segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Noctívagos, insones & afins - A respeito dos factores de risco - 2



Adão Cruz

Tudo isto vem a propósito dos Factores de Risco das doenças dos nossos dias, sobretudo das doenças cardiovasculares. Doenças a que os ricos e poderosos, os políticos, os corruptos, os senhores das grandes fortunas, muitos deles vivendo do sangue dos outros, os homens sem raízes no coração da humanidade, não estão imunes, por mais caras que paguem as radiografias dos seus corpos e das suas almas. Serão pura e simplesmente estúpidos, se pensarem que os males sociais, de que são em grande parte responsáveis, não lhes tocam, a eles, aos seus filhos e aos seus netos.

Sabemos que são vários os comportamentos, no que respeita ao estilo de vida, capazes de promover o desenvolvimento das manifestações clínicas de muitas doenças, sobretudo das doenças degenerativas, cardiovasculares e outras. Hiperalimentação e dietas pouco saudáveis, dislipidemias, sedentarismo, obesidade, hipertensão, diabetes, tabagismo etc. Inúmeros estudos se têm debruçado sobre estes factores de risco, amplamente divulgados por tudo o que é revista científica ou de cabeleireiro, e por toda uma comunicação social interessada em transmitir ideias e imagens ditas modernas mas que não façam ondas, cumprindo os desígnios de quem a comanda e os desígnios dos poderosos encomendadores de notícias, mais interessados numa desinformação ignorante e acrítica do que na séria elucidação das pessoas. Já se torna redundante e fastidioso. Mas sabemos que tudo isto traz água no bico.

A medicina actual tende a identificar prevenção e terapêutica com fármacos, ficando cada vez mais dependente da indústria farmacêutica e mais enleada nos seus pressupostos. A interdependência entre a indústria e a ciência médica é um facto incontestável, e tudo isto não seria negativo se não fosse perverso e não procurasse transformar os médicos em assessores da indústria farmacêutica; médicos e associações médico-científicas, as quais, na aparência, assentes nos contributos monetários dos seus membros, nunca sobreviveriam sem a substancial ajuda financeira das empresas farmacêuticas, venerandas catedrais de uma investigação tão vanguardista quanto astuciosa e estratégica.

Não há, hoje em dia, congresso, simposium ou seminário que não tenha como objectivo principal a divulgação de estudos e trabalhos que levem à promoção e venda de remédios e aparelhos. Toda a constelação de iniciativas humanitárias e campanhas de sensibilização e rastreio, não passam de eufemismos e processos de convergência para fins que nada têm a ver com a preocupação da saúde da humanidade. As associações médico-científicas, que deveriam ser o mais autónomas e independentes possível, são as ideais correias de transmissão, credibilizadas por uma informação e por uma autoridade, em termos científicos e de investigação, que lhes é, tacticamente e quase exclusivamente fornecida pela indústria.

Torna-se triste ver e ouvir palestrantes de congressos debitar como papagaios sabedorias que não têm, e nada mais são do que recados ou mera transmissão da investigação dos outros, nem sempre credível do ponto de vista da moral científica e do bom-senso. Surgem, como conferencistas, em matérias que nunca investigaram, e assinam, muitas vezes a troco de benesses, por vezes luxuosas, os resultados que lhes impõem. E Portugal é fértil neste tipo de gente, a despeito de haver muitas e dignas excepções. São os recrutados da Opinion Leader Management. Todos sabemos que muitos dos artigos científicos das melhores revistas médicas constituem a melhor arma dos vendedores de doenças e terapêuticas, artigos especializados, aparentemente objectivos e independentes. Mas também não ignoramos que muitos deles são estrategicamente planeados, encomendados, por vezes manipulados e ajustados, factos, aliás, já denunciados por reputadas revistas médicas.

O professor de Biostatística da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, António Gouveia, lançou o alerta perante uma assembleia de médicos, dizendo que os ensaios clínicos usam truques estatísticos para forjar resultados. Apresentando vários exemplos, ele diz que, do ponto de vista metodológico, os estudos parecem impecáveis, mas fazem aparecer resultados que não existem, estando o segredo no desenho e na condução desses mesmos estudos.

(Ilustração de Adão Cruz)


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