terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Os dez mais - Evento - Quatro momentos-chave do galego-português

Carlos Loures

Da forma atrabiliária que já denunciei, fui ziguezagueando pelos temas que dizem respeito ao idioma galego-português. Não esquecendo que o objectivo destes textos é o de determinar o momento chave de uma dada literatura. Em jeito de quem apanha pedaços dispersos, eu diria que houve três momentos chave na história do galego-português. Refiro-me à língua falada desde a Alta Idade Média nos territórios da antiga província romana da Gallaecia, uma variante neolatina ou, como diz com maior rigor científico Carvalho Calero, uma forma primitiva do romance hispânico ocidental. Forma que veio a resultar no galego-português (ou galaico-português).

Muito basicamente, descrevi, com a ajuda do Professor Villares, o momento da separação das duas partes irmãs, em que começou a deriva histórica e consequentemente a linguística. Deste período medieval há, quanto a mim, um primeiro evento assinalável - quando, no século XII, a poesia lírica produzida e escrita em galego-português, ultrapassando as suas fronteiras geográficas, chegava a Leão e Castela – as «Cantigas de Santa Maria», do rei Afonso X, o Sábio, foram escritas em galego-português.


Depois da separação política enquanto a agressão aculturante do castelhano começava o seu trabalho, a Sul do Minho a língua comum construía-se, enriquecia-se - Fernão Lopes, Gil Vicente, Sá de Miranda, Camões, para referir só alguns nomes, tiveram na criação da língua e na sua fixação em monumentos literários. E neste segundo ciclo da língua, há um segundo momento crucial quando Portugal, virando costas à Europa, se aventurou mar fora. Foi mercê dessa decisão e da política de navegações sonhada por D. Henrique e levada a cabo por D. João II, que começou a grandeza da língua, hoje falada por 240 milhões de pessoas em nove nações, sendo que a projecção demográfica para 2050 prevê que 350 milhões a falem.

Porém, ao longo de seis séculos de domínio estrangeiro, o galego fora invadido por castelhanismos, inquinado foneticamente e não só. Na Galiza o idioma parecia perdido. Mas não – no século XIX, com o Rexurdimento de Rosalía, Murguia, Pondal e tantos outros, a língua e a cultura galegas começaram a recuperar a sua identidade usurpada. Este renascer do amor pelo idioma, quando o galego estava já remetido à condição de dialecto rural do castelhano é, na minha opinião, o terceiro momento-chave na história da cultura galega.

Diria que estamos a viver um quarto momento-chave. Os filólogos portugueses e galegos (Manuel Rodrigues Lapa, Ricardo Carvalho Calero e muitos outros) criaram condições para que se pensasse na reintegração do galego na família da lusofonia. Do ponto de vista da ciência linguística não parece existir dúvida de que português e galego nasceram de uma mesma matriz. Podemos chamar por isso galego-português ao idioma que, sob duas formas dialectais, falamos lá e aqui. Reintegrar o galego no português ou o português no galego (chamo de novo a atenção para o excelente trabalho de Carlos Durão – “Síntese do reintegracionismo contemporâneo” – trabalho de grande envergadura, é uma das mais claras exposições sobre este tema que me tem sido dado ler). Mas que fique bem claro que quando se fala de reintegrar, não se fala de Portugal anexar politicamente a Galiza, mas sim do regresso do seu idioma à família a que nunca deixou de pertencer.

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