segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Teatro do absurdo - algumas reflexões - (I)

Paulo Rato

Só num outro artigo me será possível "comentar" o artigo do Carlos Loures e os comentários que suscitou.
Começarei, no entanto, pelo lamento da Augusta Clara sobre os poucos participantes em certos debates.
Creio que a estrutura dos blogues dificulta, ela própria, estes debates: cada "página" é tão depressa "ocupada" que, em poucas horas de uso blogueiro, atingimos o recado fatal: "mensagens antigas". Ora, quantas vezes não chego, sequer, a saber se um comentário meu teve continuidade, porque me impaciento com o tempo improdutivo que já gastei, após navegar por uma, duas, ou mais dezenas de páginas, sem encontrar vestígios do artigo comentado?

Apesar de não ser tão participante como gostaria, estou certo de que diversos comentários que já coloquei no blogue, contendo ideias, argumentos, raciocínios que (valessem o valessem) seriam adequados, por exemplo, a "este" debate, não foram lidos, por terem chegado "fora de prazo", pela maior parte, senão por todos os meus companheiros de bloguice.


Vou repeti-los, de cada vez que essa adequação se renova? É claro que não: corro o risco de me plagiar a mim próprio e de maçar quem, eventualmente, os tenha já lido.

Não sei como se resolve este problema ou se é resolúvel (cheira-me que nem por isso...), mas algumas vezes, quando avalio que já foi ultrapassado "o tempo limite", simplesmente não me disponho a entrar num debate que, entretanto, estou quase certo de que já faleceu... de velhice temporã.
Enfim, desta vez arrisco mesmo, seguindo a ordem "artigo, comentários", para não me perder.

I - A propósito do artigo do Carlos e da sua redução da acção manipuladora à televisão, reproduzo um texto suscitado por uma intervenção do Adão Cruz (com um pequeno acrescento):

- Nada de novo à face da terra: os povos são ignorantes porque as classes dominantes tudo fazem para que assim aconteça. Mesmo quando fingem o contrário, através dos seus lacaios, que assumem, à vez, a gestão do Estado.

Marx dixit (não exactamente assim) e, século e meio depois, continua a ter razão.

Na manutenção do "status quo", têm a cumplicidade dos grandes meios de comunicação, particularmente a TV, mas também as rádios e os jornais, as revistas económicas ou cor-de-rosa...

Nem vale a pena repisar a evidência dos programas televisivos imbecis, incluindo as longas horas futeboleiras.

Os novos jornalistas saem, em esmagadora maioria, cada vez mais robotizados dos "cursos superiores" que lhes inventaram e onde só aprendem alguma coisa, a muito custo, os raríssimos que, efectivamente, querem exercer a profissão a sério. Pois se o canudo é certo, mesmo para quem não sabe exprimir-se capazmente na língua pátria (alguns até terão como professor o "escritor" Rodrigues dos Santos...)! O que não é nada certo é que esses raríssimos venham a ser escolhidos para desempenhar a profissão: direcções e chefias medíocres e disciplinadas sabem garantir o quanto baste de qualidade que lhes dê "estatuto", sem causar incómodos.

Alguns "media" arvoram uns (poucos!) colaboradores da esquerda a sério, para compor o ramalhete da "democracia". Mas há muitos modos de os esconder. P.e.: esse comuna do António Vilarigues vem desvelando, no "Público", umas verdades incómodas, como a previsão dos perigos da "bolha imobiliária" por economistas do PC, desde 1997! Seria de esperar que os Medinas Carreiras, Pachecos Pereiras e outros que tais contrariassem os seus argumentos, pois o rai' do comuna "não pode ter razão". Mas... reina o silêncio nas hostes carreiristas! Porquê? Porque responder-lhe, ou a outro análogo, seria chamar a atenção dos leitores para o que escreve(m)!

E isto multiplica-se, com inúmeras variações, face a qualquer intervenção que perturbe a superfície inerte e fétida do pântano.

Não chamaria "estupidez" aos resultados desta acção na "gente comum": a inteligência desenvolve-se com o seu uso, com a aquisição de conhecimentos que ao povo são negados pela acção atenta e vigilante de sucessivos "ministros da educação", pela construção individual (impossível em tão precárias condições) de uma "grelha crítica" que possibilite a multiplicidade das ferramentas a utilizar na apreciação dos fenómenos políticos e sociais. E não há milagres: no pântano, as flores são raras... -

II - Só mais algumas observações, neste primeiro arrazoado:

- Não sei o que é o "socialismo real" (embora a expressão seja muito usada, como outras de significado igualmente nebuloso ou nulo). Vi algumas aproximações muito circunscritas, mas onde talvez exista algo de mais parecido é em Cuba (por muitos engulhos que cause aos grandes defensores das "liberdades", que não devem esquecer-se daquele embargo económico mui democrata, iniciado por Eisenhower e alargado por aquele rapaz Kennedy - tão simpático! -, da invasão da Baía dos Porcos e mais alguns empurrões, igualmente democoisos, que levaram os cubanos a procurar a ajuda de que os fizeram, depois, réus; hei-de "postar" um poema, muito jeitoso e a propósito, do Jorge de Sena).

