terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Evento – em que momento o galego – português se tornou um idioma universal?

Carlos Loures

Serpenteando, avançando, recuando, tenho estado a recapitular temas  da língua e da literatura galego-portuguesa que já aqui  tinha abordado e que me parece oportuno recordar. Continuo hoje essa tarefa, há dias iniciada e respeitando o espírito da iniciativa lançada pelo Professor Sílvio Castro, queria referir-me ao evento que, na minha opinião, terá sido decisivo para a expansão da nossa língua – o momento chave que terá desencadeado essa expansão.

Vimos ontem como a criação de um reino independente a Sul do Rio Minho e a manutenção a Norte dos laços com o reino de Leão e Castela, teve por base especificidades das regiões bracarense e lucense que vinham já do período do domínio romano e que remetem para diferenças existentes desde então entre as regiões bracarense e lucense em que a Galécia se dividia. E, como Ramon Villares disse na sua “Historia de Galicia”, teve também como motivo uma certa «incapacidade da nobreza galega para se constituir em reino próprio desde os primeiros momentos da reconquista»;.

A região lucense ligada à Europa pelo Caminho de Santiago, iria desenvolver um conjunto de traços específicos que, embora inserindo-se de forma periférica na monarquia castelhano-leonesa e vítima de um processo de aculturação, lhe permitiriam conservar a sua identidade ao longo da história até aos nossos dias. Os portugueses voltaram-se para o mar e compreenderam que só dali lhes poderia vir a possibilidade de expansão. Assim, se tivesse de definir esse momento chave para o idioma que, em nove nações e em numerosas colónias de emigrantes espalhados por todo o planeta, é  falado por cerca de 240 milhões de pessoas, não hesitaria – o momento é aquele em que, voltando as costas à Europa, Portugal se lançou na aventura dos Descobrimentos. Sem esse impulso, outros estados teriam achado as terras a que chegaram as nossas armadas e o português seria um idioma com uma difusão idêntica à do neerlandês. E. sem a projecção que o conjunto de nações onde a nossa língua é falada, sem a grandeza esmagadora do Brasil e o potencial de Angola e Moçambique, a Galiza não se sentiria atraída por regressar às suas raízes históricas e linguísticas – a aculturação castelhana teria sido ainda mais demolidora.

Mas para os patriotas galegos o idioma comum, que nasceu na Galiza e que os portugueses conservaram, protegeram e espalharam pelo Mundo, representa a recuperação da identidade nacional. Se perdem o idioma e adoptam o castrapo, a Nação Galega deixará de existir. Porque, o castrapo é um híbrido, filho do galego, mas geneticamente manipulado e com um exoesqueleto de sintaxe castelhana, morfologicamente eivado de castelhanismos e foneticamente espanholizado – em suma, é um híbrido e, como sabemos, os híbridos, na sua maior parte, não se reproduzem. Do castrapo, passar-se-á ao castelhano.
Elias Torres, Professor da Universidade de Santiago de Compostela e presidente da Associação Internacional de Lusitanistas, numa entrevista ao Portal Galego da Língua, usava como metáfora uma situação de um conto de Álvaro Cunqueiro: «a Galiza está sentada sobre um tesouro e nom o sabe». Esse tesouro a que o Professor se refere é, obviamente. a língua galego-portuguesa, que, segundo projecções baseadas na evolução demográfica dos oito Estados e nove nações que têm o idioma como língua oficial, deverão totalizar 350 milhões de habitantes em 2050.
A adesão da Galiza à CPLP é muito importante. Sem a Galiza  a nossa língua é como um caudaloso rio privado da nascente. Não esqueçamos nunca que foi do fio de água que brotou das terras galegas que nasceu um idioma que hoje é um vasto  oceano banhando todos os continentes.

2 comentários:

  1. Sem dúvida que é muito importante mas o governo de madrid vai fazer toda a pressão junto dos países para não haver adesão.

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  2. Parabenizo mais uma vez, como não?, o meu tocaio C. Loures, muito bem informado, e recolho o que Luis Moreira disse acima: "Sem dúvida que é muito importante mas o governo de madrid vai fazer toda a pressão junto dos países para não haver adesão", e concordo, claro.

    Ora, a situação é nestes momentos delicadíssima: há um, digamos, "capital simbólico" (Bourdieu dixit: eu não gosto muito, mas enfim; prefiro falar, não em produtos, mas em sementes, que dão fruto...) ao que tem pleno direito o (bem ou mal) chamado reintegracionismo (não esqueçamos que em bastantes de nós, é um esforço ingente de mais de 30 anos de resistência, e não digo mais aqui);

    a Academia de Ciências de Lisboa, a Academia Brasileira de Letras, p.ex., vultos como Malaca Casteleiro e Evanildo Bechara (e muitos outros, que hoje não estão entre nós, como A. Houaiss, que facilitou a nossa participação como observadores nas duas negociações do Acordo: do 86 e do 90, o qual, lembremos mais uma vez, contém nas suas entranhas duas emblemáticas palavras galegas, entre os 19 exemplos de proparoxítonas com vogal tónica fechada, Base XI, 2º a)) tiveram o bom critério e a generosidade de "dar um pulinho" à novíssima Academia Galega da Língua Portuguesa, "and the rest is history"...

    e acontece, digo, que isto é, claro, observado (por não dizer outra palavra) pelos que "desde sempre" disseram que éramos um fato de radicais "lusópatas" (não invento a palavrinha: olhai exemplos do seu emprego pela Internet adiante) etc. etc., e que hoje se topam no beco sem saída que lhes preparou há 30 anos (sabendo ou sem saberem eles, tanto tem) um tal Constantino García à frente do seu Instituto de la Lengua Gallega (como se chamava, eu não esqueço): então o que querem eles? pois boleia/carona (auto-stop dizíamos os que o fazíamos quando moços...), "entrar" na CPLP depois do trabalho feito por outrem... que ficaria "trabalhando para o bispo", percebeis?

    nisso estamos e, como digo, isto é delicado; eu/nós não temos outro cartão de apresentação que o trabalho (bem) feito; e eu, pessoalmente, confio nas pessoas (tb sou pouco "político"), e mais não digo...

    obrigado pelo interesse

    Carlos D.

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