terça-feira, 16 de novembro de 2010

Porque não acede o Saará Ocidental à independência?

João Machado






A comunicação social trouxe várias notícias sobre os graves incidentes ocorridos a semana passada, quando forças marroquinas, usando de grande violência, desmantelaram um acampamento sarauí situado em Agdayam Izik, a pouco mais de quinze quilómetros de El Aaiún, a capital do Saará Ocidental. Estavam ali instaladas cerca de 25000 pessoas, e houve um grande número de vítimas entre elas, segundo informações fornecidas pelas duas partes, entre mortos e feridos. Estarão milhares de pessoas detidas. Este acampamento tinha sido montada cerca de um mês antes, para lançar um protesto pacífico pedindo a autodeterminação do território e melhoria das condições de vida das populações. Abaixo mostramos uma fotografia deste massacre.



Segundo o Expresso de 13 de Novembro, Aminatu Haidar, activista dos direitos humanos sarauí, e que esteve em Portugal a semana passada, informou que a situação poderá descambar em guerra civil. Diz ainda estar muito desiludida com a União Europeia, que mantém o silêncio sobre a situação, apesar de instada a pronunciar-se. O Público, o Esquerda.net, e a Associação de Amizade Portugal - Saará Ocidental informaram que, entretanto, Marrocos restringiu o direito à informação na zona, expulsou vários jornalistas espanhóis e deportou para Casablanca a deputada alemã Sevim Dagdelen, pertencente ao Die Linke, e à comissão de relações externas do parlamento alemão. E Espanha, antiga potência colonizadora, apesar de contar um cidadão seu entre os mortos, recusa-se a condenar a acção das autoridades marroquinas, atitude esta que não será estranha aos interesses que tem na zona.

O Saará Ocidental fica a sul de Marrocos e a norte da Mauritânia, com a Argélia para oriente, tem uma costa extensa, e uma superfície de cerca de 266000 quilómetros quadrados. A sua população rondará o meio milhão de habitantes, segundo as estimativas existentes, sendo preciso ter em conta que há muitos refugiados nos campos de Tindouf, na Argélia, e que, por outro lado, Marrocos tem procurado fomentar a vinda de colonos marroquinos. Os sarauís são descendentes dos berberes, antigos habitantes do Norte de África, tendo sofrido ao longo dos séculos influências árabes e dos povos africanos que vivem mais a sul. São claramente um povo distinto dos marroquinos. O território é desértico, e a população vive em comunidades nómadas, excepto nas zonas mais férteis. Há explorações de fosfatos e minas. O mar é rico em peixe, havendo um acordo com a União Europeia para a sua exploração.



Na segunda metade do século XIX ocorreu um processo de apropriação dos países africanos pelas potências europeias, que culminou na conferência de Berlim (1884-85). Então à Espanha coube o Rio do Ouro que, com o Saquia-al-Hamra, veio a formar o que hoje é chamado o Saará Ocidental. Os espanhóis governaram o território, na altura conhecido pelo Saará Espanhol, com vários episódios de repressão, até que nos anos sessenta começaram a haver levantamentos, encabeçados pelo Frente Polisário.

Havendo, a partir da Segunda Guerra Mundial, um contexto geral no sentido da concessão da independência às colónias, o Saará Ocidental foi colocado pelas Nações Unidas na lista dos territórios a descolonizar, tendo sido reclamada a realização de um referendo no sentido da autodeterminação. Mas em 1975, na agonia do regime franquista, a Espanha fez um acordo com Marrocos e a Mauritânia, segundo o qual os dois países dividiam entre si o território sarauí, ficando o primeiro com cerca de dois terços, a norte, e o resto para o segundo. Ficou com direitos na exploração de fosfatos e na pesca.

Entretanto, o Tribunal Internacional de Haia reconheceu em 1975 o direito dos sarauís à independência. Estes, em Fevereiro de 1976, proclamaram a República Árabe Sarauí Democrática (RASD), que já foi reconhecida por mais de cinquenta países.

Ainda em 1975, Marrocos promoveu uma chamada marcha verde, instigando centenas de milhares de cidadãos seus a invadir o Saará Ocidental. Contra isto rebelou-se a Frente Polisário, que conseguiu derrotar a Mauritânia e obrigá-la e reconhecer, em 1979, a independência da RASD.

Mas Marrocos, país muito mais poderoso que a Mauritânia, e com grandes ambições territoriais, que parecem mesmo estender-se à Península Ibérica, conseguiu ocupar a maior parte do território, graças à sua superioridade militar, e à indiferença internacional. As tentativas de mediação, promovidas pela ONU falharam sucessivamente, com relevo para a encabeçada pelo americano James Baker que, em 2003, conseguiu que a Frente Polisário aceitasse o princípio de uma integração em Marrocos por cinco anos, ficando com autonomia administrativa. Findo este prazo, far-se-ia um referendo. Este projecto esbarrou com a intransigência de Marrocos, que obviamente julga que o tempo trabalha a seu favor. As graves insuficiências democráticas dominantes neste país, onde o respeito pelos direitos humanos e pelo direito internacional parece ser bastante limitado (recorde-se o caso Ben Barka), fazem temer que incidentes como o da semana passada se repitam, cada vez mais graves.

É lamentável também a posição da União Europeia, que põe os seus interesses económicos à frente da defesa dos direitos humanos. O mesmo faz a Espanha, assim como a França, também antiga potência colonizadora de Marrocos. A Alemanha, chefiada pela Senhora Merkel, agora parece mais interessada em salvaguardar a matriz cristã da Europa, o que possivelmente a leva manter-se fora da questão. Salve-se a posição da deputada Sevim Dagdelen. Contudo, haveria que não perder de vista que, até à data, a Frente Polisário parece longe do extremismo da Al Queda ou de outras organizações similares. Será que esperam que os sarauís, tradicionalmente moderados, e ciosos apenas da sua independência, procurem apoio por essas bandas, para depois os condenarem como fanáticos, tal como aos palestinianos? Há uma grande falta de visão política nesta posição, para além do mais.

E Portugal? Que espera para condenar a posição marroquina? Será que a semelhança da opressão a que os sarauís estão sujeitos com o caso de Timor não salta á vista? Os sarauís são um povo com individualidade própria, que merecem ajuda. A perseverança que mostram na luta pela independência, a maturidade que têm mantido na defesa dos seus direitos, merecem todo o nosso apoio. O Saará Ocidental é a última colónia de África. Há cinquenta anos que espera pelo referendo sobre a sua autonomia. É importante contribuirmos para a sua realização.


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