Augusta Clara de Matos
Como a minha apresentação foi reduzida e muitos de nós não nos conhecemos pessoalmente no blog, situação que detesto porque funciona ao contrário do que é habitual entre nós seres humanos, animais de hábitos - primeiro conhecemo-nos, quero eu dizer fisicamente, e só depois nos reconhecemos -, eu vou fazer como o Marcos, pôr-me a nu, e andar no trapézio, o número de circo de que sempre gostei mais, sem rede.
Não é fácil, mas eu quero. E quando uma se me mete na cabeça ninguém ma tira de cá. E, também, porque já fiz coisas mais difíceis e arriscadas e não me aconteceu grande mal, pelo menos visível.
Então lá vai.
Quando eu era pequenina, muito pequenina tive polio. Não vou explicar aqui o que isso é porque não estou a escrever um artigo científico. Mas toda a gente, mais ou menos, sabe as consequências dessa virose aguda na vida das pessoas.
Como dizem os americanos, sou uma “polio survival” tal como era o presidente Roosevelt.
E, então, eu pensei “também quero ser presidente, se ele foi…”. É mentira, não pensei nada, estou a inventar agora.
Ainda nem tão pouco em Portugal se pensava poder vir a ter uma mulher na presidência, quanto mais uma com sequelas de poliomielite. Já o Roosevelt se viu aflito para disfarçar e, apesar de tudo, ainda era homem. Aqui em Portugal, soube mais tarde que o Salazar nem nos deixava ser professores. Esta era, também, uma sequela mas do fascismo.
Não queria ser presidente, queria ser outras coisas, e fui.
Mas, como isto, não é uma autobiografia, apenas um acrescento às minhas notas biográficas, vou dizer só o essencial.
Fui andando e cheguei à universidade com a intenção de me dedicar à investigação científica na área da Biologia. Podia ter ido para Medicina porque foi a esse curso que fiz o exame de admissão. Mas tratava-se, apenas dum truque usado naqueles anos pelos candidatos a Biologia porque os exames em Medicina, com as mesmas cadeiras nucleares, eram mais fáceis e a malta candidata a bióloga pedia depois a transferência para a Faculdade de Ciências.
Fosse hoje, teria lá ficado e estava agora a competir com o Adão na área das Neurociências.
Tinha tantos sonhos, então, que até sonhava ganhar o Nobel.
E a vida continuou com as peripécias do costume no meio das quais aconteceu a Revolução de Abril – esta não do costume, evidentemente -em que me envolvi até ao pescoço e que me fez atrasar o fim do curso. Mas foi, sem dúvida, a época mais feliz da minha vida.
Trabalhei num laboratório do Estado onde fui investigadora e fiz o equivalente a doutoramento. E digo o equivalente porque, embora em tudo igual às exigências e à situação profissional dos doutorados na universidade, o, na altura, primeiro-ministro Cavaco Silva teve a brilhante ideia de não deixar circular os investigadores entre os Laboratórios do Estado e a Universidade.
Não cheguei a Roosevelt mas, também, não queria. Só queria ganhar o Nobel e ser feliz que, no fundo, é o que toda a gente quer.
Não ganhei o Nobel e a felicidade é muito subjectiva e saltitante. E nunca é eterna.
O resto da história não conto. Faz parte da minha vida privada que nunca gostei de ver na praça pública, embora alguns episódios, esses sim, dessem verdadeiras obras de ficção.
Ficam para quando eu me tornar escritora.
sábado, 6 de novembro de 2010
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És uma "mulher coragem" e inteligente e bonita que eu bem vi os teus olhos na foto. De qualquer forma, como já percebeste há muito a esmagadora maioria teve "polio" nos neurónios...
ResponderEliminarAhahaha! É que os neurónios também entram nesta história :)
ResponderEliminarLuís, desculpa rir-me e obrigada pela tua simpatia mas achei graça porque o vírus da polio afecta mesmo neurónios, sobretudo os ligados ao sistema motor.
ResponderEliminarUm beijinho, Augusta Clara. Este texto autobiográfico é uma autêntica certidão de corajosa integridade.
ResponderEliminarum grande beijinho e ... que continuem a existir sonhos.
ResponderEliminarmaria
Eu sei, mas referia-me aos neurórios que o Adão coloca muitas vezes aqui a descoberto. Os da imbecilidade...
ResponderEliminarBeijos a vocês e está tudo apresentado.
ResponderEliminarSó agora pude ler o teu belíssimo texto, Augusta, depois de ajudar a deitar os netinhos.
ResponderEliminarSe sentiste a revolução de Abril como a época mais feliz da tua vida, que melhor Nobel querias tu, Augusta? Falo a sério e com emoção. Podiam dar-me todos os Nobel, que eu não os trocaria pela dádiva de, como tu, reconhecer a revolução de Abril como a época mais feliz da minha vida. Para além disso tens uns olhos bonitos.
Junto ao rio dos teus olhos
há sempre um poema
que tem o sabor da amora
o perfume das palavras
o som de um violino que chora.
Uma das grandes alegrias da minha vida. 25 de Abril, sempre!
ResponderEliminarAinda tenho que voltar aqui a agradecer as palavras e o lindíssimo poema do Adão.
ResponderEliminarSó agora cheguei a casa e pude ler o teu texto, Augusta.
ResponderEliminarParabéns por esta linda nota biográfica.
Obrigada, Zé :)
ResponderEliminarPois eu agradeço-te por partilhares connosco esta biografia, nesta tua forma que eu, mesmo sem conhecer-te, já reconheço como franca e plena de coragem. Um beijinho
ResponderEliminarEste texto é mais uma flor a acrescentar ao ramo das tuas palavras sempre solidárias e atentas às palavras dos outros.
ResponderEliminarUm beijo Carla e Eva
ResponderEliminarNão sei como é que este texto me escapou, talvez por ter saído no sábado.
ResponderEliminarAugusta, não te conhecia e já gostava de ti, agora que te "vejo" um bocadinho atrás do véu, ainda gosto mais...
Fervilhas energia e coragem... como eu gosto!
E se não ganhares um Nobel (a vida é longa...) ganhas o prémio da vida: viver muito!
Um beijinho!
Minha querida Andreia, eu não tinha visto este teu comentário. E como eu gosto de ti já tu sabes. Um beijinho grande.
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