António Gomes Marques
Em Outubro de 2009, por fim, foi lançado o livro «Teatro Moderno de Lisboa (1961-1965) Um Marco na História do Teatro Português», livro este que se muito deve ao seu organizador, Tito Lívio, não teria sido possível sem o contributo da grande Senhora do Teatro Português, Carmen Dolores.
O ano de 1961 é recordado na História Política de Portugal pelo assalto de Henrique Galvão ao navio Santa Maria, pelo início da guerra colonial, pelo frustrado golpe de estado do general Botelho Moniz, pela invasão das colónias portuguesas da Índia e também, de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro de 1962, pelo fracassado assalto ao quartel de Beja, como bem lembra Luís Francisco Rebello, no prefácio que escreveu para esta edição. A estes acontecimentos, teremos de juntar um outro facto de enorme importância para a História do Teatro Português e da Cultura em Portugal – a fundação do Teatro Moderno de Lisboa.
Da edição faz parte um pequeno testemunho da minha autoria, que de seguida dou a conhecer:
…e assim nasceu uma paixão pelo Teatro
Corria o ano de 1961 e eu, no romantismo dos meus 15 anos, vivia entre o liceu e o Cine - Clube de Torres Vedras. Era a paixão do Cinema, mas era também o nascer da consciência de que um futuro melhor poderia depender da minha praxis, termo este de que, na altura, desconhecia o significado, mas não tinha dúvidas qual o lado da barricada por que devia optar. A vida tem-me ensinado que a natureza humana não se caracteriza com este simplismo, que há factos que vivemos que são determinantes para o nosso futuro e, para ir direito ao assunto, a minha experiência com o Teatro Moderno de Lisboa é um desses factos, tendo contribuído, nomeadamente, para passar a ter mais dúvidas em vez de tantas certezas, naturais num jovem de 15 anos. Vejamos como aconteceu:
O Cine – Clube de Torres Vedras era uma associação activa e com um forte apoio da população da então Vila, o que trazia à sua Direcção mais responsabilidades, activismo esse de conteúdo bem político e, naturalmente, de clara oposição ao regime salazarista. Para além de dar a conhecer algumas preciosidades da cinematografia mundial, que a feroz censura ia deixando passar com algumas graves mutilações, havia a preocupação de organizar outro tipo de sessões, como colóquios, projecção de filmes para crianças, etc., sessões essas que juntavam, geralmente, mais de mil pessoas. Um desses colóquios foi com o Rogério Paulo, contacto habitual da Direcção da associação e de todos os que ali davam o seu contributo e que viria a proporcionar o início de uma forte amizade que nos uniu até ao seu prematuro desaparecimento. Esse colóquio foi precedido da projecção de um célebre filme sobre o TNP, de Jean Vilar, de que mantenho bem vivas as imagens de Gérard Philipe na personagem do Príncipe de Hombourg, de Heinrich von Kleist, e de Maria Casarès, na personagem de Lady Macbeth, imagens estas que criaram em mim uma apetência pelo Teatro, arte esta que, até aí, mais não era para mim do que a récita que precedia o baile de finalistas do liceu. A este colóquio seguiu-se a ida a Torres Vedras do Teatro Moderno de Lisboa, em colaboração com o Cine – Clube e de novo em diálogo com Rogério Paulo, com o primeiro espectáculo desta sociedade de actores: «O Tinteiro», farsa de Carlos Muñiz, em que Armando Cortez, numa interpretação sublime, vivia o drama de Crock, o empregado de escritório que nos mostra o mundo laboral que o (nos) oprime e que constituía um profundo libelo contra os subservientes burocratas para quem as ordens superiores estão acima de qualquer outro tipo de consideração moral, constituindo para mim, este espectáculo, o passo decisivo para relegar o cinema para um patamar inferior, embora muito importante, nas minhas apetências culturais e ...e assim nasceu uma paixão pelo Teatro!
E foi esta paixão que me levou também à amizade com Costa Ferreira, com Luís Francisco Rebello e com Bernardo Santareno, Rui Mendes, Irene Cruz, João Lourenço, Morais e Castro, Armando Caldas, José Peixoto, Maria Emília Correia, e tantos outros; que me levaria à criação, com outros companheiros de profissão, de «Os Hipopótamos – Grupo de Teatro dos Trabalhadores da CGD»; à criação, com outros militantes do teatro, da APTA – Associação Portuguesa do Teatro de Amadores (na clandestinidade) e à Presidência da sua Direcção durante quase 6 anos após 1976.
O Teatro, graças ao Teatro Moderno de Lisboa, passou a ser para mim a primeira das artes, a que dialoga com todas as outras; a arte que me mostra que a verdade é uma busca constante, de verdade em verdade, sem me impor uma; que me mostrou e mostra que a vida se constrói no respeito por valores, pelo outro e pela diferença; que me ajudou a compreender que a actividade humana tem que ser tomada como actividade objectiva no sentido em que não é apenas capaz de intervir no real como também de transformá-lo. É por esta transformação que também o Teatro, hoje, me ajuda a lutar.
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