segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Evento – o momento histórico em que a deriva do galego-português começou

Carlos Loures

Prossigo a recapitulação do que antes disse sobre as questões históricas, literárias e, evidentemente, linguísticas ligadas ao idioma galego-português. Estou a fazê-lo, convenhamos, de uma forma um pouco errática – à medida que vou consultando o que escrevi e essa leitura me vai sugerindo estas notas. Acabo de saber que o Professor Ariel Castro se vai debruçar sobre este tema. Será um valioso contributo. E muito gostaria de que os amigos galegos interviessem activamente neste painel sobre um tema tão importante. Vamos lá a mais um apontamento

Simplificando, digamos que há na Galiza, além dos que defendem a reintegração do galego na área da lusofonia (não percam o ensaio de Carlos Durão -"Síntese do reintegracionismo contemporâneo"), há os que são pelo acentuar da castelhanização do galego e outros ainda que pugnam por uma via autónoma, ligada à fala popular distanciada do português por oito séculos de deriva. Há também quem defenda uma versão mais radical, ainda que, em parte, apoiada na palavra do Professor Ricardo Carvalho Calero e cientificamente verdadeira. Digo em parte, porque o Professor sempre defendeu a integração do galego no universo da lusofonia – a tal tese radical é a de que o nosso idioma comum se devia chamar galego e não português. Tentando avaliar se esta corrente de opinião é minimamente válida (porque não devemos reagir contra tudo aquilo de que discordamos numa apreciação superficial), pedi reforços ao professor Ramon Villares e à sua «Historia de Galicia», um livrinho de bolso editado em castelhano, que em Agosto de 1988 me foi oferecido por um professor da Universidade de Santiago de Compostela.

Não vou recuar tanto no tempo como seria possível. Jorge Castro, num amável comentário a um texto anterior sobre este tema, sugere que a irmandade galego-portuguesa poderá ter raízes ancestrais, localizadas para lá da última grande glaciação (Teoria da Continuidade Paleolítica). É uma possibilidade cuja exploração deixo para quem saiba, mas que, a ser provada, nos daria conta de uma afinidade que não deve e não pode ser destruída; muito menos pela gula hegemónica de um estado artificial como o estado espanhol. Mas não iremos tão longe. Vamos só recuar até à época em que o condado de Portucale e o da Gallaeciae seguiram caminhos diferentes. Este é o evento histórico determinante da deriva do idioma.

Quando, em 1065, morreu Fernando I de Leão e Castela, reino de que os dois condados eram vassalos, o seu território foi dividido entre os filhos, ficando D. García com a Galiza, um território que se estendia até ao Mondego, pois Fernando I, o Magno, conquistara aos Mouros Lamego (1057), Viseu (1058) e Coimbra (1064) território que o conde governou entre 1065 e 1070. Deposto D. García e levado preso a Leão, a Galiza ficou transformada numa província de Leão, dirigida por sucessivos condes. Assim, em 1090 foi enviado para a Galiza como conde Raimundo de Borgonha, casado com D. Urraca, uma das filhas de Afonso VI. No ano seguinte, o condado portucalense foi entregue a Henrique de Borgonha, casado com a irmã de Urraca, D. Teresa. Quando Raimundo morreu, em 1107, verificou-se uma profunda crise política em que a nobreza galega participou activamente, tanto a laica ( Pedro Froilaz, conde de Traba), como a eclesiástica (D. Gelmírez. Uma parte desta nobreza aliou-se a D. Urraca, ligando-se à ideia imperial leonesa, enquanto outro grupo defendeu os direitos de Alfonso Raimúndez, filho de Urraca, que em 1109 foi proclamado rei da Galiza. Porém Alfonso Raimúndez, transformou-se, mercê da sua posição na linha dinástica, em Afonso VII de Castela e Leão, proclamando-se Imperator totius Hispaniae. De certo modo, foi o último rei da Galiza, pois, com ele, integrou-se na monarquia leonesa a nobreza galega mais rebelde, representada pela estirpe dos Traba.

O que nos diz respeito sabemos nós bem – Afonso Henriques, primo direito do autoproclamado imperador, queria um reino só para ele, venceu sua mãe, D. Teresa que alinhara com a nobreza galega, prestando vassalagem ao sobrinho, na batalha (ou escaramuça; ou torneio) de São Mamede, em 1128, e proclamou unilateralmente uma independência que só em 1143, pelo Tratado de Zamora, seria reconhecida pelo rei de Leão. Como José Mattoso salienta e Ramón Villares cita, a independência de Portugal não pressupõe qualquer reacção anti-galega, pois entre os que apoiaram o nosso Afonso I estavam famílias galegas, entre as quais a dos Traba, que procurava em Portugal o êxito que na Galiza lhes era negado.

Resumindo – a formação de Portugal obedeceu a causas complexas que remetem para diferenças existentes desde a época romana entre as regiões bracarense e lucense, que constituíam a Galécia. E como Villares sublinha, correspondeu também à «incapacidade da nobreza galega para se constituir em reino próprio desde os primeiros momentos da reconquista»; a expansão territorial portuguesa, seria feita a partir da parte meridional da Gallaecia, enquanto que a região lucense, mais recolhida sobre si mesma, inserida perifericamente na monarquia castelhana, mas ligada à Europa pelo cordão umbilical do Caminho de Santiago, iria desenvolver um conjunto de traços específicos que lhe permitiriam conservar a sua identidade ao longo da história até aos nossos dias.

Amanhã, continuamos esta reflexão.

1 comentário:

  1. Arredor da "Continuidade Paleolítica" (que não é o meu terreno) e temas afins, podem-se consultar com proveito, p.ex.:

    Higino Martins Estêvez, “As tribos calaicas”, Edições da Galiza, 2008, Barcelona
    André Pena Graña (http://gl.wikipedia.org/wiki/André_Pena_Graña, etc.)
    José Manuel Barbosa (http://www.retrincos.info/opinions/2010/12/04/Opinion/quem-foi-primeiro-uma-critica-historiografia-castelhanista/2010120422330800429.html, http://movv.org/2010/12/05/jose-manuel-barbosa-os-reis-asturleoneses-eram-coroados-em-compostela-oviedo-ou-leao-os-reis-falavam-galego/ etc.)

    entre outros

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