Não vejo razão para o Socialismo, como objectivo a alcançar e sem adjectivos, se esfumar.

- Sou absolutamente contra o "terrorismo", que tem como principal objectivo intimidar populações civis, atingindo indiscriminadamente uma esmagadora maioria de inocentes: não há nenhuma razão que justifique este tipo de práticas que, de resto, mostram apenas que os seus autores e defensores são iguaizinhos aos opressores que dizem combater, até no pormenor de os "mandantes" nunca fazerem o que mandam os outros fazer - não estou a ver o Bin-Laden a aprender a pilotar aviões comerciais... Admito, naturalmente, a resistência armada, em acções de guerra ou guerrilha, em que estejam em causa objectivos unicamente militares. E não tenho telhados de vidro: a ARA, braço armado do PCP, antes do 25 de Abril, sempre agiu de acordo com estes princípios.

- "Esta" globalização, tal como sempre foi conduzida, pelos mesmos senhores do costume, corresponde à que foi prevista teoricamente por aquele chato do Karl Marx (mais um Carlos...) no Manifesto do Partido Comunista, de... 1848: «A necessidade de um mercado em constante expansão para os seus produtos persegue a burguesia por todo o globo terrestre. Tem de se fixar em toda a parte, estabelecer-se em toda a parte, criar ligações em toda a parte.»; e «A burguesia, pela sua exploração do mercado mundial, deu uma forma cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países.»

Apesar de me andar a apetecer mais ler poetas e romancistas, se quiserem mais, é só pedir. O malandro deste Karl não é bem o que os "bonzos" que por aí pululam querem vender...

- Os monstros criados pelo capitalismo não se ficam pelos apontados pelo Carlos (Loures!...). Há outros: o desemprego, a insegurança laboral, a acentuada degradação das leis do trabalho, proporcionando condições que já davam para romances como os do Zola ou do Dickens, trabalho escravo (que já existe, bem ao pé de nós: eu tive um escravo da ZON cá em casa, que trabalhou e não foi pago), tudo em nome de um emaranhado de leis económicas a que é preciso "obedecer" (se calhar vêm na Bíblia...) e que são tão verdadeiras como a minha avó ser o Marx (o Groucho).

- Ó Carlos (Loures...): violadores, pedófilos e outros "tarados" é que não me parece que tenham alguma coisa a ver com o capitalismo! Suspeito que são mesmo produto da "evolução natural". Historicamente, sabe-se que a "valorização" de mulheres e crianças (com agravantes do género das sociedades de castas, escravatura, privilégios ditatoriais de "patres familias",...) andou sempre próxima do zero, com raríssimas excepções. E não consta que o "direito de pernada", atribuído aos senhores feudais, tenha sido ideia de algum capitalista "avant-la-lettre".

(Há-de continuar...)

12 comentários:

  1. Há-de continuar e muito bem, porque tais textos são preciosos e indispensáveis para pormos as coisas no seu lugar. Admiro a sabedoria do Carlos Loures e gosto muito dos seus textos. No entanto, há algumas pequenas coisas, essencialmente políticas, em que desafinamos ligeiramente. Como essa do socialismo real, do capitalismo de Estado, da morte do socialismo. Estou mais na linha do amigo Paulo Rato no que respeita a estas questões. Um abraço

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  2. Meu caro Paulo, espero pela continuação para responder. No entanto, por favor, não uses argumentações de catequese. Quando se diz socialismo real, sabemos do que estamos a falar, quando dizemos capitalismo, também, o mesmo para estalinismo - isto é numa troca de impressões que viermos a ter não me corrijas de cada vez que eu não usar a expressão que consideras correcta. Um padre que dialogue comigo não me pode exigir que empregue os termos exactos da vulgata. Faz um esforço a compreender o que eu quero dizer e eu farei a outra metade do caminho. No resto, tudo bem, como dizem os nossos irmãos brasileiros - cá estamos para debater ideias, mas não perdendo tempo com (desculpa lá) truques de sacristia.

