terça-feira, 16 de novembro de 2010

Teatro em Portugal / Teatro Português (5)


António Gomes Marques
(Conclusão)


VIII

Não posso finalizar esta minha comunicação sem falar de algo que me é muito caro: o Teatro de Amadores, servindo-me de partes do que já, em tempos, escrevi sobre esta matéria.

Falar de Teatro de Amadores (e não Teatro Amador), ou seja, dos que por amor fazem teatro, pode remeter para a área da animação sociocultural e/ou para a da divulgação cultural descentralizada.

Tempo houve em que o Teatro de Amadores tinha o respeito do País, dos meios intelectuais, do público em geral e dos meios de comunicação social. Depois do 25 de Abril conquistou mesmo o respeito do poder político, de quem obteve ajudas financeiras e alguns meios técnicos.

Também os partidos políticos, sabedores de que as actividades desenvolvidas pelos Grupos de Teatro de Amadores dão o seu contributo nas transformações qualitativas ao nível do consciente, tentaram dominar a sua organização, APTA – Associação Portuguesa do Teatro de Amadores, sem qualquer êxito. O movimento tornou-se forte. Fizeram-se Festivais de Teatro de Amadores que sempre tiveram o apoio dos vários públicos, de algumas Câmaras Municipais, de uns tantos Governos Civis, como o de Viana do Castelo, da Fundação Calouste Gulbenkian e também da Secretaria de Estado da Cultura, embora não tanto como o movimento então merecia. Fizeram-se cursos dirigidos por grandes encenadores europeus, nomeadamente em Portugal: Santarém, Covilhã, Areia Branca, este último com a colaboração do Ministério da Cultura da ex-RDA. Participou-se em Festivais Internacionais e em vários cursos fora do País. Lembro, por exemplo, a participação do Grupo de Teatro de Amadores Combate do Cartaxo, no Festival Mundial de Teatro de Amadores no Mónaco, com o «Sonho do Palhaço», proporcionador de muitas manifestações de contentamento de várias delegações de diferentes países e, não posso deixar de o mencionar, até pelo contraste, das palavras extremamente simpáticas que me foram ditas pela Princesa do Mónaco, a tão conhecida Grace Kelly, que previamente me havia confirmado a sua presença no espectáculo, para o que nunca necessitou de emissários. Foi aliás uma presença constante nos espectáculos do Festival, o mesmo não podendo dizer-se do seu marido, apenas presente quando os espectáculos aconteciam na Sala Garnier, no mesmo edifício do célebre Casino do Mónaco. Em Portugal, o único governante que vimos acompanhar o Teatro de Amadores com interesse foi o António Reis.

Na era cavaquista, cujos malefícios para o país a História há-de um dia registar, os apoios governamentais já não foram os mesmos, mas, verdade seja dita, a culpa não foi apenas do poder político. A estrutura montada, com as Associações Regionais, poderia resistir. No entanto, alguns dos grupos mais fortes e mais implantados tiveram a ilusão da profissionalização, a comunicação, televisão e imprensa escrita e falada, ajudou e os grupos foram ficando cada vez mais isolados. Hoje continuam a existir muitos grupos de teatro de amadores, mas não existe o movimento do teatro de amadores. Algumas Câmaras Municipais, não em todos os concelhos onde os grupos existem, vão apoiando e a imaginação dos seus elementos faz o resto.

O historiador José Mattoso, numa importante entrevista à revista Ler de Setembro/2010, diz, em determinado momento: Uma das coisas curiosas e surpreendentes foi descobrir que aos fins-de-semana é frequente encontrar (…) pessoas que formam grupos para fazerem percursos pedestres ou que criam pequenos grupos de teatro. São grupos que muitas vezes não sabem uns dos outros. Eu interpreto isso como uma geração espontânea de sinais positivos, cujo resultado global é impossível de imaginar. Creio que as transformações sociais se dão por agregação de pequenos fenómenos. Até ao momento em que se chega a um ponto crítico. Se a agregação atinge uma determinada percentagem, que é impossível de prever à partida, dá-se uma alteração profunda. E mais à frente, diz ainda José Mattoso: são esses pequenos grupos que têm uma atitude positiva diante do futuro e do mundo. Naturalmente é nisso que ponho a minha esperança cheia de interrogações. É esperança, não é expectativa. Era isso que eu gostava que se fortalecesse.

Compete-nos a nós ajudar a concretizar esta esperança do historiador. Organizar uma nova associação do teatro de amadores é dar também um importante contributo para a necessária alteração profunda de que nos fala José Mattoso.

