sábado, 11 de dezembro de 2010

O Reino da Traulitânia (o episódio da Monarquia do Norte)

Carlos Loures




No dia 14 de Dezembro de 1918, quando entrava na Estação do Rossio para fazer uma viagem de Estado ao Porto, o presidente Sidónio Pais foi assassinado. Com os sidonistas divididos em monárquicos e republicanos e digladiando-se entre si, as duas Câmaras, Parlamento e Senado, no dia 16 desse mês, elegeram o almirante Canto e Castro como presidente da República, seguindo a Constituição de 1911. No dia 23, o presidente convocou Tamagnini Barbosa para formar Governo.

O objectivo era desenvolver uma política prudente, de compromisso entre a direita e a esquerda, tentando evitar-se o perigo iminente de uma guerra civil. Por direita entendia-se os defensores sidonistas da «República Nova», por esquerda os que eram pela «República Velha», ou seja, pelo regresso aos princípios de 1910. No dia 3 de Janeiro de 1919, no Porto, constituiu-se uma Junta Governativa Militar, que se reivindicava da herança do sidonismo.

Em consonância com esse levantamento, em Lisboa, o coronel João de Almeida concentrou algumas unidades militares em Monsanto. O fantasma da guerra civil ensombrava o País.
No dia 8 de Janeiro de 1919, Tamagnini Barbosa apresentou perante as Câmaras a formação do novo gabinete. Logo no Parlamento, Cunha Leal verberou violentamente a cedência que o novo chefe do Governo fizera às Juntas Militares de Lisboa e Porto. No Senado, Machado Santos, o herói da Rotunda, reagiu de forma similar. No noite de 10, eclodiram revoltas militares, quase simultaneamente em Lisboa – a guarnição do castelo de S. Jorge e o Arsenal de Marinha, na Covilhã e em Santarém. A sedição logo foi dominada em Lisboa e na Covilhã. Em Santarém os militares resistiram e exigiram que o presidente constituísse um «Governo de Concentração Republicano», com representação dos partidos democráticos da chamada «República Velha».

Os pronunciamentos que visavam o regresso à normalidade constitucional republicana e que, aqui e ali, se iam verificando, foram todos eles sendo neutralizados pelas forças leais ao Governo. Mas essas forças «leais» não estavam coesas., pois o quadro da direita sidonista apresentava-se diverso no Norte e no Sul: a Sul predominavam os republicanos enquanto que no Norte, os monárquicos eram amplamente maioritários. As duas facções, inspiradas pelo Integralismo Lusitano de António Sardinha, estavam unidas no desejo de impedir o regresso dos políticos de 1910, mas divididas quanto ao regime a instaurar após o seu eventual triunfo.
Até que no dia 19 de Janeiro, sob a liderança de Paiva Couceiro, novo golpe militar no Porto proclamou a restauração do regime monárquico. Foi constituída uma Junta Governativa do Reino. Em Lisboa, o Governo da República apressou-se a decretar, para todo o território continental, o estado de sítio. Por toda a cidade surgiram manifestações de apoio à República e começaram a constituir-se batalhões de voluntários. O Batalhão Académico, formado por estudantes do ensino superior foi muito falado. José Gomes Ferreira, que esteve integrado na coluna comandada pelo general Abel Hipólito, com quartel-general em Viseu, faz uma colorida descrição da sua intervenção militar em «A Memória das Palavras-I». O Governo lançou um dramático apelo aos militares do CEP, recém desmobilizados da frente de batalha, para que lutassem em defesa da República.
http://4.bp.blogspot.com/_FF1Oh7g-A visita ministerial à frente da Batalha. – Na praça principal de Albergaria-a-Velha. Um acampamento das tropas fieis ao governo, que têm prestado assinalados serviços à República.
No dia 23 foi a vez de rebentar em Lisboa um golpe monárquico. Chefiado por Aires de Ornelas, concentrou novamente na serra de Monsanto importantes efectivos. O Governo tomou medidas de excepção, libertando os presos políticos – anarquistas, republicanos e socialistas, para que engrossassem as fileiras de defensores do regime. No dia 24, cercados e flagelados pela artilharia, os monárquicos de Monsanto renderam-se. No rescaldo, contaram-se trinta e nove mortos e aproximadamente trezentos feridos. Navios de guerra de países estrangeiros foram fundeando no Tejo, prontos a intervir.

Em 27 de Janeiro tomou posse um governo de «concentração republicana» encabeçado por José Relvas. Por todo o País, sobretudo no Norte e no Centro, iam-se verificando confrontos entre forças monárquicas e republicanas. O perigo de uma guerra civil generalizada é potencialmente grande. E a situação instável manteve-se até que em 13 de Fevereiro as tropas monárquicas comandadas por Paiva Couceiro, se renderam. As unidades leais à República afluíam de todos os lados e avançavam para o Porto sem encontrar grande resistência pelo caminho. No interior da cidade, o capitão Sarmento Pimentel comandou a revolta da «Guarda Real», como fora crismada a GNR, apoiado por civis armados e ajudou a derrotar as forças de Paiva Couceiro.


Tropas fiéis à República em Albergaria-a-Velha
Embora ainda subsistissem focos insurreccionais pelo Norte, que foram sendo jugulados, a revolta monárquica foi dominada. O Estado deu começo aos julgamentos dos cidadãos envolvidos na tentativa de restaurar a Monarquia. As liberdades, direitos e outros mecanismos constitucionais suspensos pelo golpe de Sidónio Pais em Dezembro de 1917, foram postos novamente em vigor. Chegara ao fim a Monarquia do Norte – a que também se chamou o «Reino da Traulitânia», devido aos maus tratos e sevícias infligidos aos prisioneiros republicanos caídos nas mãos dos couceiristas. Foi, em cem anos de República, a mais forte tentativa verificada no sentido de restaurar o regime abolido em 5 de Outubro de 1910.

1 comentário:

  1. Foi um período muito complicado e, como sempre, apareceu um "milagreiro" que permaneceu 40 anos.É no que dá os extremismos...

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