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  3. Desculpa, Adão, mas o texto do Paulo hoje é um sarcasmo baralhado. Eu, pessoalmente, aprecio muito quem tem humor mas detesto sarcasmo. Quem não tivesse lido os textos do Carlos, não percebia ao que é que o Paulo se estava a referir. Eu li-os todos, são muito bem elaborados, têm as ideias todas explícitas. Não percebo donde vem ou a quem queres atribuir, Paulo, as classificações de chato e malandro ao Marx. Por certo não a alguém que esteja neste blog. Vale discutir ideias, não vale usar de má fé.

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  4. Ó Paulo, ando a ler e a ouvir o Carlos (Loures)há 30 anos e nunca lhe vi recuos nem intransigências e, podes crer, que eu passei 50% desse tempo a concordar com ele e o restante a não concordar .Por isso, e tal como ele diz, não "metas a sexta" porque com ele não vais longe.Nem comigo.Sabes, dos amigos comunistas que tenho, e são muitos, nenhum se mexeu um milimetro da "cartilha". Mesmo perante o desastre anunciado da URSS e de Cuba, é como não ver, ouvir ou falar. Não mexem!!(ponto!)

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  5. Augusta, sinceramente não atinjo. Por vezes sou ingénuo. Tenho lido todos os magníficos textos do Carlos Loures e tenho-lhe manifestado sempre a minha adesão e admiração sinceras. Por falta de formação especializada em política, falo muito pelo que sinto. O que eu digo é que não sei o que é o socialismo real a que se referem, o que eu sinto é que o socialismo não morreu e é nele que acredito como única alternativa. Várias vezes o Carlos Loures me tem dito que estamos na mesma linha, com alguns pontos de vista diferentes. Penso que é mesmo assim. E por serem alguns desses pontos de vista diferentes, aqueles que o Paulo Rato me parece querer destacar, eu disse que os apoiava e que estava nessa linha. Quanto ao resto, sarcasmos, catequeses e sacristias, são assuntos de entrelinhas que eu, por não conhecer as vossas relações e por não ter a vossa perspicácia política, não atinjo.

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  6. Não, meu querido amigo, não são entrelinhas. São coisas que estão bem nas linhas. Já li textos do Paulo de que gostei, mas deste não gosto, sinceramente. E já expliquei porquê. A ti nunca te vi usar esta forma por muito que, às vezes não concorde com certos pontos que defendes. Não vamos repisar no assunto, está bem? Quando o Paulo continuar, voltamos a falar.

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  7. Resposta 1, para Todos - Nada do que escrevi é deliberadamente agressivo, em relação a qualquer dos meus companheiros de blogue. Mesmo algumas "alfinetadas" são, sinceramente, afectuosas. E as referências mais sarcásticas têm como alvo precisamente o tipo de informação que se procura impor na sociedade, um "pensamento único", um rol de falsas evidências que é absorvido e divulgado pelas classes dominantes e por profissionais dos "media" incapazes de as questionar. São eles que reduzem o Marx a uma espécie de manipanço, cujo verdadeiro pensamento desconhecem; são eles que "interpretam" o que se passou em Cuba (que eu sei que não é o Paraíso), ocultando a História; e muitos etcs. Pensei que isso fosse fácil de entender, porque não acredito que algum de nós não tenha a consciência de que o Estrolábio não é (felizmente) lido apenas pelos seus colaboradores: quando escrevemos, fazemo-lo para um universo cerca de dez vezes superior ao nosso grupo (em média diária), segundo o Carlos.
    Há também uma questão de estilo a que, se fugisse, passava a ser calculista, deixando de ser frontal. Além de sempre ter sido um indefectível admirador de Swift, da sua ironia e do seu sarcasmo (de que o nosso Fernão Mendes Pinto anda pertíssimo...) Tenho esperança de que, quando me conhecerem melhor, aceitem esse estilo, sem deixarem de repontar, quando considerarem que abusei, porque nunca tomei uma crítica séria, mesmo que a considere injusta ou incorrecta, como manifestação de acinte, muito menos de inimizade. E sei que não sou infalível, isto é, não sou parvo nem Papa. Também não faço proselitismo, muito menos quando tenho sérias divergências de interpretação, teóricas e históricas, com o PCP, a que continuo a pertencer (porque, na acção prática, acho que não há substituto). Mas tomarei sempre um debate como lugar de esclarecimento mútuo dos seus participantes (e quem mais vier) e, com um pouco de sorte, construção e moldagem de novas ideias e ideais. Não como um muro de lamentações sobre o que está mal, sem cuidar de encontrar as causas, os percursos, as intenções e objectivos; e, se possível, alguns remédios.
    Paulo Rato

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  8. Não há problema nenhum, Paulo. Está tudo bem. Eu também gosto de ironizar e também abuso, por vezes. O que te disse no meu comentário é que não aceito, numa polémica ou numa divergência ideológica, a terminologia que o intelocutor entenda como correcta - quando digo o regime fascista de Salazar, se percbem o que eu estou a dizer, porque é que corrigem - para regime corporativista. Ora quando se diz socialismo real, toda a gente sabe que se está a falar das experiências socialistas da URSS e dos outros estados que procuraram implantar o sistema comunista. E não me refiro a mais nada do que dizes, embora ache que distorceste o que defendi noi meu artigo - vou esperar pelo tal II texto. Um abraço, Paulo.

