sábado, 18 de dezembro de 2010

Guilherme de Azevedo(1839-1882) - IV

Carlos Loures




A alma nova / Guilherme d'Azevedo ;
 introdução e notas de Manuel Simões. -
Lisboa : Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
 imp. 1981.
 Escritor «menor»?


Guilherme de Azevedo, no que se refere à opinião que dele faziam os seus coevos, foi estimado por Junqueiro (que ljhe dedicou a Velhice do Padre Eterno), por Magalhães Lima e por Bordalo, louvado por Antero e por tantos outros, exaltado por Ramalho e um pouco ridicularizado, diga-se, embora com algum carinho, pela pena ferina, cruelmente impiedosa, de Fialho de Almeida que, sendo ele próprio um «rapaz da província ao assalto da capital», parece não ter perdoado a Guilherme a sua ousadia de, vindo de Santarém, ter conquistado as colunas dos principais jornais de Lisboa e do País e de serem as suas crónicas lidas avidamente, os seus ditos e frases jornalísticas repetidos pelas mesas dos cafés e de ter sido convidado a fixar-se em Paris (que, na época, era por aqui considerada a capital do mundo, a fonte de todas as ideias e prodígios). Outros contemporâneos, que com ele conviveram e se cruzaram, manifestaram o seu respeito por este homem que as circunstâncias da vida tornaram amargo, mas que em vez de fel destilava pela sua pena um humor ácido, talvez, mas humor, em todo o caso.

É, pela generalidade dos investigadores e historiadores da literatura portuguesa (como, por exemplo, Mário Dionísio), considerado um «escritor menor». Porém, o que significa ser um escritor menor? Será que existe ou em algum tempo existiu uma medida objectiva que permita avaliar da grandeza ou da menoridade de quem cria? A esse respeito, voltamos a Manuel Simôes que, na introdução à edição de 1981 de A Alma Nova, nos diz:

«As razões por que a história das ideias e, de modo particular, a história da literatura, não conserva de um autor senão uma referência de segunda ordem são complexas e dependem muitas vezes de circunstâncias externas ao próprio movimento dos factos sociais, impostas como são por condicionamentos propositadamente desviantes da cultura progressista de um país. Compreende-se, por isso, que Guilherme d’Azevedo tenha sido um autor esquecido, ignorado pela feroz máquina repressiva que tem canalizado a cultura portuguesa, e posto no índex das figuras marginais da história das ideias precursoras do socialismo em Portugal.»

E, mais adiante: «Guilherme d’Azevedo, numa espécie de testamento poético» [...]«e acentuando a função social do seu verbo, manifesta a esperança de que alguns dos seus versos, pelo menos, «fiquem presos/como fios de luz, ao manto da Justiça!». Que um tal desiderato se cumpriu é coisa que mesmo o leitos de hoje poderá verificar e porventura ampliar com a perspectiva histórica que o tempo lhe coferiu; simultaneamente dar-se-á também conta de como tem sido injusto e injustificado o esquecimento duma figura que activamente participou na batalha da «geração de 70» e que, não obstante a evidência de elementos catalisadores (e sua colocação retórica) de gazetilha, foi a primeira voz com incidência na renovação da forma poética do último quartel do nosso século XIX.»


O fim

No dia 6 de Abril de 1882, quinta-feira de Endoenças, Bordalo Pinheiro dirige-se à Casa de Saúde Dubois, no Faubourg Saint-Denis, onde Guilherme está internado. No Março anterior um grupo de amigos o levara para lá. Uma enfermeira detém-o à entrada - o amigo está muribundo, avisa-o. De facto, no seu quarto, o poeta agoniza. Pouco depois, aparecem também, Tomás Lino de Assunção e o dramaturgo Eduardo Garrido. Guilherme tenta ainda comunicar com eles, estendendo-lhes dois dedos trémulos. Ao cabo de uma hora tudo está terminado. Bordalo modela-lhe em gesso a máscara mortuária. No sábado seguinte, seguido por um escasso grupo de amigos, faz-se o funeral. Descreve Fialho:

«Este enterro foi a mais triste coisa que se pode imaginar. Chovia, e os amigos do morto eram tão poucos! De sorte que no cemitério o préstito cerrava-se, fazendo-se ainda mais pequeno, por que não se perdesse naquela terra estrangeira esse calor da Pátria que vinha dos corações batendo de ansiedade. Cada qual lhe lançou então na cova a pá de terra consoante os ritos de amizade, e ouvia-se a voz do visconde de Faria dizer fanhosamente:
– Eu cá sempre o tive por uma pessoa ordinária: três anos em Paris, e nem sequer um cartão me foi deixar ao consulado!...»


Os seus restos mortais são trasladados para Portugal em 1887.

(Excerto de uma biografia publicada pelo autor em "Vidas Lusófonas")

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