Agora, há que colher as lições com a história recente do teatro de amadores e torná-lo de novo num movimento forte. O INATEL poderia ser, no momento, a organização que poderia dar um dos maiores impulsos para que as potencialidades que existem se transformassem e o desejado movimento ressurgisse.

Para além dos próprios grupos, as Escolas e os seus Professores, as Associações de Pais e as Autarquias, as Associações Ecologistas e as Associações Recreativas/Desportivas deverão também ser chamadas a dar o seu contributo.

Quantos dramas se vivem no seio das famílias e das comunidades que se poderiam evitar se aos jovens fossem dadas condições para desenvolverem uma actividade tão enriquecedora como é a do teatro de amadores?

O teatro profissional, se ambiciona implantar-se em todo o País não pode continuar a ignorar os grupos de teatro de amadores.

É verdade que as dificuldades de relacionamento entre os amadores de teatro e os profissionais são um facto de sempre, sobretudo quando alguns dos componentes das estruturas profissionais não passam de amadores que fazem teatro, ou seja, não passam de «sapateiros a tocar rabecão». Os amadores de teatro necessitam de espaços para apresentarem os seus espectáculos e, neste campo, os profissionais de teatro, gerindo bem os espaços de que dispõem, poderão conseguir uma aproximação que a todos será proveitosa, não só por manter tais espaços abertos às populações, mas também por o teatro de amadores poder desempenhar com mais facilidade um dos seus papéis que é o de atrair públicos para a frequência do teatro, para a criação do hábito de ir ao teatro e, ainda e muito importante, pode também proporcionar o contacto entre todos os intervenientes: entidades referidas, populações que vivem nas áreas abrangidas, tornando possível a discussão e a solução de problemas que a todos interessam. Se os profissionais de teatro disponibilizarem os seus espaços e se, com a humildade dos inteligentes, derem também um contributo para a solução de alguns problemas técnicos que os amadores de teatro vivem, estará dado um passo importante para a confiança se implantar. Outra das razões, que os amadores de teatro dificilmente confessam, tem a ver com as concepções estéticas de alguns espectáculos profissionais que os confundem e, consequentemente, os intimidam (claro que não estamos a falar de todos os amadores de teatro, mas de uma percentagem razoável que vive espalhada pelo País). É de lembrar também que, muitas vezes, os amadores de teatro se sentem lesados por verificarem que também os profissionais, instalados ou não na sua região, se dirigem às mesmas entidades públicas na solicitação de apoios, sobretudo financeiros. Se o que atrás se diz se verificar, esta questão perderá grande parte da sua importância.

Completando algo que atrás já aflorei, os amadores de teatro são fundamentais na conquista de públicos, dado que cada vez mais as portas das escolas se lhes abrem e também por haver uma enorme percentagem de portugueses que viu teatro graças à actividade desenvolvida pelos amadores. Os profissionais devem meditar neste aspecto e não podem esquecer que os amadores se vêm tornando cada vez mais exigentes, mesmo no campo estético, por cada vez mais os grupos de teatro de amadores serem constituídos por pessoas com um grau cultural bem mais elevado do que há alguns anos, graças ao seu esforço pessoal, à sua cada vez maior formação escolar, inclusive universitária, mas também devido aos cursos de formação virados para o teatro, em Portugal e no estrangeiro.

A arrogância de muitos amadores de teatro no contacto com os profissionais tem mais a ver com a intimidação que acima se refere e também por sentirem que, de um modo geral e no que ao teatro diz respeito, sabem muito pouco em comparação com os profissionais; a arrogância dos profissionais no contacto com os amadores é, geralmente e culturalmente falando, fruto de uma grande ignorância.

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Quer os profissionais quer os amadores de teatro têm de assumir as suas diferenças. Se é verdade que os amadores têm de ter consciência que não podem competir tecnicamente com os profissionais, é bom que os profissionais não esqueçam que, como nos ensina Manfred Wekwerth, muitas vezes os amadores «representam frequentemente o que observam com mais frescura». Os amadores de teatro devem procurar dar largas à sua espontaneidade e não procurar imitar os profissionais. Os profissionais, como lembra o autor citado, representam muitas vezes com os gestos de sempre: «há gestos para o amor, para a alegria, a indignação dos gestos a toda a prova transmitidos por uma longa tradição, ...».



Outra das questões fundamentais tem a ver com o prazer de representar. É verdade que muitos dos amadores de teatro encontram nesta actividade a sua forma de intervir na comunidade a que pertencem, mas não é menos verdade que o prazer de fazer teatro está sempre presente. Passar-se-á sempre o mesmo com os profissionais?

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