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  9. Carlos: outra tineta minha, que eu sei que é chata, é a mania do rigor: rigor de conceitos e não de catequeses ou vulgatas ou cartilhas. Eu sei que chego a ser obsessivo (o meu herói televisivo, além do Jon Stewart, é... o Mr. Monk), mas não deixo que o poder se aproprie das palavras, como aponta o Josep Vidal, sem dar uma luta danada! Se nós cedemos, nesse e noutros pontos, então estamos a deixar-nos "ir na onda"... estamos a permitir que nos vão conduzindo para o terreno onde, afinal, nada se passa e nada se põe em causa. E quanto mais estima tenho por alguém (como sabes que tenho por ti - e ai de ti, se duvidas!), mais me danam essas "colaborações" involuntárias. Daí também recordar Marx, como excepcional pensador e filósofo que foi, não como mentor do comunismo. Perante a ignorância e/ou vigarice dos economistas "mainstream" que nos matracam as cabeças, como nos defendemos? Quantos de vós conheciam (e não condeno ninguém pelo desconhecimento - sabemos todos tão pouco, e o que cada um sabe resulta de tantas e tão variadas opções...) ou recordavam as palavras de Marx, que citei apenas para situar as coisas. Há quanto tempo nos apresentam a "globalização" e as "deslocalizações" como fenómenos caídos do céu, cujas consequências temos de aguentar, sem que se veja mais que ladainhas de lamentações de governos nacionais e, sobretudo da UE, em vez de acções, legais e políticas, que defendam, de facto, os povos que dizem representar? Tudo (mais os "mercados") como se fosse uma fatalidade, independente das criaturas humanas que intervieram no "tudo", com muita ganância e nenhum respeito pela dignidade do Homem? É importante saber que um filósofo do século XIX o previu, teoricamente, ou tanto faz? É importante partilhar as informações e conhecimentos que cada um foi adquirindo, ou decidimos que tal coisa é "catequese"? Onde é que está o truque de sacristia ('tás desculpadíssimo, não tenho essas susceptibilidades).
    Creio que não te importas de ter chamado a atenção para mais alguns "monstros", além dos que citaste.
    De resto, só há um trecho em que brinquei mesmo contigo (o dos pedófilos e afins), mas é mesmo um exagero, Carlos! Também o capitalismo não tem culpa de tudo! Quanto à difusão do tráfico e consumo de droga, ladroagem, corrupção, assassínios, aí sim, estamos plenamente de acordo: quanto maiores a miséria e os exemplos de amoralidade das "classes superiores", maior o encorajamento da marginalidade. Para comportamentos (que o Adão Cruz, como médico, explicará melhor) individualmente desviantes e, não raro, encorajados por sociedades que nem sequer os consideravam condenáveis, a história é bem mais longa! Desculpa o "estilo", se for caso disso... mas acho que te deixaste entusiasmar: se a vítima morresse disso, até te apoiava; mas não morre...
    Paulo Rato

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  10. Companheiros,
    Hoje não vou ter tmpo para mais intervenções. Tinha escrito um comunicado para o meu Sindicato, numa PEN que não sei onde deixei ficar. Vou ter de reconstituí-lo esta noite.
    Peço desculpa a todos.
    Paulo Rato

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  11. Mais uma vez, Paulo Rato, na generalidade afino pelo mesmo diapasão.

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  12. Paulo, isto não foi um incidente diplomático.Decorreu, apenas, do hábito que temos aqui no blog de expressarmos livremente as nossas opiniões sobre o que cada um publica. Muitas vezes, quando não gosto do que leio, não emito opinião - a contrária não é. de modo algum, verdadeira -, mas desta vez apeteceu-me porque se tratava dum assunto em cuja discussão já tinha entrado: os textos do Carlos Loures.
    Não vou, agora, ser hipócrita e dizer que gostei deste teu texto. Mas, como neste blog não se entra sem alguma afinidade com os ideais gerais do conjunto, eu considero que somos um grupo de amigos e, entre amigos, se nunca houver discordâncias, alguma coisa não bate certo. Continuemos lá, então, a discutir, sempre que acharmos que vale a pena. Um abraço.

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