holocausto palestiniano.

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  4. Primeiro que tudo: Olá, Rui! Concordo com tudo o que dizes. Aliás, como é costume, temos uma certa sintonia de opiniões. A Esther Mucznik também sofre um pouco do mal do "povo eleito". Desde a invasão de Gaza que deixei de ter paciência para a ouvir. Não direi que a espécie humana é má mas a Hahhah Arendt lá tinha razão quando falou na banalidade do mal. E estou a ganhar coragem para começar a ler "Pós-Guerra" do Tony Judt. Um abração.

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  5. Parece que sim, que o Tony Judt é obrigatório ler. Trata-se de um judeu com uma visão diferente.

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  6. Esther Mucznik é uma mulher inteligente e já tenho lido textos dela com os quais quase concordo. Porém, quando se refere a aspectos concretos do conflito israelo-árabe, não o dizendo parece, como diz a Augusta,estar imbuída da tal sacralidade que leva os judeus a invocar a shoah para justificar as barbaridades que cometem. Ao longo da história da humanidade nem só os judeus sofreram injustiças e foram vítimas de genocídios. Além do Tony Judt, indispensável, recomendo o livro «A Nação e a Morte», de uma professora de História e Filosofia Política na Universidade de Basileia, Idith Zerthal; outra obra importante é a de Hannah Arendt «Origens do Totalitarismo». Li ambas em edições espanholas. E é muito curioso apreciar a objectividade e o distanciamento com que duas intelectuais judias (de gerações diferentes) analisam o fenómeno da violência. Arendt expõs a sua teoria da banalização do mal, válida para se compreender o terror nazi, a prepotência criminosa com que os Estados Unidos se arrogam o direito de intervir em qualquer parte do mundo, de matar e torturar e explica a violência judaica sobre os palestinianos. Zerthal salienta a recorrência do holocausto no discurso de Estado. Esther Mucznik cujos textos sobre história mais remota revelam apreciável erudição, é incapaz de esquecer a sua condição de judia - os crimes dos israelitas passam, na sua prosa, a actos normais de defesa, mesmo que sejam utilizados tanques contra pedras. É a banalização e a justificação do mal de que Arendt falava. Excelente este texto do Rui de Oliveira porque, não com paninhos quentes, mas com uma linguagem equilibrada e objectiva, põe os pontos nos ii.


    aqui que Zertal conflui com Arendt, no conceito, por esta aplicado a Eichmann, da banalização do mal que leva homens normais a aceitar assassínios em massa. Por alguma coisa Israel tem um arsenal nuclear. Será para responder às pedras da Intifada?

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  7. Quis reduzir a extensão do comentário, e apaguei algumas linhas estas últimas, por lapso, ficaram e compreende-se o sentido do que eu pretendia dizer. Porém, pareceu-me agumentação excessiva. Já ia no Eichmann, que a Hannah Arendt usou como exemplo do funcionário cumpridor que, pela banalização do mal, pela transformação do crime em coisa normal, se transforma num criminoso. Compreender é uma coisa, desculpar é outra. O meu comentário ao texto do Rui termina com os pontos onde devem estar - nos ii.

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